As
folhas de momiji (acer), que da cor verde passaram para o amarelo
e depois para o laranja, agora ganhavam uma cor vermelho vivo.
Não só as árvores como o chão, forrado
de folhas caídas, davam a impressão de que todo
o jardim do castelo de Nabeshima havia pegado fogo. Era final
de outono no Japão.
O príncipe
de Hizen, um membro da família honrada de Nabeshima, tinha
como sua concubina favorita uma mulher charmosa, cujo nome era
Otoyo. Certa ocasião, os amantes passeavam no jardim do
castelo e permaneceram apreciando as flores até o pôr-do-sol.
No retorno, sem que eles percebessem, foram seguidos por um enorme
gato negro.
Otoyo
dirigiu-se para o seu quarto e sentiu uma inesperada indisposição.
Tentou manter-se acordada, mas logo dormiu. À meia-noite,
foi despertada por uma estranha sensação e viu dois
olhos enormes que a fixavam brilhando na escuridão. Prestando
bastante atenção, percebeu que se tratava de um
enorme gato negro. Porém, antes que ela pudesse gritar
pedindo ajuda, o animal saltou em sua garganta e mordeu-a profundamente,
estraçalhando seu pescoço até a morte. O
gato, então, foi lambendo o sangue da moça e adquirindo
forma humana, ficando igual a sua vítima. Então,
arrastou Otoyo para baixo do assoalho e enterrou o corpo sob a
varanda.
O príncipe,
que de nada sabia, não desconfiou nem um pouco da bela
mulher que naquela noite o procurou para fazer amor. Assim, nos
dias seguintes, como um ritual, ela o procurava no meio da noite
e ia sugando seu sangue sem que a vítima percebesse. Em
poucos dias, o príncipe de Hizen perdeu toda a força
e seu rosto estava mais pálido que uma vela. Permanecia
o dia todo deitado, pois já não tinha força
para se levantar.
Os
médicos do palácio prescreveram vários medicamentos,
mas nenhum fez o efeito desejado. Suspeitaram então que
alguém estava envenenando o príncipe.
Vários
samurais montaram guarda ao redor de seu quarto. Porém,
quando chegou o meio da noite, todos pegaram no sono e só
acordaram na manhã seguinte. Nas noites que se seguiram,
as mesmas coisas aconteceram. Nenhum soldado conseguia ficar acordado.
Os
conselheiros concluíram que alguma força estranha,
de poder sobrenatural, estava agindo naquela alcova. Chamaram
monges budistas e sacerdotes xintoístas para fazer exorcismo
no quarto, já que a saúde do príncipe ia
piorando dia a dia. Foram semanas de orações e rituais
diversos, mas de nada adiantou, a saúde do príncipe
de Hizen ia de mal a pior.
Naquela
ocasião, um samurai de nome Ito Soda, que serviu na infantaria
de Nabeshima, atravessou o jardim de inverno e invadiu as proximidades
do quarto do príncipe. Ele solicitou aos conselheiros que
permitissem a ele permanecer escondido no quarto do enfermo, para
desvendar como agia o espírito maligno que estava prejudicando
seu senhor.
Seu
pedido foi prontamente aceito, já que todas as tentativas
tinham se mostrado infrutíferas. Ito ficou firme em seu
posto, no entanto, como aconteceu com os guardas que o antecederam,
a partir das dez horas, começou a sentir um sono irresistível.
Para espantar seu sono, espetou sua faca profundamente em sua
coxa, de modo que a dor aguda o mantivesse acordado.
De
repente, as portas deslizantes do quarto do príncipe abriram-se,
e uma linda mulher entrou e dirigiu-se ao leito. Ela agachou na
cabeceira do príncipe e esticou o pescoço como quem
vai beijar o adormecido. Porém, a mulher, pressentindo
a presença de mais alguém no quarto, virou a cabeça
e, com olhos brilhantes, disse:
Tem alguém aí?
Ito
permaneceu escondido e em silêncio, espiando pela fresta
da porta do quarto ao lado. Percebendo que alguém a observava,
ela levantou e saiu do quarto às pressas.
Na
noite seguinte, a cena se repetiu. Assim, por não ter sido
subjugado por duas noites seguidas enquanto dormia, a saúde
do príncipe melhorou consideravelmente. Para Ito Soda,
ficou claro que Otoyo era alguma entidade maligna tentando acabar
com a vida do príncipe de Hizen. Diante disso, traçou
um plano para acabar com ela.
Fingindo
ser um mensageiro do príncipe, foi até o quarto
dela, para entregar um bilhete que sua alteza lhe enviara. Ao
aproximar-se da falsa Otoyo para entregar o suposto bilhete, Ito
sacou da espada e desferiu um golpe na direção dela.
Porém, com percepção felina, ela esquivou-se
da lâmina pulando para trás. Na seqüência,
assumiu a forma de um gato preto e saltou pela janela. Ganhou
o telhado do castelo e, segundos depois, fugia em direção
à montanha.
Esse
gato que gostava de lamber sangue humano passou a incomodar os
habitantes da montanha. Tempos depois, o príncipe de Hizen,
completamente recuperado, organizou uma caçada ao gato
maldito de Nabeshima. Um exército com milhares de samurais
vasculhou a montanha. Somente no oitavo dia, finalmente, o gato
maldito foi liquidado e a paz voltou à região.
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