Existem
no Japão vários casos resolvidos pelo juiz Ôoka
Tadasuke (1677-1751) que se tornaram legendários. Ôoka,
natural de Edo (nome antigo de Tóquio), foi um juiz muito
respeitado durante o governo dos Tokugawa (1603-1867). Indicado
para trabalhar a serviço do xogum Tokugawa Yoshimune (1716-45),
Ôoka logo ganhou a reputação de ser um dos
oficiais mais competentes e incorruptíveis do governo.
Como recompensa por sua sabedoria e grande capacidade como mediador,
Yoshimune, nomeou-o também senhor de um pequeno feudo hereditário.
Depoimentos
antigos dão conta de que o honorável juiz Ôoka
Tadasuke nunca recusou ouvir qualquer queixa, por mais estranha
ou absurda que se apresentasse. As pessoas às vezes vinham
a sua corte com casos incomuns, mas Ôoka concordava em ouvi-las
e fazer um julgamento justo. Entre os casos inusitados, está,
por exemplo, o do cheiro roubado.
Edo
era a capital do Japão e centro dos acontecimentos mais
importantes da época. A cidade era um formigueiro para
onde todos convergiam em busca de oportunidades. Muitos jovens
de pequenas cidades do interior dirigiam-se para a capital para
aprender uma profissão que lhe garantisse sustento. Foi
nessa época que um jovem aprendiz alugou um pequeno quarto
sobre uma casa de tempurá. A loja vendia alimentos fritos
que servia de mistura para o arroz nas refeições.
O aprendiz
era um jovem muito esforçado e criativo, mas o dono da
loja era um homem mesquinho e desconfiado. Não permitia
que seus empregados beliscassem sequer uma pontinha das frituras
e vivia desconfiado de que estava sendo lesado pelo seus auxiliares.
Um dia, ele ouviu a conversa de dois aprendizes.
É duro ser pobre. Mexemos com tanta comida e depois temos
que engolir arroz puro, sem mistura queixou-se um deles.
É verdade respondeu o outro , mas eu encontrei
uma maneira satisfatória de solucionar esse problema. Vou
para o meu quarto almoçar e jantar nos horários
em que a loja está fritando peixes e tempurá. O
cheiro sobe e eu vou comendo meu arroz puro, com o cheiro da mistura.
Assim, o arroz parece mais saboroso. Você sabe que o bom
cheiro desperta o apetite e é responsável pelo bom
gosto da comida.
O dono
da loja ficou furioso ao ouvir a conversa. Sentiu-se lesado por
alguém estar se aproveitando do cheiro de seus alimentos
sem nada pagar.
Eu exijo que você pague pelo cheiro que roubou!
Um cheiro é um cheiro respondeu o jovem aprendiz
qualquer pessoa pode cheirar o que quiser, pois o cheiro
está no ar. Portanto, não vou lhe pagar nada.
Ofendido com a resposta, o dono da loja pegou o aprendiz pelo
colarinho e o arrastou até a corte do juiz Ôoka Tadasuke.
Quem
assistiu à cena achou-a absurda. Comentaram que um homem
honrado e honorável como Ôoka jamais perderia tempo
dando ouvidos a uma acusação de roubo de cheiro.
Ledo engano, o juiz concordou em levar o caso a julgamento.
Todos os cidadãos têm o direito de ser ouvidos por
essa corte. Se esse homem sente que foi roubado e quer fazer uma
queixa, como magistrado da cidade, devo ouvi-lo.
Assim,
procedeu-se o julgamento. Todas as vezes em que o dono da loja
dizia ao juiz que o aprendiz havia roubado o cheiro de sua comida,
o povo presente ao ato caía na risada.
Pouco tempo depois, o juiz proferiu o seu veredicto:
Nesse caso, obviamente o aprendiz é o culpado disse
com severidade na voz. Apropriar-se de algo sem que o proprietário
saiba é roubo. Não posso considerar o cheiro diferente
de qualquer outra propriedade. Portanto, esse caso é um
ato de apropriação indevida.
O dono
da loja ficou muito feliz; mas o aprendiz, horrorizado. O jovem
era filho de um pobre lavrador do interior e, certamente, não
tinha como pagar por três meses que ficou usufruindo do
cheiro de tempurá da loja. Não tendo dinheiro para
pagar, seria jogado na prisão até apodrecer.
Quanto dinheiro você tem, meu jovem? perguntou
o juiz Ôoka.
Somente cinco moedas de pequeno valor respondeu o menino
e, se eu não pagar o aluguel do quarto com esse
dinheiro, certamente serei jogado no olho da rua.
Deixe-me ver o dinheiro.
O aprendiz
tirou o dinheiro do bolso com uma mão e despejou-o na outra
mão, para que o juiz pudesse vê-lo. Ouvindo o tilintar
do dinheiro, o juiz perguntou ao dono da loja:
Ouviu esse tilintar gostoso das moedas?
Sim meritíssimo respondeu o dono da loja, estalando
os olhos para as moedas.
Pois então considere-se pago pelo cheiro que lhe
roubaram. Se, no futuro, tiver mais queixas a fazer, por favor,
pode trazê-las a essa corte. Nosso desejo é que todos
os crimes sejam punidos e todas as virtudes sejam recompensadas.
Mas, meritíssimo, o ladrãozinho passou o dinheiro
de uma mão para outra, mas nas minhas mãos nada
chegou. Veja! disse o dono da loja, mostrando suas mãos
vazias ao juiz.
Ôoka olhou fixamente para o dono da loja e disse energicamente:
Essa corte determina a punição de acordo com a gravidade
do crime. Assim, decidi que o preço a ser pago pela apropriação
e utilização do cheiro de alimento será o
som característico do tilintar das moedas. Devo lembrar
que o som das moedas quando estamos sem dinheiro é tão
agradável quanto o cheiro da comida quando estamos com
fome. Tenho dito!
Assim,
a justiça foi feita, como de costume naquela corte.
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