Numa
das montanhas de Aizu, existe um pequeno rio de águas transparentes
onde ainda hoje podemos apreciar trutas iwana nadando rapidamente,
entre pedras e corredeiras características de rios montanhosos.
Há muitos e muitos anos, vários lenhadores viviam
na região. Certo dia de verão, quatro lenhadores
cortavam árvores perto do riacho e resolveram descansar
em suas margens, esfriando os pés nas águas geladas.
Vendo que havia várias trutas iwana subindo o rio, os lenhadores
resolveram apanhar algumas com as mãos. Os quatro homens
entraram no riacho e começaram a cercar alguns peixes que
procuravam se esconder entre as pedras.
Cercados
por todos os lados, os peixes pareciam sem saída, mas,
quando os lenhadores levavam as mãos para segurar as trutas,
elas escapavam com incrível rapidez, nadando para a liberdade.
Depois de várias tentativas infrutíferas, um dos
pescadores comentou:
Esses peixes são saborosos na mesa, mas rápidos
demais para serem pescados à mão.
Sei como pegá-los disse o outro lenhador
se jogarmos veneno no rio, podemos apanhar um monte de uma vez.
Vendendo esses peixes no povoado, ganharemos mais dinheiro do
que ficando aqui, cortando toras nesse sol quentíssimo.
Todos
acharam boa a idéia do companheiro e resolveram colocá-la
em prática. Imediatamente, embrenharam-se na mata e voltaram
com folhas de ervas peçonhentas. Fizeram uma fogueira e
puseram todas as folhas num grande caldeirão. Logo, começaram
a preparar um poderoso veneno.
Algumas
horas depois, quando já estava escurecendo, apareceu por
ali um monge. Chegando próximo da panela, sentiu um cheiro
forte e perguntou:
Estão preparando veneno? Pretendem jogar esse líquido
no rio?
Os lenhadores concordaram, fazendo movimentos positivos com as
cabeças. O monge ficou visivelmente alterado e disse, em
tom enérgico:
Vocês não podem fazer uma coisa dessas. Se querem
pegar peixe, pesquem do modo normal. Envenenar o rio vai matar
todos os seres viventes que nele habitam. Mesmo os peixinhos ainda
pequenos serão exterminados e vai demorar muito tempo para
que as águas voltem a ter peixes. Será um ato de
crueldade e de absoluta ignorância. Parem imediatamente
com isso!
O lusco-fusco
da fogueira que iluminava o rosto do monge dava um ar místico
e ao mesmo tempo tenebroso ao ambiente. Os lenhadores sentiram
uma espécie de medo vendo que os olhos do monge brilhavam
no escuro, enquanto ele falava sem parar. De repente, um dos lenhadores
ofereceu bolinhos para amenizar a ira do religioso.
Oh, sim, claro que aceito! Gosto de bolinhos.
O monge
puxou a tigela de bolinhos para perto de si e começou a
comê-los de um modo estranho. Jogava um por um os bolinhos
para cima e engolia-os sem mastigar. Os lenhadores ficaram olhando
boquiabertos aquele modo nada convencional de comer bolinhos.
Aquela cena causou desconforto a todos que a assistiam, e o lenhador
que tinha certa liderança sobre os demais disse:
O senhor tem razão, não vamos mais despejar esse
veneno no rio.
Ótimo! Fico aliviado em saber que criaram juízo.
Então, já posso continuar minha caminhada rio acima.
Assim,
o monge saiu andando às margens do rio em direção
ao topo da montanha. Quando ele desapareceu, o lenhador que havia
dito que não usariam mais o veneno reconsiderou o que havia
dito.
O veneno vai estar no ponto amanhã cedo. Tratem de dormir,
pois vamos despejar todo o caldeirão assim que o sol nascer.
Mal o sol surgiu entre as árvores, os lenhadores carregaram
o enorme caldeirão para a margem do rio. Logo em seguida,
despejaram todo o líquido esverdeado na água cristalina.
Pouco
tempo depois, vários peixes começaram a boiar, tentando
respirar na superfície. Os lenhadores entraram no rio eufóricos
e começaram a dar pauladas nos peixes atordoados. Sem vida,
os peixes eram colocados num cesto de bambu que, em pouco tempo,
ficou cheio.
Os
lenhadores ganharam muito dinheiro e estavam satisfeitos com o
que haviam conseguido. Porém, do local onde derramaram
o veneno para baixo, já não existia um só
tipo de ser vivente. Então, levados pela ganância,
subiram rio acima e despejaram mais veneno. A operação
foi repetida algumas vezes, até que um dia chegaram no
alto da montanha. Havia uma clareira com uma bela cachoeira. No
pé da cachoeira, águas profundas formavam uma grande
bacia natural.
Habitantes
da aldeia ao sopé da montanha costumavam dizer que aquela
bacia era o santuário do rei das trutas iwana. Ali, ele
morava e por isso ninguém ousava pescar junto à
cachoeira. Porém, os lenhadores estavam cegos de ambição
para enxergar a sabedoria popular. Assim, despejaram sem pestanejar
todo o veneno na água.
Em
pouco tempo, muitos peixes começaram a boiar e os lenhadores
foram apanhando um por um, como loucos desvairados. De repente,
a água ficou escura e vários corvos pousaram nos
galhos secos próximos da cachoeira. Os lenhadores ficaram
assustados, sem entender o que estava acontecendo. Foi então
que uma truta de tamanho inacreditável começou a
boiar sem vida.
Nossa! Então não era lenda, o rei das trutas iwana
existia mesmo! disse um lenhador, não acreditando
no que via.
Pegamos o rei dos peixes! É tão grande quanto
uma baleia! festejou outro lenhador, pulando de alegria.
Enquanto
arrastavam o enorme peixe para as margens, o líder dos
lenhadores comentou:
Se vendermos esse enorme peixe, vamos ficar ricos. Se fôssemos
na conversa daquele monge, jamais teríamos conseguido essa
façanha.
Mas
havia um problema. O rei das trutas iwana era tão grande,
tão grande, que era impossível carregá-lo
montanha abaixo. Os lenhadores então resolveram cortá-lo
em pedaços para poder transportá-lo. Quando cortaram
a barriga do peixe, encontraram vários bolinhos redondos.
Os mesmos que o monge havia comido dias antes.
Aquele monge era o rei das trutas iwana! observou, tremendo
de medo, o líder dos lenhadores. Em seguida, abriu a boca
como os peixes sufocados pelo veneno e entrou em convulsão.
Seu corpo tremia, tremia, até que caiu sem vida.
Os
outros lenhadores ficaram apavorados e saíram correndo.
Desceram montanha abaixo em disparada, largando tudo o que haviam
pescado.
Na
aldeia, o povo já sabia que alguém estava envenenando
o rio, pois muitos peixes mortos foram levados pela correnteza
até próximo de suas casas. Quando os três
lenhadores desceram morro abaixo, foram recebidos a pedradas e
expulsos do povoado.
Tempos
depois, as águas do rio voltaram a ser límpidas
e cristalinas. As trutas iwana voltaram a percorrer as corredeiras
com alegria. A vida voltou ao rio da montanha. A natureza sempre
se renova.
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