No
capítulo anterior, a princesa Aya foi prometida, por seu
pai, ao segundo filho do senhor do castelo de Ako. Entretanto,
ao passear pelos jardins do palácio onde morava, numa noite
de lua cheia, Aya foi salva de uma queda por um jovem misterioso,
no canteiro das peônias. Desde então, a princesa
apaixonou-se pelo rapaz e acabou adoecendo.
Senhor, acho que a doença da princesa Aya é uma
doença de amor. Ela está profundamente apaixonada
pelo jovem que viu por alguns instantes e depois desapareceu misteriosamente.
Tenho medo de que, se não conseguirmos encontrar o tal
jovem, ela definhe dia a dia até morrer disse Sadayo,
a dama de companhia da princesa.
Mas o nosso castelo é muito vigiado, é humanamente
impossível que alguém consiga entrar e sair sem
ser visto pelos guardas dos portões... murmurou
o pai de Aya, Naizen no Jô.
Está sugerindo alguma coisa senhor?! Bem sabes que raposas
e texugos têm o poder de se transformar em seres humanos
e nos enganar. Será possível que algum desses bichos
tenha entrado no castelo por alguma pequena abertura no muro?!
Nessa
noite, para tentar reanimar a princesa, foi trazido da capital
o famoso músico Yashakita Kengyo, mestre num instrumento
de cinco cordas chamado biwa. A noite estava quente, e o concerto
musical foi ao ar livre. Os acordes espalharam-se pelo ar, tomando
conta do belo jardim do castelo. De repente, no canteiro das peônias,
um jovem de ar nobre apareceu para ouvir a música. Desta
vez todos o viram, e ele trajava a mesma roupa com bordados de
peônias em fios de ouro.
É ele! gritaram todos os que assistiam o concerto.
Diante da reação das pessoas, o jovem desapareceu
instantaneamente.
A princesa
ficou visivelmente excitada. Levantou-se e foi procurar pelo moço
no jardim, mas nada encontrou. O pai dela, senhor do castelo,
ficou muito confuso com a situação. No dia seguinte,
mandou fazer uma busca minuciosa no jardim, revirando pedras,
removendo canteiros de arbustos e procurando em cima das árvores,
porém, não encontrou ninguém escondido, nem
mesmo raposa ou texugo.
Nessa
mesma noite, quando dois músicos da castelo, Yaesan e Yakumo
tocavam seus instrumentos, respectivamente a shakuhachi (flauta)
e o koto (instrumento de cordas), o jovem novamente apareceu e
desapareceu ao ser notado. O mistério aumentou, pois a
vigilância tinha sido triplicada, e tudo no castelo foi
vasculhado palmo a palmo.
Yuki
Naizen no Jô resolveu chamar, então, o renomado Maki
Hyogo, um veterano oficial do exército que atuava como
conselheiro na corte do Shogun, para capturar o jovem misterioso.
O astuto Maki, que adorava desafios, aceitou prontamente a missão.
Vestiu-se de preto, como um ninja, para fazer-se invisível
e escondeu-se no canteiro das peônias.
Todos
tinham percebido que a música exercia certo fascínio
sobre o jovem misterioso. Conseqüentemente, os músicos
Yaesan e Yakumo fizeram um concerto naquela noite. O público
presente prestou mais atenção no canteiro das peônias
do que na música. A certa altura, um belo jovem surgiu
no jardim, com magnífica veste ornada de peônias
bordadas.
Maki
Hyogo levou um susto, pois o jovem surgiu do nada exatamente a
um passo de onde ele estava escondido. Em seguida, agarrou o jovem
por trás, na altura da cintura. Manteve-o apertado por
alguns segundos, quando sentiu uma baforada de vapor na cara e
caiu no chão agarrado firmemente ao jovem.
Os
guardas e o pessoal do castelo que assistiram à cena correram
para o canteiro e deparam-se com Maki Hyogo no chão:
Vejam, consegui agarrá-lo disse Maki, mas, vendo
o que estava abraçando, descobriu que se tratava apenas
de uma enorme peônia. Como Hiogo também era astrólogo,
logo descobriu do que se tratava.
Raposas e texugos não conseguiriam passar pelos portões
e os guardas do castelo, porém, o jovem sim, pois ele é
o espírito da peônia e nasceu aqui mesmo.
Os
videntes que estavam no local concordaram plenamente com Maki
Hiogo. O espírito da peônia manifestava-se sob aparição
de um belo jovem, porém não era na verdade um ser
material.
Esclarecido
o caso, a princesa Aya levou a grande flor de peônia para
seu quarto e colocou-a num vaso com água. Dia a dia, ela
foi melhorando de saúde, até recuperar-se completamente.
Inexplicavelmente, a grande peônia do vaso também
ficava cada vez mais radiante, não dando nenhuma mostra
de murchar, apesar de o tempo ir passando.
Como
a princesa estava agora com ótima aparência, seu
pai não via nenhum motivo para continuar adiando o casamento
dela. Então, dias depois, o senhor de Ako e sua família
chegaram com uma luxuosa comitiva, para realizar o casamento de
seu segundo filho.
A princesa
Aya despediu-se da grande peônia e foi para a cerimônia
de casamento. Após o ofício, seguiu com seu marido
para o castelo de Ako. As camareiras que acompanharam a princesa
viram a incomparável beleza da flor quando foram para a
cerimônia. E, após o evento, quando passaram pelo
quarto da princesa novamente, viram a peônia murchar e despetalar-se.
A alma da flor, não suportando a dor de ver sua amada princesa
casando-se com outro, despedaçou-se de tristeza.
O povo
local, quando contava o caso da princesa Aya ou Aya Hime, passou
a referir-se a ela como Botan Hime, ou princesa Peônia.
Fim...
|