No
capítulo anterior, Heiroku, um modesto porém esforçado
lavrador, casou-se com uma bela moça, após a morte
de seus pais. Entretanto, por não conseguir se separar
da esposa, pela qual era extremamente apaixonado, carregava no
bolso um desenho da mulher, feito por ela própria, o qual
olhava sempre que sentia saudade durante seu trabalho na roça.
Um dia, o desenho saiu voando e chegou ao castelo do governador
da província que, impressionado com a beleza da moça
do desenho, mandou que seus guerreiros a procurassem e a trouxessem
para o palácio. Heiroku ficou arrasado quando os samurais
levaram sua amada esposa.
Sozinho,
sem seu grande amor, a vida perdeu todo o sentido para Heiroku.
Ele ia diariamente à roça, mas ficava mais lamentando
que trabalhando. Plantou as sementes de pêssegos, como pediu
sua mulher. O pedido foram as últimas palavras que ouvira
dela.
Três
anos se passaram, e os pessegueiros começaram a dar frutos.
Heiroku encheu a cesta de pêssegos e levou-os para vender
na cidade, que ficava ao redor do castelo.
Olhem os pêssegos, comprem os pêssegos que
nasceram das sementes do amor.
Naquela
mesma hora, no salão nobre do castelo, estava havendo um
concerto musical. Uma dama da corte dedilhava com maestria as
cordas de um koto (harpa japonesa). Apesar de a música
ser encantadora, o governador estava chateado, porque a bela mulher
que ele mandou trazer à força, não havia
dado um sorriso sequer nestes três anos de permanência.
A voz de Heiroku sobrevoou os muros do castelo e chegou ao salão
nobre. Ao ouvir a voz do vendedor de pêssegos, a bela mulher
sorriu. Notando o sorriso dela, o governador exclamou:
Milagre! Ela sorriu! Sorriu pela primeira vez! Sorrindo,
ela é mais bela ainda!
Imediatamente,
o governador ordenou que trouxessem o vendedor de pêssegos
para dentro do castelo.
Jovem, acho que você conseguiu fazer um milagre. Quero que
repita o que estava gritando para confirmar o milagre.
Heiroku ficou emocionado ao ver a sua amada, porém teve
que controlar seu impulso para não se trair. Fingindo que
não conhecia a esposa, ele gritou:
Olhem os pêssegos, comprem os pêssegos que nasceram
das sementes do amor.
A bela mulher sorriu alegremente, seu semblante irradiava felicidade.
O governador ficou muito impressionado, queria que ela sorrisse
para ele e ordenou ao vendedor de pêssegos:
Vamos trocar de roupa, quero a cesta também.
Heiroku
tirou sua pobre e surrada roupa e deu-a para o governador. Este
vestiu-a imediatamente e, apanhando a cesta de pêssegos,
começou a andar gritando:
Olhem os pêssegos, comprem os pêssegos que nasceram
das sementes do amor.
Entusiasmado porque a bela mulher sorria sem parar, o governador
saiu andando a gritar satisfeito. Em seguida, resolveu dar uma
volta na cidade. Atravessou o portão do castelo, e o guarda
não percebeu de quem se tratava. Assim, ganhou as ruas
gritando e divertindo-se com a situação em que se
metera.
Depois
de andar algumas horas, resolveu voltar ao seu castelo. Como a
entrada estava fechada, gritou ao guarda que abrisse o portão.
Porteiro, abra imediatamente esse portão, estou
de volta.
O porteiro,
vendo por cima do muro aquele pobre e maltrapilho vendedor de
pêssegos querendo lhe dar ordens, ficou furioso.
Que atrevimento é esse?! Um vendedor de pêssegos
querendo dar ordens a um samurai? Suma daqui, senão lhe
corto o pescoço.
Eu sou o governador, seu idiota. Será que além de
burro você é cego?
Saiba que o governador está finalmente de amores
com sua bela esposa. Em frente da sua alcova existe, neste momento,
uma placa dizendo que não quer ser perturbado por um bom
tempo. Mas vou lhe ensinar a nunca mais chamar um samurai de idiota,
burro e cego.
Assim
dizendo, o guarda do portão saiu e deu uma grande surra
no vendedor de pêssegos. Em seguida, entre tapas,
socos e pontapés, ele ordenou que o maltrapilho nunca mais
voltasse, senão perderia a vida no fio de sua espada.
Heiroku,
ao vestir os ricos trajes de seda pura do governador, ficou realmente
parecido com o senhor do castelo. O tempo foi passando e ele assumiu
o lugar do governador.
Por
sua vez, o governador, vestido como um maltrapilho, não
conseguia convencer ninguém de quem realmente era. Então,
sem poder voltar ao castelo, passou a viver de lembranças,
olhando para um velho papel, onde havia um desenho de uma bela
mulher.
Fim...
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