Antigamente
no Japão havia muitos vendedores ambulantes que levavam
os produtos até as mais distantes aldeias. Certa ocasião
um desses vendedores acabou encontrando um local muito bonito.
- Nossa,
isso parece o Toguenkyô, o Paraíso Terrestre! Devo
estar sonhando - disse maravilhado. Surgiram então
quatro lindas garotas que cercaram o moço que deitara na
relva.
As
moças moravam num enorme palácio com a mãe,
a senhora Shizen, que o convidou a passar a noite lá. Na
manhã seguinte dona Shizen fez uma surpreendente proposta
ao vendedor.
-
O senhor já deve ter percebido que neste palacete só
vivem mulheres. Eu e minhas quatro filhas: Haruko, Natsuko, Akiko
e Fuyuko. Gostaria que ficasse a vontade pelo tempo que quiser.
Mais que isso, gostaria que casasse com uma das minhas filhas.
O jovem
que sempre foi uma pessoa pobre e solitária aceitou na
hora.
Sua
vida mudou completamente. Era feliz. Vivia um sonho. Numa manhã
dona Shizen anunciou que iria ao Hanami (ritual de apreciação
das flores de cerejeiras), e pediu para que ele ficasse tomando
conta do palácio. Antes de sair, porém, só
fez uma recomendação: Se ficar entediado de
ficar sozinho, pode abrir e espiar um pouco, três dos quatro
portões que existem salão principal, para se distrair.
Porém o quarto portão você não deve
abrir em hipótese alguma. Não está autorizado.
Promete que não vai abrir?.
- De
jeito nenhum.
No
palacete Shizen havia um salão central onde haviam quatro
portões fechados. O rapaz sempre teve curiosidade em saber
o que haveria por atrás daqueles portões, porém
como lhe haviam dito para não abrir, nunca tinha feito.
Agora, pela primeira vez a dona da casa tinha autorizado que ele
abrisse pelo menos três dos quatro portões. Sua curiosidade
foi aguçada. Então se dirigiu ao salão central
do palacete e abriu o primeiro portão.
O primeiro
impacto foi um enorme clarão. Depois, as vistas foram acostumando
e percebeu nitidamente uma paisagem de praia. O mar estava azul
como só acontece no verão e uma brisa suave soprou
amenizando o calor. O rapaz ficou admirando a paisagem durante
alguns minutos, teve vontade de caminhar descalço pela
praia, mas a curiosidade de ver o que existe atrás de outros
portões o deteve. Fechou o primeiro portão e abriu
o segundo.
Novamente
um enorme clarão e as vista foram acostumando e o moço
pode vislumbrar uma maravilhosa paisagem de outono. As folhas
de momiji (acer) tingidas de amarelo-avermelhado cobriam matas
e montanhas apresentando um cenário outonal de incrível
beleza.
- Dá
vontade de escrever uma poesia, pintar um quadro, plantar um bonsai!
Pensou o rapaz.
Pouco
depois, quando abriu a terceira porta, deparou com uma branca
paisagem de neve que cobria campos, rios e montanhas. Apesar do
frio invernal havia ali, uma vista de incrível beleza.
Sendo aquele o último portão que ele estava autorizado
a abrir, pensou em ficar mais tempo apreciando os flocos de neve
que caiam mansamente. Porém como a proibição
é a mãe da curiosidade, num impulso rápido,
o moço fechou o terceiro portão e se dirigiu diante
do quarto portão.
Vacilou
por um momento ao lembrar as palavras de dona Shizen que o proibiu
veementemente de abrir aquele portão. O moço até
sabia o encontraria ali. Estava começando a entender que
atrás de cada portão estava a alma de cada uma das
filhas de Shizen (Natureza): Haruko (Filha Primavera), Natsuko
(Filha Verão), Akiko (Filha Inverno) e Fuyuko (Filha Inverno).
Entendeu porque mesmo abrindo o portão de três delas,
apreciando a beleza da alma delas, nelas não permaneceu.
Ele havia casado com Haruko, cujo portão não lhe
fora autorizado abrir.
Com
a mão tremendo na maçaneta, o jovem lutou consigo
mesmo e foi vencido pela curiosidade. Abriu o quarto portão.
Após um intenso clarão, tornou visível a
paisagem que já esperava encontrar. Cerejeiras cobertas
de flores e cantos de rouxinóis. Era uma visão maravilhosa,
idêntica a de quando ele ali chegou, após estar perdido
no bambuzal.
Ele
adentrou a paisagem e os rouxinóis param de cantar. Em
seguida saíram voando e o moço pode ver que eram
quatro os pássaros que antes estavam cantando. Lamentou
que as aves tivessem se retirado e nesse momento ouviu a voz da
senhora Shizen, que vinha de algum lugar da bela paisagem:
- Vejo
que você escolheu o caminho de volta a sua aldeia.
- Eu
não quero voltar para minha aldeia. Quero ficar no palacete
Toguenkyo. Respondeu o Rapaz.
- Ao
adentrar aquele portão você caminhou em direção
contrária de onde veio, portanto está caminhando
de volta para sua aldeia. Nós gostaríamos que você
ficasse em Toguenkyô, por isso aconselhamos a não
abrir o quarto portão. Porém você quebrou
a promessa e escolheu o caminho de volta. A escolha foi sua por
isso nada podemos fazer agora.
- Por
favor, gostaria pelo menos de saber quem são vocês.
Implorou o rapaz.
- Sou
o espírito da mata, das montanhas, dos seres vivos e dos
fenômenos naturais. Minhas filhas são espíritos
das estações do ano que transformadas em rouxinóis
vem anualmente na cantar primavera, em louvor as cerejeiras. Como
você não cumpriu o prometido, e as viu em forma de
rouxinol, quebrou o encanto. Para você o sonho acabou. Adeus.
No
instante seguinte a bela paisagem primaveril desapareceu por completo
e o vendedor estava numa clareira de um bambuzal. Era uma paisagem
melancólica, o vendedor sozinho com sua pesada caixa de
mercadoria nas costas.
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