O
Japão por ser uma civilização milenar, para
tudo existe uma lenda que tenta justificar costumes, nomes, formatos,
cores, tamanhos, de animais, árvores, cereais, frutas,
verduras, objetos e acidentes geográficos. Muito destas
lendas de origem das coisas é atribuído aos milagres
do monge Kukai, mais conhecido atualmente como Kobo Daishi, fundador
da seita Shingon, ou budismo esotérico.
Conta a história
de tradição oral do povo, que durante sua peregrinação
pelo País, que durou cerca de 10 anos, o monge Kukai passava
pelo feudo de Hitachi (hoje província de Ibaragui) durante
um verão muito quente. Na época, os monges andarilhos,
tanto pelas longas e demoradas caminhadas, tinham uma única
peça de roupa aos trapos e mendigavam para exercer o voto
de humildade. Em uma aldeia rural, vendo uma casa junto aos arrozais,
pediu pousada por uma noite, para descansar seus pés que
estavam doloridos.
O lavrador
que o atendeu, vendo a condição miserável
de sua vestimenta, recusou terminantemente a lhe conceder hospedagem,
com duras palavras:
- Nesta casa
temos por norma não dar comida ou pousada para monges vagabundos.
Caia fora da minha propriedade.
Monge Kukai
com sua calma habitual baixou a cabeça, pediu desculpas
pelo incômodo e seguiu seu caminho.
O dono da
casa estranhou o comportamento do andarilho, pois geralmente os
monges mendigos, reagiam resmungando ou rogando pragas, diante
da sua recusa em dar auxílio aos pedintes que por lá
passavam. Então ficou pensando com seus botões:
- Que monge-mendigo
diferente... Além de não ficar zangado com minha
recusa, ainda desculpou-se pelo incômodo fazendo educada
reverência e se foi calmamente...
Naquele momento
o lavrador lembrou que quando esteve na cidade, ouviu dizer que
o famoso monge Kukai estava peregrinando pela região e
ajudando muitas pessoas com seus ensinamentos. Então concluiu
que aquele mendigo era Kukai e que seria uma honra ter como hóspede
alguém a quem o imperador Saga confiou a direção
do templo Tôji, em Kyotô, considerado o santuário
principal na proteção à nação.
O homem saiu
correndo pela estrada atrás de Kukai, mas não conseguiu
avista-lo. Correu por vários trechos até o sopé
da montanha, onde a estrada se dividia em várias trilhas,
mas nada. Então subiu numa árvore alta e começou
a gritar repetidamente o nome de Kukai.
O monge tinha
recebido hospedagem na casa vizinha e naquele momento estava tomando
um gostoso banho quente de ofurô (banho por emersão).
Como o lavrador estava chamando por ele lá longe, perto
da montanha, Kukai não ouviu os gritos. Dizem que o homem
em cima da árvore ficou gritando, gritando, gritando, e
como por encanto se transformou em uma cigarra.
Essa história
teria ocorrido nos anos 800, mas ainda hoje, quando chega o dia
23 de julho, milhares de cigarras chamadas Chibahime, cantam o
dia inteiro na região, como se estivessem chamando Kukai.
A origem da batata pedra
Certa ocasião,
o monge Kukai peregrinava pela região nordeste do Japão
e sentindo fome, resolveu pedir uma tigela de arroz numa casa
à beira da estrada. Vendo uma senhora na cozinha, aproximou-se
da porta e sentiu o cheiro gostoso de batata cozida, que vinha
de uma grande panela que estava no fogo.
- Sei que
é um atrevimento, mas gostaria pedir uma batata que a senhora
está cozinhando. O cheiro gostoso faz minha barriga roncar.
A dona de
casa não gostou nem um pouco da presença do maltrapilho
monge pedinte e fazendo cara feia respondeu:
- Apesar de
parece uma batata comum, ter o cheiro de uma batata comum, esta
não é uma batata comum. Trata-se de batata-pedra,
impossível comer de tão dura. A não ser que
o senhor tenha dom especial de comer pedra, nesse caso na estrada
está cheia, sirva-se à vontade.
Diante a irônica
negativa, Kukai continuou sua caminhada. A dona de casa, vendo
o monge desaparecer na curva da estrada, correu para a panela,
tirou-a do fogo, para comer a batata que já estaria cozida.
Quando pôs
uma batata na boca, quebrou os dentes da frente, pois ela estava
tão dura quanto uma pedra. Mesmo assim experimentou as
outras e constatou que todas estavam duras e impossíveis
de comer. Conta o folclore que desde então, as batatas
que nascem espontaneamente na região, são chamadas
batata-pedra (ishi-imô) porque é tão dura
que ninguém consegue comê-las.
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