Na
mitológica Idade dos Deuses, que precedeu a
Idade do Cobre e a Idade do Ferro na história japonesa,
o Galo era um animal egoísta, destruidor e muito agressivo,
pois, além das esporas afiadas, ele tinha um perigoso par
de chifres. Naquele tempo, Zenchi-no-Mikoto, o Deus da Graça
Divina, estava para nomear os animais que se tornariam nobres
e substituiriam os deuses na regência da Terra. Muitos animais
já haviam sido escolhidos, quando o Galo resolveu que também
gostaria de ser um dos nobres animais-signo. Conta
a lenda que o motivo principal pelo qual o galo se candidatou
para essa função foi para perseguir o Dragão,
que havia ficado com seu par de chifres emprestado. A pedido da
Mukade (lacraia, espécie de centopéia) o Galo emprestou
os chifres para o Dragão para que este se apresentasse
de modo pomposo diante do deus Zenchi-no-Mikoto, mas ele gostou
tanto dos chifres, que lembravam uma coroa, que ficou com eles.
Inconformado, o Galo resolveu comer todas as lacraias do mundo
e criticar o Dragão até que este lhe devolvesse
os chifres.
Dentre
todos os animais que tinham se candidatado a fazer parte da Confraria
dos Nobres Animais-Signo, o único que tinha asas
como o Galo era o Cavalo Alado. Então, o Galo resolveu
procurá-lo para pedir conselhos sobre como ele poderia
ser classificado na categoria dos nobres. Qual não foi
a surpresa do Galo ao encontrar o Cavalo sem suas maravilhosas
asas. O Cavalo explicou que nenhum animal que voa poderia participar
da competição que escolheria os doze nobres animais
e que era preciso fazer alguma coisa em benefício da humanidade
para ser escolhido.
O Galo
ficou sem saber o que fazer, pois era vaidoso demais para se desfazer
de suas asas brilhantes e coloridas. Então, resolveu não
mais usar as asas, para todos pensarem que, apesar de ele ter
asas, não sabia voar. Porém, o Galo não sabia
o que poderia fazer pelo bem da humanidade, e o tempo foi passando.
Nessa
época, Amaterasu Oomikami, a Augusta Deusa Sol, revoltada
com as atrocidades de seu irmão Susanoo-no-Mikoto, o rebelde
Deus Tempestade, escondeu-se em Amano Iwato, a Gruta Celeste (também
conhecida como buraco negro do universo), e fechou a entrada da
gruta com uma rocha. A Terra mergulhou na eterna noite. Como não
havia mais sol sobre a terra, todos diziam que o mundo ia acabar.
Conformado, o Galo resolveu ficar dormindo no poleiro, já
que tudo estava perdido.
Apavorados
com o acontecimento, os deuses procuraram acender fogueiras para
amenizar as trevas. A cada batida do coração, o
pânico foi se intensificando, pois sabiam que, sem a luz
da Augusta Deusa Sol, doenças e epidemias tomariam conta
do universo.
Os
deuses reuniram-se então diante da rocha que fechava a
Gruta Celeste para procurar uma solução. Organizaram
uma grandiosa festa, armando um prestigioso cenário em
que o grande espelho chamado Yata Kagami desempenhava o papel
principal. Os deuses amarraram tiras brancas de papel nas pontas
de um galho e nos ramos da sagrada árvore Sakaki, de 500
ramos, que eles haviam retirado do Monte Celestial Kagu.
As
divindades cantaram e dançaram ruidosamente, e o Galo continuava
empoleirado, indiferente a tudo. Ao mesmo tempo, Ame-no-Uzume-no-Mikoto,
a Deusa da Dança e do Bom Humor, subiu em uma dorna e começou
a requebrar-se em gestos provocantes. Dançando sempre até
o êxtase, Ame-no-Uzume descobriu o peito e baixou a cinta
da veste, mostrando o sexo. Houve grande algazarra na Alta Planície
Celeste, e os oito milhões de deuses puseram-se a rir.
Intrigada
com a algazarra, a Augusta Deusa Sol, resolveu dar uma espiada,
abrindo uma fresta na rocha que tapava a gruta. Ao mover um pouco
a rocha, um feixe de luz solar atingiu a cabeça do sonolento
Galo. O impacto foi tão inesperado, que o vaidoso Galo,
ao ser surpreendido dormindo, ficou tão ruborizado que
sua crista parda ficou vermelha para sempre. Com o susto, o Galo
começou a gritar: koke-kokkoo!, e os deuses
entenderam que ele estava dizendo Olha o sol, olha o sol!.
Amaterasu
botou a cabeça para fora da caverna e perguntou:
Mas por que Ame-no-Uzume canta e dança, e toda a miríade
de divindades ri?
Ame-no-Uzume, conforme o plano respondeu:
Nós rejubilamos e dançamos felizes porque
temos uma divindade superior a você.
Curiosa
para ver quem tomara seu lugar, Amaterasu abriu mais um pouco
a rocha e deu um passo para fora, a fim de ver melhor. Nesse momento,
a divindade Zenchi-no-Mikoto pôs o espelho e um colar diante
do rosto de Amaterasu. O espelho Yata Kagami refletiu um rosto
maravilhoso. A Augusta Deusa Sol ficou maravilhada ao ver uma
imagem tão luminosa refletida à sua frente. Nesse
momento, Tajikara-o-no-Mikoto, o Deus da Força Física,
abriu o rochedo e a luz voltou a iluminar o universo.
Amaterasu
bem que tentou se retirar novamente à gruta, porém
os deuses já haviam estendido uma corda com o nó
sagrado (Shimenawa) e gritaram:
Não passe além!
Assim, a luz e a vida voltaram ao céu e à terra.
Quando
a harmonia voltou a reinar no universo, Zenchi-no-Mikoto nomeou
o Galo como um dos animais-signo que teria a missão de
reger o destino da humanidade a cada doze anos. Assim, por ser
o primeiro a anunciar o surgimento do sol e com a promessa de
acordar diariamente os trabalhadores, o Galo recebeu o honroso
título de Nobre Galo.
Porém,
como também o Nobre Cachorro havia sido nomeado naquela
ocasião, os dois tiveram que disputar uma corrida para
definir a colocação de cada um na Roda do Destino
dos Signos, logo depois do Nobre Macaco. Durante boa parte do
percurso, na subida ao Sagrado Monte Fuji, os dois estiveram lado
a lado em animado bate-papo. Mas, quando se aproximaram da meta,
o Galo ciscou terra nos olhos do Cachorro e, abrindo as asas,
saiu voando, chegando antes do cachorro e garantindo para si o
décimo signo. Desde então, o Cachorro não
perdoou o Galo por ter ciscado terra e seus olhos e ter usado
as asas, que estavam proibidas pela regra da corrida.
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