Há
muitos e muitos anos, havia um jovem monge chamado Anchin. Todos
os anos, ele fazia uma peregrinação nos Caminhos
de Kumano. Certa ocasião, quando se dirigia a um templo
em Kumano, começou a escurecer, então ele procurou
uma casa onde pudesse passar a noite. Encontrou uma aldeia chamada
Hidaka e bateu à porta da primeira casa. Foi atendido por
um senhor que era o administrador da aldeia.
O senhor poderia me dar pousada por esta noite? Estava indo para
um templo, quando fui surpreendido pelo entardecer.
O homem
recebeu-o cordialmente. Ele tinha uma bela filha adolescente chamada
Kiyohime. Anchin elogiou a beleza da garota e disse brincando
que viria buscá-la depois de três anos para se casar
com ela.
Na
manhã seguinte, Anchin seguiu em peregrinação.
Três anos se passaram e Anchin novamente estava fazendo
a peregrinação pelos Caminhos de Kumano. Por coincidência,
quando passava próximo da aldeia, o tempo fechou e começou
a escurecer. Lembrando que já conhecia o administrador
local, foi pedir hospedagem.
O monge
já nem se lembrava da menina Kiyohime, mas, ao vê-la
na casa do administrador, a lembrança voltou à mente
do monge. Ao mesmo tempo, o religioso ficou muito surpreso ao
constatar que ela havia se transformado em uma bela mulher.
Anchin
já havia pegado no sono quando foi despertado pela presença
de Kiyohime ao lado de seu leito. Ela se atirou em seus braços
e disse emocionada.
Obrigada por ter vindo me buscar. Esperei tanto por esse momento
que, durante três longos anos, fiquei contando os dias à
sua espera.
Foi
uma noite de amores ardentes. Ao despertar, na manhã seguinte,
Anchin, caiu em si. Como bonzo, estava proibido de se casar. Mas
não teve coragem de contar a verdade para Kiyohime. Prometeu
a ela que iria até o templo em Kumano e na volta passaria
lá para assumir compromisso matrimonial com ela.
Na
tarde deste dia, Anchin chegou ao templo. Como estava com a cabeça
nas nuvens, Osho-san, o monge superior, logo percebeu que ele
estava pensando em alguma mulher. Por isso, aconselhou-o que meditasse
bastante antes de fazer alguma bobagem.
Anchin
meditou muito e finalmente disse para si mesmo:
Eu sou um bonzo. Não posso querer Kiyohime. Regressarei
por outro caminho para não me encontrar com ela. E assim
fez.
Enquanto
isso, Kiyohime, preocupada, se perguntava:
Por que Anchin não volta do templo?
Ela decidiu ir ao seu encontro. Perguntou para um peregrino que
passava por ali se ele não havia visto um monge e fez a
descrição de seu tipo físico.
Sim, eu o vi no templo, ele tomou outro caminho para retornar
a sua cidade.
Não posso crer. Ele havia prometido que viria ao
meu encontro disse Kiyohime surpresa e quase chorando.
Ela
correu muito para alcançar Anchin e chegou a vê-lo
na travessia do Rio Hidaka.
Anchin, me espere! Anchin, me espere! ela gritou
com toda a força de seus pulmões.
Ao
vê-la, Anchin disse:
Remador, rápido, zarpe o bote.
Kiyohime surpreendeu-se e ficou sem entender porque ele estava
fugindo.
Ela
ficou muito triste, e seu amor transformou-se em ódio.
O rato entrou no rio e desapareceu. Somente uma serpente
aquática pode acabar com um rato da água.
Kiyohime
estava com tanto ódio, que mergulhou no rio para tentar
atravessá-lo a nado. Pessoas que estavam na beira do rio
ficaram pasmas com o gesto impensado de Kiyohime. Naquele rio,
a correnteza era tanta que era impossível atravessá-lo
nadando. Testemunhas contaram mais tarde que a moça atravessou
o rio nadando e, quando surgiu na outra margem, havia se transformado
em uma enorme serpente. Dizem que o desejo de sua mente moldou
seu corpo, transformando-o numa serpente aquática. Assim
que a transformação se completou, mergulhou no rio
e foi nadando atrás do bote onde estava o monge fujão.
Anchin
desembarcou do bote e refugiou-se no Templo Dodoji (atualmente
na província de Wakayama).
Socorro, socorro, escondam-me por favor!
Os
monges do templo, mesmo sem saber de que se tratava, abaixaram
um enorme e pesado sino, ocultando Anchin em seu interior.
A serpente subiu a escadaria e encontrou o sino.
Anchin
rezava desesperadamente.
A serpente se enrolou no grande sino, jorrando chamas de sua enorme
boca.
O sino
começou a esquentar, esquentar, até que o metal
avermelhou completamente e deformou-se, derretendo um dos lados.
Em seu interior, com o calor, Anchin morreu assado.
Os
monges de Dodoji fizeram o enterro de Anchin. Após a tragédia,
encomendaram a fundição de um novo sino e determinaram
que nenhuma mulher poderia se aproximar de sua plataforma.
O tempo
passou, e o novo sino chegou ao Templo Dodoji. Foi preparada uma
grande festa para instalação do sino com a participação
da comunidade local, porém a cerimônia de intronização
estava proibida para mulheres. Entretanto, durante a cerimônia,
uma bela jovem veio pedir que a deixassem fazer um número
de dança clássica para dar mais brilho ao grande
evento. Dada a permissão, ela foi dançando em direção
ao sino e, embora tivesse sido proibido, tocou nele. Empurrando-o
com uma força sobrenatural e levantando um de seus lados,
a jovem entrou dentro do sino.
Em
seu interior, ela se transformou numa serpente gigante e, soltando
fogo pela boca, fez o sino avermelhar em brasa. Assim, Kiyohime
morreu como seu amado Anchin.
Dizem
que, tempos depois, Anchin e Kiyohime apareceram abraçados
e felizes em sonhos dos monges do Templo Dodoji. Eles teriam aparecido
para desculpar-se pelos transtornos que haviam causado. Contaram
que estavam felizes, pois haviam encontrado caminhos a seguir
na Sutra de Lótus.
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