Adaptação
livre de Claudio Seto
(Texto
e desenhos: Claudio Seto)
Um
bom velhinho, Hanasaka jiji - uma versão oriental do bonachão
Papai Noel - havia encontrado um cachorro com poderes especiais,
que havia lhe mostrado o local onde tinha sido enterrado um tesouro.
Presenciando tudo isso, o vizinho ganancioso raptou o cão
Shirô e o obrigou a lhe indicar outra fortuna escondida.
Não conseguindo, o invejoso terminou por matar Shirô.
Mas
as façanhas do cachorro continuaram a acontecer. No local
onde foi enterrado, nasceu um grande pinheiro, que serviu de matéria
prima para um mágico pilão de fazer moti. Mais uma
vez, o ganancioso vizinho tentou se apoderar do pilão,
mas novamente não conseguiu reproduzir seus poderes. Danado
da vida, o velho malvado retalhou o pilão com o machado
e fez uma bela fogueira.
Quando
o velhinho bondoso ficou sabendo do ocorrido, desolado recolheu
as cinzas numa caixinha de madeira e voltou para casa arrasado.
Ao chegar em casa, mostrou para a velhinha o que sobrou do pilão
que guardava a memória de Shirô, pois o moti também
é shiroi (branco). Nesse instante uma brisa carregou as
cinzas da superfície da caixinha para o quintal. As cinzas
pousaram em galhos secos e de cada pozinho nasceu uma flor de
cerejeira. Todas as árvores do quintal floresceram e as
árvores secas ficaram esplendorosas.
A notícia
correu pela aldeia e caiu nos ouvidos de uma tropa de nobres samurais
que escoltavam o mandatário da região (daimyo),
que passava pelas proximidades. O poderoso Daimyo mandou chamar
o velhinho e ordenou que mostrasse sua magia.
Preocupado
que o milagre das flores não se repetisse, o bondoso velhinho
subiu numa árvore seca e espalhou a cinza pelos galhos
evocando Konohana Sakuya Hime - a deusa Floração,
que conforme a lenda, por onde ela passa, as flores desabrocham.
Novamente como pôr encanto, as árvores secas ficaram
cheias de flores de cerejeira. O Daimyo e os samurais ficaram
admirados e até emocionados por poderem apreciar a flor
de cerejeira fora da estação. Pois conforme a tradição
japonesa, a cerejeira é a flor dos guerreiros.
Como
recompensa pelo belo espetáculo, presentearam o velhinho
com ricos kimonos e moedas de ouro. O ancião voltou para
casa feliz da vida e algumas moedas a mais para sua coleção.
O vizinho
invejoso, ao saber do ocorrido, apanhou as cinzas que restaram
no quintal e se posicionou junto a algumas árvores na beira
da estrada, por onde passaria os nobres samurais no retorno ao
castelo. Quando a tropa aproximou, ele chamou a atenção
dos guerreiros gritando e cantando todo alegrinho:
-
Eu sou o Velhinho da Primavera, aquele que faz galhos secos florescerem!
La-ri-la-ri la!
O nobre
senhor da região desceu da montaria e quis apreciar mais
uma vez a floração das cerejeiras que tanto amava:
-
Que aldeia fantástica, todos aqui sabem a mágica
da deusa Konohana Sakuya Hime. Dizendo isso, o nobre senhor ordenou
que o velhinho executasse o espetáculo.
O ganancioso
velhinho começou a espalhar as cinzas pelos galhos, porém
nada aconteceu.
- O que está esperando homem? Quero ver as flores de sakurá
(cerejeira)!
Desesperado
o ansião gritava:
- Floresce cerejeira. Floresce cerejeira. Ajude-me deusa da Floração.
Mas nada de flores desabrocharem. Então o velho despejou
todas as cinzas sobre os galhos para ver se funcionava. O exagero
teve dramática conseqüência. As cinzas caíram
nos olhos do Daimyo e dos samurais.
- Velho insolente, além de impostor é um atrevido.
Prendam-no!
Conta
a lenda que o velho ganancioso pediu perdão de joelhos
ao governador e jurou que não praticaria mais coisas desonestas
nem cobiçaria o que à outros pertenciam. Concluiu
que o espírito de Shirô estava-lhe castigando, pela
maldade por ele praticada e ficou muito arrependido da sua maneira
de agir.
O governador
ficou comovido com lágrimas do ancião e depois de
repreendê-lo duramente, deixou-o seguir seu caminho, pois
conforme a sabedoria popular japonesa, o castigo dos mortos é
bem pior que o castigo dos vivos.
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