Na
primeira parte deste poema, um bondoso casal de velhinhos não
tinha filhos. Em compensação, tratavam seu cachorro,
de nome Shiro, com muito carinho. Certo dia, enquanto o velhinho
capinava, Shiro encontrou muitas moedas de ouro. O vizinho do
casal, entretanto, ganancioso, pediu Shiro emprestado, com intuito
de também encontrar ouro. Como isso não aconteceu,
o vizinho, vingativo, castigou Shiro, e o cãozinho acabou
morrendo. Os velhinhos, muito sentidos, plantaram uma semente
de pinheiro na sepultura do amado animal. Um dia, um fenômeno
inesperado aconteceu.
A
olhos vistos a árvore cresceu
Em pouco tempo se tornou gigante
Tendo o tronco grosso como apogeu
E uma abela copa verde radiante
Numa
bela tardezinha,
Consultando seu coração,
Disse o velho à velhinha
Com muita inspiração:
O bom espírito de Shiro
Nessa árvore reencarnou
Reside hoje com muita paz
Pois um tronco se tornou
A velhinha
então lembrou
Que Shiro gostava de moti
E comia com muita satisfação
A massa de arroz socada no pilão
Disse
então o velho: Bem lembrado
Vamos fazer desse tronco um pilão
Assim o espírito dele fica vinculado
Ao o que mais comia com devoção
Cortado
o tronco foi feito um pilão
E um malho para arroz socar
Puseram o arroz glutinoso à cozinhar
Resolveram testar com grande emoção
Arroz
cozido, começaram a socar
E houve um milagre no martelar
Da massa, saltaram moedas de ouro
E encheu a casa de tesouro
O casal
vizinho, que a tudo assistiu,
Espiando da cerca como sempre fez
Veio pedir o pilão emprestado
Dizendo que agora era sua vez
Sem
coragem para dizer não
Mais uma vez o bom velhinho
Atendeu ao incômodo pedido
Emprestando o pilão ao vizinho
O casal
invejoso pôs o arroz a pilar
Cheio de ganância, queria faturar
E, para as moedas encontrar,
Foi socando sem parar
Porém,
o milagre não acontecia
A massa ficou escura sem explicação
Quanto mais batia, mais fedia
E tornou-se uma imensa podridão
Do
pilão saia uma tremenda meleca
Como num pesadelo de deixar careca
Com imundícies jorrando em cachoeira
A casa foi tomada de sujeira
Danado
da vida, o velho malvado
Rachou o pilão com o machado
E queimou os pedaços de madeira
Fazendo dela uma bela fogueira
Ao
saber do ocorrido,
As cinzas o bom velho foi buscar
Ia levá-las para ao santuário
Para o fiel amigo rezar
Era
uma triste manhã de inverno
Carregando as cinzas do pilão
O velhinho caminhava fraterno
Cabisbaixo pela seca vegetação
De
repente, uma brisa invernal
Carregou a camada superficial
Das cinzas que estavam na cesta
Espalhando feito festa
Em
galhos secos as cinzas pousaram
E os pozinhos em botões se transformaram
Em seguida, desabrocharam todas faceiras
Em lindas flores de cerejeiras
O inverno
virou primavera
Quebrando as regras da estação
E a aldeia ficou encantada
Graças ao Velhinho Floração
Nesse
dia, passou pela aldeia o governador
Ao saber do milagre, chamou o benfeitor
Mostre-me sua magia, meu bom ancião
Dizem que com a natureza tu tens comunhão
Com
o pedido honrado ficou
E na árvore com o cesto o velho subiu
As cinzas pelos galhos espalhou
E o milagre das flores se repetiu
A árvore
seca encheu-se de flores
Cerejeira, símbolo dos samurais,
O governador ficou admirado
Mais que isso, emocionado.
Apreciar flores de cerejeiras
Fora da primavera, a sua estação,
É um privilégio sem fronteiras
Velhinho, aceite minha gratidão
Como
recompensa pelo espetáculo,
Ricos quimonos e moedas de ouro
Recebeu o velhinho oráculo
Aumentando mais o seu tesouro
Novamente
o vizinho invejoso,
Que poderoso queria ser,
Pegou o resto das cinzas no forno
E esperou pelo governador no retorno
Velhinho da Primavera eu sou
Em galhos secos faço dar flor
Assim o ganancioso saiu gritando
Quando o governador veio chegando
Em
seu belo cavalo montado
O nobre que amava as cerejeiras
Sem conhecer o velho abusado
Acreditou em suas baboseiras
Que aldeia fantástica! disse o senhor
Muitos aqui conhecem a magia da flor!
E, para agradar a visão do governador,
O mesquinho jogou cinzas a todo vapor
Porém,
nada aconteceu
Por mais que o velho tentasse
Nenhum galho floresceu
E criou-se um grande impasse
Homem, que está esperando?
Quero ver as flores de cerejeiras.
Disse o governador esbravejando
Com o velho que tentava de mil maneiras
Desesperado,
o rufião
Jogou cinzas de montão
Mas, levado pelo vento,
Provocou um grande tormento
As
cinzas foram parar
Nos olhos do governador
E de toda comitiva,
Provocando grande dor
Até
o cavalo do nobre
Um banho de cinzas levou
Levantando as patas no ar
Quase o governador derrubou
Em toda minha vida
Nunca vi tamanha afronta
Que prendam esse impostor
O atrevimento passou da conta
Conta
a lenda que o velho insolente,
Com medo de perder a cabeça,
Começou a raciocinar como gente
E de joelhos fez promessa
Ao
governador pediu perdão
Jurando nunca mais bancar o vilão
Prometeu não cobiçar coisas alheias
E ajudar todos da aldeia
A história
de Shiro ao governador contou
Com lágrimas nos olhos a chorar
Dizendo que o cachorro castigou
E que pela alma do animal ia orar
Depois
de repreendê-lo duramente
O nobre libertou o velhinho
Para cultuar certamente
O arrependimento no caminho
Diz
uma crença japonesa
Endossado com muita certeza:
O castigo dos mortos é mais abrasivo
que os castigo dos vivos
Esta
é a história do cachorro Shiro
Que, mesmo depois de morto,
Não esqueceu a dívida de gratidão
Com o Velhinho Floração
Fim...
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