Adaptação
livre de Claudio Seto
(Texto
e desenhos: Claudio Seto)
Na
província de Nagano, no Japão, existe um monte conhecido
pelo nome de Nunobiki, que significa pano estendido. Esse nome
faz referência a uma faixa clara de pedra encrustada no
escuro rochedo lateral. Conforme a crença popular, essa
faixa, antes de se tornar parte do rochedo, era uma peça
de pano branco que se petrificou para que o povo da localidade
jamais esquecesse da história que deu origem ao nome do
monte.
Nessa
época a atual província de Nagano ainda se chamava
Shimano no Kuni (País de Shimano) e o monte nem tinha nome.
A história tem início no tempo em que no sopé
da montanha vivia uma senhora trabalhadeira, porém, conhecida
como a mulher mais avarenta da região. Para ela, só
o dinheiro tinha valor. Relegava a segundo plano qualquer tipo
de relacionamento que não lhe rendesse alguns dividendos.
Seu
trabalho consistia em lavar roupas nas cristalinas águas
do riacho que nascia nas encostas do monte. Por causa da pureza
da água, eram muitas as encomendas que recebia de um palácio
que ficava nas proximidades. Assim, a lavadeira nunca parava de
trabalhar, sempre pensando em aumentar, cada vez mais, seu rico
dinheirinho.
Perto
da sua casa existia um renomado templo budista chamado Zenkoji,
cuja fama atraía peregrinos das mais longínquas
províncias do Japão. Todos se dirigiam ao templo
para agradecer rezando pelas graças recebidas. Porém,
a lavadeira que morava quase ao lado jamais tinha entrado no templo,
com medo que os monges lhe pedissem contribuição
financeira para ajudar na manutenção daquele local
sagrado.
Além
disso, ela tinha certeza que freqüentar o templo era uma
grande perda de tempo, pois deixaria de lavar algumas peças
de roupas e conseqüentemente diminuiria seu ganho.
Na
primavera, quando as flores silvestres cobriam o monte, era realizada
uma grande festa em louvor a natureza no templo Zenkoji. Todas
as pessoas da aldeia para lá se deslocavam para reverenciar
a chegada da mais bela estação do ano. Dirigindo-se
para o templo, os aldeões passavam na frente da casa da
lavadeira e a convidavam para juntos rezarem. Porém, ela
recusava argumentando que não podia perder aquele belo
dia de sol, pois as roupas secariam com maior rapidez e seu serviço
renderia muito mais.
Tempo
é dinheiro não posso desperdiça-lo rezando,
dizia a lavadeira ao mesmo tempo em que estendia panos brancos
no varal. Enquanto ela continuava trabalhando, passou por lá
um touro e uma das peças enroscou no seu enorme chifre.
Apavorada, a mulher gritou exigindo a devolução
do pano. O berro foi tão estridente que assustou o animal
que saiu em disparada. Atrás dele, metros e metros de pano
sendo arrastado.
Na
tentativa de recuperar a comprida peça de tecido, a lavadeira
correu como nunca. Porém, o touro era mais rápido
e ganhou a estrada rapidamente. A mulher que vinha correndo num
tremendo esforço viu que o touro, logo depois, adentrou
no terreno do templo e foi direto para dentro da casa de orações.
A lavadeira chegou ofegante, pois havia feito enorme esforço
no encalço do touro. Ao notar que o touro havia desaparecido
perto do altar, caiu sentada de tanta exaustão. Sua respiração
ficou difícil e o coração em inacreditável
ritmo acelerado.
A lavadeira
queria falar, mas a voz não saia. Ela percebeu então
que estava morrendo. Antes de dar o último suspiro teve
a lucidez de perceber que aquela situação não
era apenas por correr atrás do touro. Seu corpo acumulava
cansaço de vários anos de trabalho ininterrupto
na ânsia de juntar dinheiro. Pensou consigo mesma de que
adiantou guardar uma fortuna, se naquele momento de morte seu
rico dinheirinho perdeu todo significado.
Conformada
com a triste realidade, resolveu entregar a sua alma as mãos
de Deus. Respirou fundo e fechou os olhos em santa serenidade.
Pela primeira vez deu conta que estava dentro do templo. Começou
a ouvir vozes entoando um mantra. Percebeu então que o
som das vozes se assemelhava ao barulho das águas cristalinas
do riacho onde ela lavava as roupas. Sem querer estava dando ouvido
as vozes de outras pessoas. O som do mantra entrou pelos seus
ouvidos e como um riacho percorreu dentro dela, lavando sua mente
e chegando ao coração.
Ela
então tomou consciência de que era hora de deixar
um pouco as roupas de lado e lavar a sua ganância, o egoísmo
e a mesquinhez. Ao invés de esfregar os panos como sempre
fazia, esfregou uma mão na outra rezando agradecida aos
céus, pela percepção recebida. Aos poucos
sua respiração foi melhorando e finalmente sentiu-se
bem como nunca. Mais tarde, ouvindo os ensinamentos do monge de
Zenkoji, entendeu que o touro foi uma visão divina, como
acontece com os 10 quadros do pastoreio, cujas ilustrações
servem para ajudar os iniciados no caminho da iluminação.
Depois
desse dia ela tornou-se uma pessoa gentil e generosa. Com o trabalho
que fazia ajudando a comunidade, ela passou a ser chamada de santa
pelo povo da aldeia.
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