Há
muitos e muitos anos, existiu um jovem lavrador chamado Heiroku,
que tinha a fama de ser muito trabalhador. O moço já
estava na idade de contrair matrimônio, porém, como
era pobre, pretendia juntar algum dinheiro antes de desposar sua
prometida noiva. Na verdade, ele nunca a tinha visto, pois, ainda
quando criança, seus pais haviam firmado compromisso matrimonial
com a filha de um amigo da família que morava na província
vizinha.
Heiroku
perdeu seu pai quando ainda era adolescente. Cuidou de sua velha
mãe durante muito tempo, até que ela veio a falecer.
Heiroku ficou então morando sozinho, e sua vida era um
tanto monótona; de casa para a lavoura de arroz e do trabalho
para casa.
Um
vizinho então lembrou que ele tinha uma noiva prometida
e resolveu procurá-la para realizar o casamento. Heiroku
pediu ao vizinho que não fosse à procura da família
dela, pois o acordo foi feito com seus pais há muito tempo,
e eles já haviam falecido. Outro motivo era a falta de
dinheiro; assim que conseguisse juntar algum, ele mesmo iria à
procura de uma noiva.
O vizinho
concordou com Heiroku, porém, vendo seu esforço
no arrozal e sua solidão, resolveu procurar a moça
para ajudar o bom rapaz.
Dias
depois, o vizinho retornou com a noiva prometida e foi realizado
o casamento numa cerimônia simples, com poucos convidados.
A noiva era linda e foi considerada a mulher mais bonita da província.
Heiroku ficou completamente apaixonado pela esposa, pois, além
de bonita, ela era muito carinhosa. Ele não cansava de
admirá-la e não conseguia sair de perto dela. Assim,
na lavoura de arroz o mato foi crescendo, pois o lavrador não
conseguia fazer outra coisa senão ficar admirando sua bela
esposa.
A esposa,
por sua vez, começou a ficar preocupada, pois, se o marido
continuasse sem trabalhar, logo não teriam o que comer.
Então, ela, que além de linda tinha dotes artísticos,
desenhou seu auto-retrato num papel e entregou-o a Heiroku.
O rapaz
ficou maravilhado com o retrato da esposa e concordou que poderia
voltar à roça levando aquele desenho. Quando quisesse
vê-la, bastava dar uma olhada no desenho para matar a saudade.
Dito e feito. A cada cinco enxadadas, ele sacava o desenho do
bolso e ficava apreciando. E, cada vez que olhava o desenho, ficava
com a cabeça nas nuvens, imaginando os mais belos sonhos
de amor.
Não
demorou muito e, enquanto estava absorto em seu sonho, um vento
traiçoeiro arrancou o desenho de suas mãos e o elevou
às alturas. Vendo o desenho voar alto e distante, o lavrador
correu desesperado, tentando perseguir o vento. Apesar do esforço,
não conseguiu alcançá-lo, o retrato de sua
esposa voou em direção à cidade e pousou
dentro dos muros altos do castelo do governador da província.
O governador
era um homem vaidoso. Considerava-se o homem mais bonito da região.
Por isso, mandou um artista da capital pintar um retrato seu e
vivia se auto-admirando. Foi em um desses momentos de auto-idolatria
que um papel trazido pelo vento adentrou no salão nobre.
Ao
olhar o desenho no papel, o governador ficou surpreso com a beleza
da mulher ali retratada.
Nossa, que mulher linda! Se ela existe, merece casar-se
comigo. Seremos o casal mais bonito do Japão.
Assim,
o senhor do castelo reuniu seus guerreiros e ordenou que vasculhassem
toda a região à procura daquela mulher. Vestidos
com elmos de batalha, os bravos samurais cavalgaram em todas as
direções para cumprir a missão que o poderoso
governador lhes atribuíra.
Os guerreiros entravam em aldeias e vasculhavam casa por casa
à procura da bela mulher. Houve muitas choradeiras e confusão
até chegarem à casa de Heiroku. Logo que os guerreiros
entraram na casa do lavrador, depararam-se com uma linda mulher.
Não havia dúvidas, não podia haver duas iguais.
Aquela era a mulher do desenho. Tão linda quanto a retratada.
Vamos levá-la ao castelo. O governador vai ficar muito
feliz, pois ela é linda demais!
Esperem, ela é minha mulher, vocês não
podem levá-la para o castelo! gritou Heiroku, desesperadamente.
Cale-se, insolente! Como se atreve a levantar a voz a um nobre
samurai?! dizendo isso, o guerreiro deu um safanão
em Heiroku, que voou de cara no chão.
Mesmo
apanhando, Heiroku tentava teimosamente impedir que os guerreiros
levassem sua esposa, gritando sem parar. Então, foi imobilizado
e submetido a um rigoroso shibari (arte de amarrar prisioneiros).
Mesmo amarrado, ele continuou gritando:
Senhores samurais, podem levar pepinos, beringelas, nabos
e tudo que existe na minha horta, mas, pelo amor de Deus, deixem
minha mulher!
Cada
vez que abria a boca, Heiroku levava um safanão dos guerreiros.
Amarrado, sangrando na boca e com os olhos roxos, o moço
estava em estado lamentável. Sua esposa, chorando, entregou-lhe
um saquinho de pano e disse:
Aqui, existem sementes de pêssego. Por favor, plante-as.
Quando houver frutos, vá vendê-los no castelo. Nunca
se esqueça disso.
Heiroku chorou de ódio quando viu sua mulher sendo levada
para o castelo enjaulada pelos samurais.
Continua...
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