Adaptação
livre de Claudio Seto
(Texto
e desenhos: Claudio Seto)
Continuação...
O
TIRANO OKIMI
Montados em enormes tubarões, a princesa Toyotama
e o príncipe Hoori chegaram a Mizuho no Kuni. Nos três
anos de ausência de Hoori muitas coisas aconteceram, entre
os quais a morte de seu pai, o rei (Okimi) Hassuseiri no Mikoto
(Divindade Espiga Madura). Seu irmão Hohodemi no Mikoto
havia assumido o trono passando a governar como um tirano causando
um grande descontentamento entre os súditos. A volta do
príncipe Hoori foi muito festejado pelo povo, que via nele
uma pessoa bondosa e justa.
Hoori
entregou o anzol para o irmão que agora era o rei e pediu
desculpas pela demora. Hohodemi comunicou a Hoori que metade das
terras seriam dele conforme o desejo do pai, antes de morrer.
Assim Hoori no Mikoto construiu uma enorme casa e dedicou se a
plantação de arroz, contando com a ajuda de alguns
súditos que lhe era fiel. Com o tempo verificou-se que
a plantação do príncipe Hoori sempre tinha
água em abundância enquanto que a plantação
do rei Hohoderi vivia seca e quase nada era possível colher.
No
ano seguinte, o rei Hohodemi trocou as terras de cultivo de arroz
dele pelas terras do príncipe Hoori. Porém o fenômeno
continuou; na plantação de Hoori havia água
e de Hohodemi, a seca não deixava produzir nada. No outro
ano, mais uma vez, Hohodemi trocou as terras de cultivo com o
irmão, e o fenômeno voltou a acontecer.
O rei
Hoodemi estava muito zangado com inexplicável sucesso do
irmão e o fracasso de sua plantação de arroz.
No terceiro ano, não suportando ouvir os tambores que festejavam
a boa colheita na aldeia de Hoori, resolveu matá-lo. Apesar
de dedicar grande parte de seu tempo ao cultivo de arroz, Hoori
não perdera o hábito de caçar com seu arco
e flecha nas matas próximas à sua aldeia. Certo
dia, sabendo que o príncipe saiu para caçar, o rei
enviou um grupo de cem soldados com a ordem de eliminá-lo.
No
meio da floresta, como bom caçador, Hoori encostou o ouvido
esquerdo ao solo e percebeu que grande quantidade de pessoas vinha
em sua direção. Então subiu em uma árvore
alta e ficou a espera, para descobrir o que estava acontecendo.
Ao se aproximarem, Hoori viu que os soldados de seus irmãos,
fortemente armados, seguiam suas pegadas guiados pelos melhores
cães farejadores da aldeia. Hoori tentou descer apressadamente
da árvore porém os cachorros começaram a
latir furiosamente e ele foi visto pelos soldados que num piscar
de olhos cercaram a árvore.
- Sentimos
muito alteza, mas temos ordens para matá-lo. Seu irmão
o rei, não está gostando nada do seu sucesso na
colheita de arroz. Dizendo isso, os soldados começaram
a atirar flechas na direção do galho onde estava
Hoori. Vendo-se impossibilitado de qualquer defesa, o príncipe
apertou a Jóia da Maré Alta com a mão
direita. De repente um estrondo ensurdecedor foi ouvido e o mar
avançou em violenta fúria sobre a floresta. Vendo
o rápido avanço das águas, os soldados tentaram
fugir porém foram arrastados pela forte correnteza que
alagou toda mata.
Assim
que a água passou levando tudo que via pela frente, Hoori
desceu da árvore e foi embora para sua aldeia. No caminho
ouviu a voz de seu irmão que pedia por socorro. Correu
até a beira do mar e viu Hohodemi que havia seguido a tropa
para assistir a morte do irmão, debatendo desesperadamente
entre as ondas revoltas. O príncipe então, apertou
a Jóia da Maré Baixa e as águas
se acalmaram como por encanto dando condição de
puxar seu irmão para terra firme.
