Há
muitos e muitos anos, vivia numa aldeia no interior do Japão
uma velhinha que estava sempre rezando. Isso inspirou o povo a
apelidá-la de Velhinha Rezadeira. Desde que seu marido
faleceu, ela se pôs a rezar e nunca mais parou. Dizem que
o velhinho e a velhinha eram queridos por todos da aldeia e o
casal se dava tão bem que, na longa convivência,
acabaram ficando muito parecidos um com o outro.
Quem
não os conhecia muito bem chegava a pensar que eram irmãos,
tal a semelhança que foram adquirindo ao longo dos anos.
Eles eram muito felizes e animados, porém, certo dia o
velhinho morreu, devido à idade muito avançada.
Todos comentavam que a velhinha não conseguiria viver sozinha,
pois os dois juntos pareciam uma só pessoa.
Ela
tinha muita saudade dele e vivia preocupada com o destino que
poderia tomar sua alma e, por isso, vivia rezando para que o espírito
do bom velhinho fosse bem encaminhado. Assim, rezava quase o dia
inteiro e fez da oração o motivo para continuar
vivendo.
Certa
ocasião, apareceu um monge peregrino em sua casa pedindo
pousada.
- Estou a caminho de Miyako, e como nesta região não
existe hospedaria, peço que me deixe passar a noite aqui.
A velhinha
rezadeira acolheu o monge de bom grado, pois queria que o santo
homem fizesse uma reza para seu falecido velhinho. Preparou uma
boa refeição e serviu ao monge. Este comeu de maneira
afoita e parecia que não jantava há muitos dias.
- Que
modo grosseiro de comer, nem parece um monge pensou a velhinha.
Mas depois do jantar, ela pediu ao monge que rezasse pela alma
de seu falecido esposo. Ao ouvir aquele pedido, o monge ficou
visivelmente sem jeito. Isso porque ele na verdade não
era monge. Havia raspado a cabeça e vestido hábito
de religioso só para ganhar comida e pousada na moleza.
- E então, senhor Monge, vamos iniciar a reza? - perguntou
a velhinha.
A situação
foi ficando cada vez mais complicada para o falso monge. Embora
tivesse a cabeça raspada, e usasse hábito de monge,
ele não conhecia nenhuma oração. Porém,
tinha que continuar fingindo para a velhinha não ficar
desconfiada.
- Preciso
inventar qualquer coisa para tapear essa velhinha - pensou o farsante.
Mas não conseguia improvisar nada. De repente, viu um ratinho
que, saindo da cozinha, vinha em direção da sala
onde eles estavam sentados. Nesse exato momento a velhinha juntou
as palma das mãos em frente do altar caseiro, fechou os
olhos e começou a falar:
- Meu
velho esposo, hoje temos novidade. Meu insistente pedido a Zenchi
no Mikoto, o Deus da Graça Divina, foi plenamente atendido.
O bondoso Zenchi enviou este monge a nossa casa para rezar por
sua alma.
O farsante,
que estava acompanhando a ação do ratinho com o
canto dos olhos, tentou avisar a velhinha de que o bichinho estava
perto dela. Disse em tom de cochicho para não espantar
o ratinho, pois pretendia dar uma chinelada no bichinho.
- De passinho em passinho ele vem chegando...
A velha pensando que o monge havia iniciado a oração
e repetiu o que ele disse em tom de reza:
- De passinho em passinho ele vem chegando...
O falso
monge continuou sua narrativa:
- Ele deu uma paradinha... uma paradinha e está espiando...
E a velhinha, pensando que se tratava de uma reza desconhecida
por ela, acompanhou o falso monge:
- Ele
deu uma paradinha... uma paradinha e está espiando...
O rato, ouvindo a voz dos dois, desconfiado deu meia volta e foi
saindo de fininho.
- Desconfiado, desconfiado ele está paralisado... E a velhinha
repetia tudo que o monge dizia:
- Deu
meia volta e vai saindo de fininho...
Assim que terminou a reza, o hóspede dormiu
profundamente porque estava muito cansado. No dia seguinte, acordou
disposto a continuar a viagem e saiu agradecendo a hospitalidade
da Velhinha Rezadeira.
Ela
agradeceu ao monge por ter-lhe ensinado uma nova reza e contou
entusiasmada que foi fácil decorar a oração.
A partir desse dia, a velhinha rezava todas as noites essa nova
oração em frente do altar caseiro.
- De
passinho em passinho ele vem chegando...
- Ele deu uma paradinha... uma paradinha e está espiando...
E assim
por diante. Ficava horas repetindo essas frases pensando se tratar
de um mantra. Certa noite, um ladrão aproximou-se nas pontas
dos pés e, forçando a porta da cozinha, entrou dentro
da casa, pensando que a velhinha já estava dormindo. Porém,
do lugar que estava, logo enxergou a velhinha sentada na sala,
de costas para ele. Como sabia que ela não havia percebido
a presença dele, o ladrão deu uns passos nas pontas
dos pés em direção da sala, quando ouviu:
- De
passinho em passinho ele vem chegando...
O gatuno levou um tremendo susto pensando que havia sido descoberto.
Olhou bem para ela, que ainda estava de costas.
- Ele
deu uma paradinha... uma paradinha e está espiando....
Ao ouvir isso o ladrão foi tomado por uma sensação
de arrepio. Ele logo imaginou que a velhinha tinha poderes sobrenaturais
a ponto de ver pelas costas.
-Desconfiado, desconfiado ele está paralisado...
Aquilo
foi demais até para um ladrão. A velhinha definitivamente
estava vendo seus mínimos movimentos e até lendo
seu pensamento e sensação. Se não fosse a
tremedeira nas pernas, sairia correndo daquela casa onde residia
aquela poderosa bruxa. Tratou então, num grande esforço,
de dirigir-se em direção da porta.
- Deu
meia volta e vai saindo de fininho...
O ladrão destrambelhou porta afora e, suando de medo, fugiu
apavorado.
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