No
folclore japonês, a raposa e o texugo eram considerados
ilusionistas e viviam pregando peças. Conta uma antiga
lenda que, nos arredores de uma pequena cidade, vivia uma família
de raposas. Elas eram famosas pelo modo original de iludir as
pessoas. Muito criativas, ninguém conseguia escapar de
suas artimanhas.
Uma
dessas raposas transformava-se em um homem barbeiro e deixava
careca todos os clientes que o procuravam para fazer penteados
ou aparar os cabelos. Assim, todos os homens da cidade ficaram
de cabeças raspadas. Por isso, o animal encantado acabou
ganhando o apelido de kitsune tokoya, ou seja, raposa barbeira.
Certo
dia, houve, na casa do conselheiro da cidade, uma reunião
para por fim àquela situação. Afinal, numa
época em que os penteados estavam na moda para homens em
todo o Japão, não era admissível que só
aqueles da pequena cidade não pudessem andar de cabeça
erguida. Apesar de haver unanimidade na decisão de fazer
a raposa parar com a brincadeira, ninguém tinha sugestão
de como fazer isso. Então, descobriram que, entre todos
os homens da cidade, havia um que ainda mantinha seu belo penteado.
Era um samurai jovem e esperto chamado Saizoemon. Diziam que seu
único defeito era ser convencido.
Assim,
o conselho de cidadãos resolveu chamá-lo para saber
como havia conseguido safar-se da ardilosa brincadeira da raposa
barbeira.
Chegando
ao local da reunião, o samurai foi logo dizendo:
Sabem por que se deixaram enganar por uma raposa? Simples, porque
vocês são tolos. Sendo assim, não adianta
ficar discutindo o dia todo, porque não vão chegar
a conclusão alguma. No entanto, eu sei como dar um jeito.
Então, o que estão esperando? Admitam a incompetência
e me implorem para castigá-la.
Apesar
de a arrogância irritar os presentes, ninguém viu
outra alternativa senão pedir humildemente para que Saizoemon
desse um jeito na atrevida raposa.
O samurai
pegou uma lança e foi para o bosque, onde todos diziam
que havia esconderijos de raposas. Quando caminhava por uma trilha
entre árvores de pinho, cruzou com uma bela garota de olhar
malicioso, que o cumprimentou:
Boa tarde, Saizoemon, está passeando pelo bosque?
O samurai
logo desconfiou que era um truque ilusionista da raposa e atacou
com sua afiada lança. A moça, assustada, esquivou-se
do golpe deixando aparecer uma calda branca.
Eu tinha razão, sua raposa safada. Agora, você não
vai escapar de meu golpe assim dizendo, atacou a raposa,
que voltou ao seu formato e fugiu apavorada.
Vitorioso
na primeira investida, ele ficou mais convencido de sua esperteza
e foi caminhando mata adentro.
Numa
clareira do bosque, viu outra mulher que parecia estar descansando.
Logo desconfiou de que se tratava de outra raposa.
Assim
que a mulher saiu andando, ele a seguiu, escondendo-se atrás
das árvores enquanto observava-a.
Num
momento, a mulher agachou e juntou um punhado de capim seco. Dobrou
os capins e, com eles, fez um boneco.
Saizoemon
segurou a respiração e observou atentamente.
A mulher esticou os braços levantando o boneco e assoprou
com força. Como num passe de magia, o boneco ganhou vida,
transformando-se num bebê humano. Embora espantado, o samurai
não tinha mais dúvida de que se tratava de uma raposa.
Com
o bebê no colo, a mulher entrou na casa de um lenhador e
foi recebida por uma velhinha com grande alegria.
Nossa pensou Saizoemon a raposa está tentando
enganar a pobre velhinha. Preciso agir imediatamente. Assim dizendo,
adentrou a casa derrubando a porta com o pé. Encostando
a lança no pescoço da mulher, ele disse:
Cuidado, minha senhora, esta raposa está tentando lhe enganar.
Este bebê é um punhado de capim seco, vi com meus
próprios olhos quando ela fez a magia dizendo isso,
o samurai apanhou uma corda e amarrou a mulher. A velhinha, que
não estava entendendo nada, protestou:
Senhor samurai, o que está fazendo com a minha nora, o
senhor é um maluco?
Santa ignorância a sua, minha senhora! Será que não
percebe que esta é uma raposa astuta?! Fique olhando calada
que vou provar o que estou dizendo.
Pare, senhor, está completamente enganado. Meu neto não
é um punhado de palha, veja é uma criança
de carne e osso.
Minha senhora, quando uma raposa se faz passar por gente, para
quebrar o encanto, é necessário fazer fumaça
com folha de cedro. Assim que a fumaça encobrir a raposa
encantada, logo aparece um rabo branco e, depois, ela volta ao
seu formato original.
Assim
dizendo, Saizoemon arrastou a mulher amarrada para fora da casa,
fez um monte de folhas de cedro e botou fogo para fazer fumaça.
A velhinha
gritava desesperada para que Saizoemon parasse com aquele ato
bárbaro.
Por favor, pare com isso, o senhor vai matar a minha nora, a mãe
de meu querido netinho.
Sem
se importar com as súplicas da velha senhora, o samurai
deixou a mulher coberta de fumaças, o que provocou muitas
tosses.
Não se preocupe, senhora, assim que quebrar o encanto,
seu netinho vai voltar a ser um simples punhado de capim.
Por
mais que a fumaça envolvesse a mulher, não aparecia
nenhum rabo de raposa e ela continuava tossindo desesperadamente.
Pare com isso, ela está morrendo, não está
vendo o mal que está fazendo?
Saizoemon
não parava. Estava convicto que aquela era uma raposa encantada.
De repente, a mulher caiu e ficou esticada no chão.
Minha nora morreu! Você matou a minha nora! Meu netinho
vai ficar órfão! Quanta crueldade!
Saizoemon
levou um susto. Balançou e desamarrou a mulher desesperadamente.
Todas as tentativas para reanimá-la pareciam inúteis.
O samurai foi tomado de um grande arrependimento e, prostrado
no chão, reconheceu seu engano.
Matei essa pobre mulher por engano. Que erro terrível cometi!
Não sou digno de continuar sendo um samurai.
Nesse
exato instante, apareceu um monge no local.
O que aconteceu por aqui? Parece uma tragédia.
O samurai
contou todo o seu infortúnio dizendo quanto estava pesaroso
pelo imperdoável engano.
Sua alma jamais terá paz enquanto não purificar
seu espírito. A alma da pobre mulher, morta por engano,
inconformada por tamanha injustiça, não terá
paz. Vai se tornar, com certeza, uma alma penada. É necessário
que reze muito, mas muito mesmo, por ela. Raspe sua cabeça
e torne-se um monge, assim poderá dedicar muitas orações
a sua pobre alma.
Saizoemon
concordou que essa era melhor solução, já
que era indigno de continuar sendo um samurai. Pediu, então,
ao sacerdote que lhe raspasse a cabeça e o ordenasse monge.
Atendendo
à vontade do samurai arrependido, o monge raspou a cabeça
de Saizoemon. Quando terminou de raspar, o monge desapareceu num
passe de mágica. Não só ele como a casa,
o bebê, a velhinha e a mulher que parecia morta.
Nisso,
o povo da cidade encontrou Saizoemon sentado sobre uma pedra com
a cabeça raspada.
Vejam, a raposa barbeira conseguiu enganar Saizoemon também!
A raposa
conseguiu iludir Saizoemon seguindo todos os seus passos. Assim,
o samurai tornou-se alvo de gozação de todos na
cidade, até que se tornou um cidadão humilde.
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