Há
muitos e muitos anos, viviam no Monte En dois monges da Seita
Zenchi, sendo um mestre e o outro aprendiz. O discípulo,
ainda jovem, era considerado um tolo pelos moradores da região
e tinha apenas um olho. O mestre, conhecido como Shamon, era mago,
tinha barba e cabelos brancos e idade bastante avançada,
além de um conhecimento incomparável em todo o Japão.
A fama de sua sabedoria ultrapassou as fronteiras da província
e muitos intelectuais de Heian-kyô, da então capital
do Japão, começaram a procurar pelo mestre para
testar seu conhecimento, propondo debates.
Certa
ocasião, um eminente conselheiro do imperador chegou acompanhado
de muitos servos e guerreiros, trazendo relíquias e moedas
de ouro. Esse nobre senhor, chamado Ikeda Chunagon, era considerado
o maior sábio da corte imperial do período Heian
(794 a 1192). Ao chegar, propôs um debate ao mestre Zenchi,
pois sua crescente fama estava ameaçando a hegemonia do
conselheiro.
- Trago
muitas preciosidades para apostar. Se o senhor vencer o debate,
esse tesouro será deste mosteiro. Mas, se perder, será
exilado numa ilha distante, e esse mosteiro será fechado
para sempre.
Aconteceu
que, nesse dia, o mestre estava muito cansado, e, para ganhar
tempo, disse ao conselheiro que primeiro ele tinha que debater
com seu discípulo. Caso vencesse, aí sim, o mestre
teria prazer em confrontá-lo no dia seguinte.
O conselheiro
imperial sentiu-se meio ofendido, porém para demonstrar
sabedoria e humildade, aceitou fazer primeiro um debate com o
discípulo caolho.
- O debate deve ser em silêncio. É a regra deste
mosteiro, disse o mestre Shamon para assegurar que seu discípulo
idiota não dissesse muitas asneiras.
- Ah!
Entendo, é uma espécie de niramiko com o Daruma-san?!
, observou o conselheiro. Nessa época, num mosteiro Zenchi
de Heian-kyô, haviam criado um jogo onde duas pessoas, ficavam
frente a frente, enchiam as bochechas de ar imitando o boneco
de Daruma (Bodhidarma primeiro patriarca Zen) e se encaravam,
ficando absolutamente sérias ou fazendo caretas sem abrir
a boca. Aquele que fizesse o outro rir ganhava o jogo, que começava
com a cantiga Daruma-san, Daruma-san, niramiko shimashô
(Bodhidarma, Bodhidarma, vamos nos encarar).
Na
manhã seguinte, o conselheiro foi até o aposento
do mestre Shamon e disse:
- Estou partindo envergonhado. Eu não estou em condições
de debater com o senhor, pois nem seu discípulo fui capaz
de vencer. O mestre da Seita Zenchi ficou intrigado e perguntou:
- Mas, afinal, como foi o debate?
- Ficamos
parados durante muitas horas, nenhum movimento para não
ser traído pelos gestos. Quando a noite se foi e os primeiros
raios de sol apontaram no horizonte, levantei um dedo simbolizando
Amaterassu Omikami no Mikoto a Augusta Deusa Sol. Em resposta,
seu discípulo levantou dois dedos simbolizando a Deusa
Sol e sua sabedoria. Então, ergui três dedos para
representar a Deusa Sol, sua sabedoria e seus seguidores. Para
minha surpresa, seu inteligente discípulo sacudiu o punho
fechado, à minha frente, e revelou-me que todos os três
vêm de uma única realização. Diante
de tal argumento, baixei a cabeça humildemente e reconheci
minha derrota.
Depois
que a comitiva palaciana foi embora, o monge idiota acordou e
muito aborrecido foi reclamar com o mestre.
- Aquele
conselheiro é muito grosseiro e covarde para ser um nobre.
Ficou quieto durante horas e, quando comecei a sentir sono, me
insultou levantando um dedo para dizer que só tenho um
olho e sou dorminhoco. Como ele é um importante figurão
da corte imperial, eu evitei lhe responder com grosseria e levantei
dois dedos parabenizando-o por ele ter dois olhos. O mal-educado
levantou três dedos, para mostrar que nós dois juntos
tínhamos três olhos. Então, fiquei irritado
e com os punhos fechados ameacei arrebentar-lhe a cara com um
soco. Daí, ele ficou com medo, se retirou e eu fui dormir.
|