Envergonhado
pelo que fizera e comovido pelo gesto do irmão, o rei Hohodemi
resolveu ceder o trono ao príncipe e retirar-se para o
alto da montanha, onde pretendia fazer meditação
para desenvolvimento espiritual e orar pelo bem estar de Mizuho
no Kuni (País da espiga de Arroz hoje Japão).
TOYOTAMA
HIME
Nomeado okimi (rei) do País da Espiga
de Arroz, Hoori reinou com amor, justiça e sabedoria.
A técnica da plantação de arroz, bem como
o método de armazenagem evoluíram muito naquele
período. Para completar sua felicidade, recebeu a comunicação
de sua esposa que um herdeiro estava a caminho. Hoori não
podia estar mais feliz, o povo estava satisfeito com seu governo,
pessoas de países vizinhos traziam peles e artesanatos
para trocar com arroz produzido em Mizuho. Agora a linhagem de
Amaterassu Omikami, a Augusta Deusa Sol, estava para ter continuidade,
com seu filho que estava para nascer.
Quando
chegou o dia esperado, a rainha Toyotama disse ao marido que desejava
ter o filho sozinha no pavilhão à beira mar e pediu
que ele e nem ninguém não fosse ver. Apesar de ter
prometido que não iria, com o passar das horas Hoori foi
ficando ansioso para ver a cara do filho e ao mesmo tempo preocupado
pois algo poderia ter acontecido com sua esposa. Não conseguindo
mais se conter correu sorrateiramente ao pavilhão. Hoori
chegou no exato momento em que ela, dava a luz ao seu filho, em
sua forma natural de tubarão. O rei ficou surpreendido
ao descobrir que na verdade, sua esposa era um tubarão
encantado e que a quebra da palavra teria desfeito o encanto.
Descoberta, Toyotama ficou envergonhada, entregou o filho ao marido
e voltou para o Palácio do Dragão, no fundo do mar.
Mesmo
voltando a viver no esplendoroso palácio do Rei do Mar,
Toyotama continuou apaixonada pelo marido, e enviou-lhe a irmã
Alma Possessa, para que ela cuidasse do filho. Depois Hoori se
casou com esta e tiveram quatro filhos, o último deles,
chamado Waka Mikenu e depois de conquistar a região de
Yamato passou a ser chamado de Kamu Yamato Iwarehiko no Sumera
no Mikoto, que entrou para história como Jinmu Tenno, o
primeiro imperador do Japão.
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COMENTÁRIO
A história dos dois irmãos descendentes
da deusa Amaterassu, encontra-se em Kojiki (Crônica de Assuntos
Antigos), cujos dados foram reunidos no ano de 712 d.C e complilados
em 720 d.C. . Muitos contos e lendas sobre a existência
do palácio do dragão, no fundo do mar, foi inspirado
nessa passagem do Kojiki, sendo a mais famosa, a lenda de Urashima
Tarô, o pescador.
Esse
volume do Kojiki também consolidou a associação
do Dragão com o tama , por isso é comum ver nas
ilustrações antigas, o dragão segurando uma
bola de cristal ou pérola gigante. A palavra tama, significa
alma ou espírito (como em Toyotama Hime = Princesa Alma
Luxuriante) e é representado por uma jóia redonda,
estando entre os três tesouros da Família Imperial,
ao lado da espada sagrada e do espelho.
Existe
uma grande confusão em torno dos nomes Hohodemi e Hoori,
as vezes citados como Hoderi e Hoori, Yamano Sachi e Umi no Sachi
ou Yama no Satihiko e Umi no Satihiko e por aí a fora.
As várias interpretações do Kojiki apresentam
de modo diferente, cuja traduções teriam sentido
completamente diferentes como: Pequeno Menino da Montanha e Pequeno
Menino do Mar, ou Fogo Apagado e Fogo Aceso. Igualmente, na história
não fica bem claro qual era o mais velho ou se eram gêmeos.
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