Adaptação
livre de Claudio Seto
(Texto
e desenhos: Claudio Seto)
O
portão abriu-se silenciosamente e uma linda princesa acompanhada
de belas ninfas aproximou-se do pobre pescador.
- Bem-vindo
a Ryugu, o Palácio do Dragão. Sou Toyotama Hime,
filha do Shiyozuchi no Kami, o deus de todos os mares. Agradeço
por ter salvo a tartaruga das mãos de uns pestinhas. Atualmente
é raro encontrar um ser humano tão bondoso.
Urashima
estava encantado com tanta beleza. Nunca vira em toda sua vida
tamanha maravilha e nem imaginava que elas pudessem existir. Mil
olhos seriam necessários para poder apreciar tudo que o
rodeava. O espetáculo que tinha diante de si parecia um
belo sonho. De repente a bela princesa fez um sinal e surgiu um
cardume de peixes bailarinos que dançando traziam pratos
diferentes de comida e compôs um grande banquete.
Ao
som de uma música suave Urashi foi servido de iguarias
cujo sabor era deliciosamente indescritível. Enquanto Urashima
comia com a agradável companhia da princesa e suas belas
acompanhantes, os peixes dançavam, cantavam e tocavam instrumentos
musicais.
- Vou
abrir essa caixinha, a princesa disse, que é muito importante
para mim, então deve haver um meio de eu retornar ao Palácio
do Dragão. Assim dizendo o pescador desatou o nó
do cordão que prendia a tampa. No interior da caixa só
havia uma pequena fumaça branca que logo se dissipou. De
repente a feição de Tarô começou a
envelhecer e seus cabelos ficaram totalmente brancos. Seu físico
jovem e esbelto foi murchando, enrugando, emagrecendo e encurvando.
Urashima Tarô se transformou num ancião centenário.
Olhando
a caixa vazia Urashima compreendeu tudo:
- Realmente uma coisa muito importante estava presa dentro da
caixa - o tempo para mim. Se eu não tivesse aberto, teria
todo tempo do mundo para esperar pela tartaruga, esse bicho sem
pressa. Uma vez aberto o tempo está passando como devido.
Em alguns minutos voltarei a ser pó...
Depois
do banquete a princesa convidou Urashima Tarô a conhecer
todas as dependências do palácio. Atravessando uma
porta de cristal adentraram num enorme e luxuoso salão.
Mais adiante subiram uma escadaria de madrepérola e foram
para a torre de enormes janelas. Curiosamente eram quatro janelas
voltadas cada uma para um ponto cardeal.
A princesa
abriu a janela leste e uma paisagem de primavera descortinou-se
em frente deles. As flores de cerejeira cobriam de rosa várias
árvores, as flores de ameixeira brotavam dos galhos escuros
e muitas e muitas flores cobriam os campos como um tapete encantado.
Ouviu-se o canto dos pássaros e a festa dos rouxinóis.
Quando Toyotama Hime abriu a janela sul, era o verão. A
alma das plantas estavam nas folhas. O sol radiante fazia tudo
brilhar e uma brisa refrescante trazia o canto das cigarras. Por
trás da janela do oeste estava o outono. As folhas avermelhadas
de acer (momiji) cobriam as serras e as plantas da estação
estalhavam pelo campo. Abrindo a janela do norte era o inverno.
A energia da planta repousava nas raizes e os galhos estavam despidos.
Uma linda paisagem de neve cobria toda montanha onde namorava
um casal de tsuru (garça grou).
Urashima
estava embriagado de tanta beleza ao seu redor e perdera completamente
a noção do tempo. Quando sentia vontade de apreciar
as cerejeiras, bastava abrir a janela correspondente. No Palácio
do Dragão era festa todos os dias. Eram promovidas brincadeiras
culturais de salão, sessão de criação
e leitura de poesias e muitos banquetes acompanhados de danças
e músicas. Assim se passaram os anos sem que Urashima percebesse.
Certo
dia Urashima começou a pensar em retornar à sua
terra natal, pensando que seus pais poderiam estar preocupados
com sua demora, pois saíra para pescar e veio ao Palácio
do Dragão sem avisar a ninguém.
