Há
muito tempo atrás, na aldeia pesqueira de Itoman, na ilha
de Okinawa, havia um pescador chamado Midon. Ele era jovem e corajoso,
porém pegou uma gripe brava e ficou tempo sem poder ir
ao mar pescar. Então para o sustento dele e da mãe,
emprestou dinheiro equivalente a dois meses de seu trabalho, de
Kodama Sozaemon, de Satsuma no Kuni (atual província de
Kagoshima).
O pescador
pensava que em dois meses voltaria à pesca e trabalhando
dobrado, em pouco tempo poderia pagar o empréstimo e seu
alto juros. Porém decorrido o prazo, Midon não havia
recuperado a saúde. Além disso a tempestade que
no fim de verão e início de outono assolava anualmente
a aldeia, transformara-se em tufão e castigou violentamente
a costa da ilha, levantando altas ondas que nenhum pescador se
arriscaria a botar o sabami (pequeno barco) no mar.
No dia marcado,
Kodama Sozaemon apareceu para receber a dívida do pescador.
Kodama era samurai e comerciante muito esperto. Tinha um navio
grande e viajava sempre para Okinawa para levar vários
produtos. Na volta a Satsuma trazia peixe seco e vendia para ser
usado como tempero de sopa de missô. E Midon era um dos
pescadores que fornecia peixe seco para Kodama. Como Midon não
tinha dinheiro para quitar seu compromisso, pediu humildemente
que prorrogasse por mais dois meses o pagamento.
Kodama, sabendo
da dificuldade causada pelo tufão, concordou em esperar
por mais dois meses, com a condição de dobrar os
juros.
Passados os
dois meses seguintes, Kodama retornou, no dia combinado, mas não
encontrou o pescador. Esperou durante muitas horas pelo retorno
dele a casa, mas nada de Midon aparecer.
- Aquele sujeito
está tentando me passar a perna - pnsou irritado o comerciante
e saiu em busca do pescador. Percorreu toda aldeia e não
o encontrou. Então foi até os rochedos beira mar
e descobriu o rapaz que se achava dentro de uma caverna.
Sacou sua
espada e gritou:
- Seu patife! Você está se aproveitando de minha
generosidade em concordar com a protelação do recebimento
de sua dívida, seu sem-vergonha! Além de não
pagar o que deve, ainda foge e se esconde. Vou decapitá-lo!
Descoberto, o pescador saiu da caverna envergonhado e se desculpou,
curvando até encostar a cabeça na areia da praia.
- Não
estava fugindo nem escondendo - explicou. Eu estava envergonhado,
não tinha cara para enfrentar o senhor. Enquanto pensava
como me explicaria perante o senhor, acabei chegando a esta caverna.
Os tufões que nos castigaram, foram-se. Daqui para frente
vou trabalhar com todas as minhas forças. Assim que conseguir
o dinheiro, irei até sua casa em Satsuma para resgatar
a dívida. No momento nada posso fazer, mesmo que seja morto
com sua espada, por não honrar meu compromisso. Acho, porém,
indesculpável morrer sem pagar minha dívida.
Midon não
estava mentindo. Suas palavras partiam do fundo do coração.
Entretanto, Sozaemon não cedeu. Ergueu a espada visando
cortar o pescoço oferecido pelo jovem.
- Você
está me fazendo de bobo. Tapeado por um pescador perderei
a honra de pertencer a classe dos samurais. Tenho que matá-lo.
Nesse momento,
soou do fundo da caverna uma voz grossa e penetrante que parecia
atravessar todo o corpo do comerciante. A voz falava em dialeto
de Okinawa, incompreensível para o samurai.
Continua...
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