Há
muitos e muitos anos, numa fria região ao norte do Japão,
havia uma cabana no alto de uma montanha onde vivia um lenhador,
sua mãe e sua jovem esposa. Uma família humilde,
como todas da redondeza, porém desfrutava de uma invejável
tranqüilidade rodeada por uma bela paisagem, respirando o
cheiro do mato e ouvindo o gorjeio dos pássaros. Porém,
durante a metade do ano, o ambiente era um tanto solitário,
pois toda montanha ficava coberta de neve. Então, as pessoas
tinham que permanecer em suas casas a maior parte do tempo. Na
temporada fria, o fogo era um elemento indispensável para
a sobrevivência das pessoas. Havia a necessidade de manter
aceso todo o tempo, mesmo que em forma de brasa, para não
morrerem congelados.
Desde
que houvesse fogo no braseiro (irori), o ambiente dentro de casa
era agradável, por mais que lá fora caísse
neve. Certa ocasião, às vésperas do Ano Novo,
quando todos tomavam chá em volta do braseiro, a velhinha
disse às sua nora:
- Amanhã
iniciará um novo ano. Como já estou velha e cansada,
a partir de hoje deixo para você a missão de manter
o fogo aceso dia e noite.
Na região, manter o fogo sempre aceso era o mais importante
dever de uma dona de casa. Por isso, a jovem nora ficou preocupada,
pois com aquelas palavras sua sogra estava lhe transferindo a
responsabilidade de comandar o lar.
À
noite, embora tenha deitado cedo, a jovem esposa do lenhador não
conseguia pegar no sono, pois ficou muito preocupada com a nova
missão. Já havia passado a hora do boi, quando ela
se levantou e foi até o braseiro e descobriu, assustada,
que o fogo tinha se apagado.
- Meu Deus, como isso foi acontecer?!
Ela
ficou apavorada, pois sabia que se não reacendesse as brasas,
todos poderiam ficar congelados e sem vida até a manhã
seguinte. Decidida, botou uma capa de palha (nino) nas costas
e foi à procura de uma casa vizinha onde pudesse pedir
emprestado alguns tocos de brasa. Depois de caminhar no meio da
neve durante algum tempo, chegou perto da casa do vizinho, mas
notou que estava completamente escura. Era tarde da noite e todos
deveriam estar dormindo. Ela achou que seria por demais incômodo
tirar o velho vizinho do seu leito quente e do sonho profundo
somente para atendê-la. Então, foi andando mais para
frente na escuridão, em direção da casa de
outro vizinho.
No
caminho, percebeu uma luz no meio de uma clareira. Por sorte alguém
havia acendido uma fogueira para se aquecer. Então, a jovem
esposa foi apressadamente em direção à fogueira.
Quando se aproximou, percebeu que as pessoas que rodeavam a fogueira
tinham aparência horrível. Eram verdadeiros monstros,
e ela tremeu de medo. Teve impulso para sair correndo, mas, lembrando
que seu marido e sogra poderiam morrer congelados enquanto dormiam,
criou coragem e se aproximou pedindo:
- Boa
noite, senhores, preciso do fogo, podem me ceder algumas brasas?
Os estranhos seres que estavam em volta do fogo encararam a indefesa
jovem, deixando-a ainda mais temerosa, pois a luminosidade do
fogo refletida em seus rostos horríveis deixava o ambiente
ainda mais sinistro.
- O que houve?, perguntou um deles.
- Eu
deixei o fogo apagar no braseiro de casa e não posso voltar
sem uma brasa, pois todos podem morrer congelados até o
amanhecer.
- Podemos arranjar o fogo que tanto precisa, mas em troca terá
que nos fazer um favor, disse um dos monstros após consultar
cochichando com os outros. Como todos estavam rindo, o medo aumentou
mais ainda. Porém, sem outro jeito, ela respondeu:
- Está
bem, se me arranjarem o fogo, farei qualquer coisa por vocês.
Os monstros pediram um favor macabro. Disseram que um dos companheiros
havia morrido e queriam que ela guardasse o cadáver por
três dias e três noites. Apesar do pedido lhe causar
pavor, sem outro jeito de resolver a questão, ela se dispôs
a atender a estranha solicitação.
Assim,
carregando o pesado cadáver nas costas e segurando o porta-brasas
na mão, ela voltou para casa num esforço sobre-humano.
Restabelecido o fogo no braseiro, tratou de esconder o cadáver
debaixo do monte de palha de arroz e foi finalmente dormir.
Quando amanheceu, o casal e a mãe tomaram ozooni, sopa
de moti (bolinho de arroz glutinoso), pois, segundo a tradição,
este caldo atrai a sorte para quem a bebe no primeiro dia do ano.
A jovem
esposa, porém, se sentia incomodada só de lembrar
que naquela casa havia um cadáver debaixo da palha. Por
mais que quisesse participar da alegria do marido e da sogra,
pela esperançosa chegada do novo ano, não conseguiu
disfarçar sua inquietação e, de quando em
quando, olhava preocupada, com os cantos dos olhos, para o monte
de palha.
O marido,
que já tinha percebido sua falta de atenção
na animada conversa e seu ar de preocupação, assustando-se
com qualquer barulho, ao notar que a esposa a todo instante olhava
para a palha, disse:
- O
que tanto a preocupa nesse monte de palha de arroz?
Assim dizendo, foi até lá para ver o que havia de
errado. A jovem esposa empalideceu quando o marido começou
a mexer na palha.
- Nossa!
Como isso veio parar aqui?
- Perdão, fui eu quem colocou aí ontem à
noite.
- Existe uma fortuna aqui! Como conseguiu?, disse o marido, tirando
debaixo da palha um saco cheio de moedas de ouro e objetos preciosos.
Ainda não acreditando no que estava acontecendo, a jovem
narrou todo o episódio da noite anterior.
- Não
consigo entender o que houve. Eram sete criaturas horríveis
que me deram o fogo em troca da guarda do cadáver...
Então
a sogra sorriu alegremente e disse:
- Sei o que se passou. Você encontrou os Sete Deuses da
Sorte e da Fortuna. Eles estavam festejando a passagem do ano
na clareira da floresta disfarçados de monstros para não
serem perturbados. Porém, vendo sua aflição,
sinceridade e dedicação, além de darem o
fogo, presentearam você com esse tesouro.
Assim,
aquela família tornou-se a mais rica da região,
com muitos filhos, e todos viveram felizes para sempre.
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