Na
primeira parte desta lenda, o kozo de um templo japonês
aos pés de uma montanha foi enviado por seu mestre para
colher flores na floresta para o Shunbun no Hi (Dia do Equinócio
da Primavera). Entretanto, o menino se distraiu enquanto tentava
cumprir sua missão e, perdido, quando a noite chegou, resolveu
pedir abrigo em uma cabana. Para o seu azar, lá morava
uma Yamanbá (bruxa). Agora, Kozo precisa fugir da velha
para voltar ao templo. Tentando enganar a bruxa, o garoto pediu
para usar o banheiro e aproveitou a deixa para fugir.
A Yamanbá
pensou que o aprendiz de monge demorava em fazer suas necessidades,
tanto quanto são demoradas as rezas budistas. Porém,
como a demora já estava demais, gritou irritada:
Kozo, que demora é essa? Volte logo, seu...
Nisso, uma voz apertada respondeu da casinha:
Um minuto que já vou... (bost! bost!)
Como
não havia outra alternativa senão esperar, resmungando,
a Yamanbá deu um tempo. Passado esse tempo, o garoto ainda
não havia retornado. Cada vez mais irritada, a Yamanbá
gritou chamando Kozo três ou quatro vezes. Entretanto, cada
vez que gritava ouvia a mesma resposta:
Um minuto que já vou... (bost! bost!)
Como a demora estava exagerada, a Yamanbá deu um puxão
na corda, dizendo:
Não importa o que você está fazendo,
volte já para cá.
O puxão
foi com tal força que a velha e malfeita casinha desmoronou,
fazendo um barulho escandaloso.
Caramba, acho que, com o puxão da corda, derrubei o menino
para dentro da fossa! pensou a Yamanbá, levantando-se.
Quando chegou com a lamparina na casinha desmoronada, viu que
o menino lhe havia enganado.
Aquele Kozo pestinha me passou a perna!
Imediatamente, saiu correndo atrás do menino. Kozo estava
perdido e havia andado em círculos pela floresta. Com seu
faro aguçado, a Yamanbá logo localizou o menino.
Kozo! Kozo! Me espera, seu pestinha! gritou a bruxa às
costas do menino.
O aprendiz
de monge ficou arrepiado de medo ao ver a Yamanbá se aproximando
em incrível velocidade. Quando ela já estava para
botar as mãos nele, o garoto tirou um dos talismãs
que o monge havia lhe dado, atirou-o no chão e disse:
Transforme-se num rio, um rio grande!
De repente, seu omamori (talismã) transformou-se num enorme
rio, cheio de fortes correntezas, e a Yamanbá ficou do
outro lado. Kozo, então, tratou de fugir correndo.
A Yamanbá,
com um gesto mágico, arrancou um pêlo do nariz e
deu um tremendo espirro que derrubou uma árvore. O tronco
caiu transversalmente sobre o rio, improvisando uma ponte. Então,
a velha recomeçou a perseguição. Kozo não
teve tempo nem para descansar. Logo ouviu atrás de si a
voz cadavérica da Yamanbá:
Kozo, Kozo! Seu pestinha, espere!
O aprendiz de monge então atirou no chão o segundo
omamori e gritou:
Transforme-se numa montanha muita elevada!
Nesse
momento, surgiu uma montanha alta, mas a Yamanbá, que sempre
morou em montanhas, sabia que, para chegar ao outro lado, bastava
contorná-la, ao invés de subir ao pico e descer.
Então correu em direção contrária
à que Kozo fugia.
Horas
depois, quando Kozo pensou ter se livrado dela definitivamente,
deu de cara com a bruxa que vinha correndo em sua direção:
Kozo, Kozo! Seu pestinha! Agora te peguei.
O aprendiz
de monge imediatamente lançou mão de seu último
talismã protetor. Atirou-o na direção da
Yamanbá, gritando:
Transforme-se em fogo! Um mar de fogo!
Naquele
instante, uma labareda surgiu, e as chamas logo subiram tão
altas como as árvores. Uma cortina de fogo impedia a passagem
da Yamanbá. Com gestos mágicos, ela apanhou um ramo
de árvore. Em seguida, recitando palavras incompreensíveis,
começou a atravessar o fogo agitando o ramo.
Kozo
pensou em fugir, mas, de repente, com a claridade do fogo, descobriu
que estava quase em frente do templo.
Oh! É o nosso templo! disse, aliviado, o
Kozo.
O garoto
correu para a porta, mas, como era noite, estava trancada. Então,
bateu com toda a força, chamando o monge.
Osho-san, Osho-san! Abra a porta depressa! Estou sendo
perseguido por uma Yamanbá. Abra depressa! Depressa!
De
dentro do templo, Kozo ouviu a voz do monge.
Calma menino, já vou abrir, espere um pouco que
preciso fazer xixi primeiro.
Osho-san, o senhor não entendeu! A Yamanbá está
chegando perto da porta, abra logo, porta favor!
Não seja impaciente, esqueceu os ensinamentos de
Buda?! Estou lavando a mão e logo vou abrir.
Finalmente
a porta abriu e Kozo, que já estava branco de medo, entrou
correndo e se escondeu no cesto das roupas sujas da lavanderia,
pedindo que o monge lhe escondesse da Yamanbá. Então,
o monge içou o cesto para cima do telhado do poço.
Nisso, ouviu a voz da Yamanbá, que havia chegado ao templo.
Osho! Osho! Onde foi parar o Kozo?
Yamanbá-don, aqui não apareceu nenhum Kozo.
Osho, como não está, se eu vi com meus próprios
olhos quando ele entrou aqui?
Deve ser engano, Yamanbá-don. Se duvida, pode procurar
à vontade.
A Yamanbá
percorreu todo o templo, mas nada encontrou. No quintal, com seu
faro aguçado, sentiu cheiro de criança. Foi seguindo
a direção indicada pelo faro e chegou ao poço.
Olhou para dentro dele e viu algo refletido na superfície
da água. Como era noite, ela não percebeu que via
o seu próprio reflexo.
Ah! Descobri, o pestinha está escondido dentro do
poço!
Assim,
ela saltou para dentro do poço para pegar o Kozo. Vendo
aquilo, o monge tratou de tampar o poço colocando uma pesada
rocha sobre a tampa.
Desde então, ninguém mais removeu a rocha, que ainda
hoje está sobre o poço, no quintal de um templo
na montanha do Japão.
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