A saudade
bateu para valer e o pescador foi ficando preocupado com a saúde
de seus velhos pais. Diante disso, a dança nem a companhia
de bela ninfas já não o divertia mais. Mesmo diante
do farto banquete não sentia vontade de comer. Notando
mudança em seu semblante a princesa perguntou:
- Taro-san,
tenho notado que você não está bem. Algo o
preocupa?
- Vim sem avisar e meus pais devem estar preocupados comigo. Devo
voltar pois não quero causar incômodo para eles.
Também estou com saudade de minha terra e de meus amigos.
Aqui tudo é maravilhoso, mas não pertenço
a este mundo.
- Ora, você pode ficar quanto tempo quiser, aqui todos amamos
você e sua bondosa alma.
- Agradeço a hospitalidade mas realmente tenho que ir.
Vendo sua determinação a princesa compreendeu e
disse:
- Gostaria
que ficasse, mas não posso segurá-lo contra sua
vontade. Aceite este presente de despedida - disse a princesa
entregando um pequeno baú chamado Tamatebako. Dentro existe
uma coisa muito importante para você, porém, não
deve abrir essa caixa se quiser retornar para cá.
Com
o tamatebako debaixo do braço, Urashima Tarô se despediu
de todos e deixou o Palácio do Dragão montado no
casco da tartaruga. Pouco tempo depois já estava na praia
onde ficava a aldeia de pescadores. Despediu-se da tartaruga e
tomou rumo de sua casa. Urashima ficou emocionado ao ver a paisagem
do local onde ele nasceu. Caminhou ansioso em direção
de sua casa, mas percebeu que apesar de o lugar ser o mesmo, algumas
casas estavam diferentes na vila. Estranhamente as pessoas que
cruzava pelo caminho eram todas desconhecidas. Algo estava errado,
pois nascera naquele vilarejo de pescadores e conhecia todos os
moradores e cada palmo de terra daquela ilha.
- Inexplicável,
como as coisas podem ter mudado tanto em tão pouco tempo?
Onde estão as pessoas que eu conheço? Que brincadeira
é essa? Conheço o lugar onde nasci, as montanhas,
os rios e a praia são as mesmas, mas as casas e as pessoas
são diferentes.
Tarô correu em direção de sua casa para que
seus familiares dessem uma explicação do que estava
acontecendo. Chegando ao local levou um tremendo susto. Não
havia mais casa no terreno, apenas capim e abandono.
- O
que aconteceu a minha casa e a meus pais?
Tarô ficou atordoado sem nada entender. Nisso passou por
lá um velhinho encurvado pela idade, apoiando em sua bengala.
- Por
favor, sabe me dizer onde é a casa de Urashima Tarô?
perguntou.
- Esse nome não me é estranho... parece que já
ouvi falar dele...deixe-me ver...ah! quando eu era criança
me contaram que nessa região morava um pescador chamado
Tarô... assim Urashima Tarô. Era um moço bondoso
que morava com seus pais, porém um dia ele foi pescar e
nunca mais retornou. Seu barco foi encontrado abandonado na praia,
trazido pela maré. Dizem que ele morreu afogado...
Urashima
levou um tremendo susto e quis saber mais a respeito.
- E os pais do pescador, o que aconteceu com eles, para onde mudaram?
- Já morreram, isso aconteceu há 300 anos. Nem a
casa sobrou, dizem que ficava por aqui.
Tarô entendeu a triste realidade. O pouco tempo que ficou
no Palácio do Dragão se divertindo eqüivale
a 300 anos terrestres. Sentiu um grande peso no espírito
ao saber que enquanto vivia momento deliciosos, seus pais e seus
amigos estavam morrendo. Sentiu um grande vazio ao perceber que
agora em sua terra natal, ninguém o conhecia.
Tarô
vagueou pela praia sem rumo. Uma profunda tristeza havia tomado
conta de seu coração. Sozinho e desolado, sentou-se
em uma pedra e ficou olhando o mar.
- Não tenho mais casa e ninguém aqui me conhece...
Acho melhor voltar ao Palácio do Dragão, lá
sou bem quisto por todos. Mas como poderei voltar lá se
a tartaruga já foi embora?
Enquanto
esperava desolado que a tartaruga pudesse surgir novamente, lembrou
que a princesa aconselhou a não abrir o baú se quisesse
voltar para lá. Sem dúvida aquele baú era
o meio para que ele pudesse um dia retornar ao paraíso
no mar. As horas foram passando e Urashima Tarô começou
a ficar impaciente.
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