Na primeira parte desta lenda, um pescador chamado Midon, da aldeia
de Otoman em Okinawa, adoeceu e ficou muito tempo sem trabalhar.
Para seu sustento e da mãe, emprestou dinheiro do samurai
Kodama Sozaemon. O pescador pensava que em dois meses voltaria
à pesca e poderia pagar o empréstimo e seu alto
juros. Porém decorrido o prazo, Midon não havia
recuperado a saúde. O samurai concordou em prorrogar o
prazo por mais dois meses, mas no dia marcado o pescador ainda
não havia conseguido o dinheiro e por isso se escondeu.
O samurai percorreu toda aldeia e acabou encontrando-o escondido
nos rochedos. Kodama Sozaemon estava furioso e não aceitava
as desculpas do pescador. Quando ele ergueu sua espada visando
cortar o pescoço do pobre homem soou uma voz do fundo da
caverna que falava em dialeto Okinawa, incompreensível
para o samurai.
- Midon, o
que disse a voz?
-Tenho certeza de que era a voz de um deus. Ela disse: Se
sentir a ira, recolha o punho, se o punho avançar, reprima
a ira.
-Está
bem, por hoje passa. Não estou me sentindo bem. Hoje vou
me embora. Mas amanhã me traga o dinheiro à minha
casa, está entendido? Se mentir desta vez, não o
deixarei vivo, está ouvindo, Midon?
Kodama foi embora. Agradecido, Midon curvou-se reverentemente
em direção ao fundo da caverna e agradeceu a intervenção
da divindade.
No dia seguinte
o pescador bateu à porta de várias famílias
e conseguiu reunir emprestado a quantia correspondente ao pagamento
e se dirigiu, ainda com medo, à mansão de Kodama.
O comerciante não estava mais lá. Havia embarcado
num navio para Satsuma.
Durante a
viagem, o comerciante parou em duas ou três ilhas para tratar
de negócios, chegando à sua casa de Satsuma, na
noite do terceiro dia.
Considerando
o avançado da hora e não querendo acordar o pessoal
da casa, entrou pelos fundos. Na alcova havia luz. Ao olhar para
o leito da mulher, Kodama quase não acreditou no que via.
Ao lado da esposa deitada, aparecia a cabeça de um homem.
Transtornado, o mercador ergueu a espada, para dar um golpe fatal.
Nesse instante, ecoou nos ouvidos do samurai a voz da caverna
de Itoman: Se surgir a ira recolha o punho; se o punho avançar,
reprima a ira!
Nesse momento
o homem que estava dormindo ao lado de sua mulher levantou e disse:
-Oh, é você filho, voltastes tão tarde da
noite.
Era sua mãe usando uma peruca de homem.
-Sabendo que
você está ausente, pode haver alguém que tente
invadir a casa. Por isso, sempre que você viaja, coloco
esta peruca de homem e venho dormir no seu quarto.
Suando frio o samurai pensou: Se aquela voz não ecoasse
nos meus ouvidos, eu teria com certeza assassinado minha mãe
e minha mulher. Kodama agradeceu de coração à
divina providência.
Um ano depois
completamente recuperado, Midon, que trabalhou intensa e incansavelmente,
reuniu o dinheiro e juros da dívida e se preparava para
viajar a Satsuma. Nesse dia, Kodama veio visitá-lo.
Além
do empréstimo e juros, o pescador queria entregar mais
dinheiro ao comerciante, em sinal de gratidão, pois o socorrera
em hora de dificuldades. Colocando o braço no ombro de
Midon, o samurai declarou:
- Graças
à voz da caverna ouvida naquela ocasião, não
matei minha mãe e minha mulher. Hoje vim aqui para expressar
meus agradecimentos a você. Sua dívida está
quitada. Quero que esse dinheiro fique com você.
- Não posso aceitar, é um absurdo!
- Nada disso, aceite-o por favor.
A discussão
entre os dois parecia não ter fim. Para solucionar o impasse,
Kodama propôs:
- Então, que acha deixarmos esse dinheiro no fundo da caverna
em sinal de nossa gratidão?
E colocaram o dinheiro no interior da caverna.
Anos depois,
os habitantes de Itoman construiram um templo, no alto da rocha
da caverna dedicado ao seu deus tutelar, dando lhe o nome de Hakugin-dô
(Templo da Prata Branca).
Como as palavras da caverna equivalem ao princípio do karatê,
segundo o qual jamais se deve atacar primeiro, Hakugin-dô
é também o deus da arte do karatê.
Fim!
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