Era uma vez
um velhinho que tinha um enorme calombo pendurado na bochecha
esquerda. Essa saliência que parecia um tumor pendente,
sempre o incomodou durante muitos e muitos anos. Desde criança
tinha o calombo e muitas vezes foi motivo de chacota dos meninos
da aldeia. Comentavam no lugarejo que a princípio era um
atama no kobu (galo na cabeça) provocado durante uma queda,
onde o menino teria caído de cabeça do telhado da
casa. E mais tarde, a medida que ele foi crescendo o kobu foi
descendo até chegar a bochecha. Mas tudo isso eram especulações
que o povo inventava, pois nem os médicos, nem os sacerdotes
sabiam dizer, a origem daquela enorme pelota pendurada no rosto
do ancião.
Durante toda
sua vida o homem tentou mil simpatias que a vizinhança
lhe sugeria, como esfregar pedra de rio na noite de finados, passar
sumo de berinjela cortado em lua cheia, amarrar o calombo com
fio de palha de arroz durante a tempestade, ou até lambuzar
a cara com excremento de galinha. Mas nada disso adiantou. Por
outro lado, os médicos não cortavam fora o calombo,
com medo que isso lhe custasse à vida, conforme previra
um monge.
Na verdade
não havia como o velhinho se livrar do calombo. O único
consolo do bom velhinho era que na aldeia existia outro velhinho
com um calombo do mesmo tamanho na face direita. Porém
para esse outro velhinho ninguém dava conselhos, pois tinha
fama de ser avarento, mesquinho, mal humorado e por isso quase
não tinha amigos.
Certo dia
quando o bom velhinho recolhia lenha na montanha, foi surpreendido
por uma repentina tempestade. Para se proteger, abrigou-se no
tronco oco de uma enorme árvore.
Enquanto esperava
a chuva passar, bem acomodado como estava, acabou pegando no sono.
Dormiu por algum tempo e nem percebeu que a chuva tinha passado.
No meio da noite foi despertado por uma algazarra de vozes. Deu
uma espiada e levou um grande susto. Haviam sete oni vermelhos
(demônios) bebendo e contando piadas sobre seres humanos.
O velhinho
ficou todo encolhido no oco da árvore, até respirando
com cuidado para que os demônios não percebessem
sua presença. A certa altura dos acontecimentos, os demônios
bastante embriagados, começaram a cantar e dançar
em roda. Marcavam o ritmo com as palmas das mãos numa alegre
algazarra. O velhinho, que adorava dançar e tinha fama
de bom dançarino, começou a observar com curiosidade.
Logo percebeu que os demônios eram desengonçados
para dançar. Depois de dançarem bastante o chefe
dos demônios comentou:
- Vocês
dançam sempre do mesmo modo, já estou enjoado dessa
repetição. Será possível que ninguém
conhece outro tipo de dança?
O velhinho
que tinha verdadeira paixão pela dança, não
resistindo mais ficar quietinho em seu lugar, num impulso momentâneo,
saiu de seu abrigo dançando e cantando, assim foi para
o meio da roda.
Os demônios ficaram surpreendidos com a presença
do intruso e se perguntavam:
- Que diabo
é isso? De onde apareceu essa coisa?
- É um velhinho humano!
O velhinho percebeu então que corria grande perigo, porém
já era tarde. Traído pelo amor à dança,
estava prestes a dançar. Nisso o chefe dos
demônios fez um comentário:
- Esse velhinho
humano é bom de dança!
Percebendo que sua arte poderia lhe salvar a vida, o velhinho
caprichou nos gestos e mostrou tudo que sabia com entusiasmo de
um artista. No final os demônios o felicitaram pelo desempenho
e oferecem uma tigela de sake (vinho de arroz).
- Quero que amanhã a noite venha dançar para nós.
Meus subordinados precisam aprendeu sua dança maravilhosa.
Prometa que virá. Disse o chefe dos demônios.
- Prometo
que amanhã estarei aqui e vou apresentar outras danças
muito divertidas. Respondeu o velhinho.
Nisso um dos demônios observou:
- Promessa de ser humano é o mesmo que nada, chefe. É
melhor pegar uma garantia dele. Vamos ficar com o machado e ele
não poderá cortar lenha se não vier dançar
para nós.
- Machado
ele compra outro e não vai adiantar nada. Tenho uma idéia
melhor. Vamos ficar com esse adereço que ele tem na bochecha.
Sem isso ele perde sua identidade e vai ficar como um ser humano
qualquer.
Todos os demônios
riram de modo sarcástico aprovando a grande idéia
do chefe. Coitado do velhinho, ia perder o que tinha de mais precioso,
se não voltasse para dançar na noite seguinte.
Assim num
gesto mágico, sem sangue nem dor, o demônio arrancou
o calombo do velhinho.
- Volte amanhã à noite e nós te devolveremos
esse adereço.
Assim que
amanheceu o velhinho chegou a aldeia. Todos ficaram surpresos
ao verem que o calombo havia desaparecido sem deixar cicatriz.
O velhinho ganacioso que também tinha calombo na face,
ficou doido para saber como tinha conseguido tal façanha,
que nem os médicos conseguiam.
O bom velhinho
contou tudo que aconteceu, prevenindo-o que poderia ser perigoso
encontrar com os demônios. Porém o velhinho avarento
que também queria se livrar do calombo subiu a montanha.
Encontrando o tronco oco, tratou de se acomodar nele a espera
da noite.
Mais uma vez
os demônios chegaram à clareira e começaram
a beber e contar piadas de seres humanos. Nisso o velhinho avarento
que estava escondido no tronco apareceu e começou a dançar.
Como estava com um lenço cobrindo a cabeça os demônios
não reconheceram que se tratava de outra pessoa. Porém
logo os demônios perceberam que ele estava dançando
muito mal e começaram a reclamar.
- Está
péssimo. Parece que desaprendeu a dançar.
- Ei velhinho, por que não dança como ontem?
- Chega dessa
dança medíocre. Acho que ontem você dançou
quando já estávamos bêbados e pensamos que
você dançava bem. Vá embora, desapareça
daqui. Leve seu penhor. Assim dizendo o chefe dos demônios,
pregou o calombo que tinha guardado na noite anterior na face
esquerda do falso dançarino.
O velhinho
avarento tentou explicar que aquele calombo não era dele,
porém era tarde. Os demônios deram lhe um ponta-pé,
expulsando-o.
Assim o velhinho
que não tinha a arte da dança ficou com dois calombos
para o resto da vida.
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