Adaptação
livre de Claudio Seto
(Ilustração: Claudio Seto)
Um
monge que vivia dormindo e um macaco que sempre estava com fome,
com seu estômago a roncar, certo dia bolaram um plano para
poderem ganhar algum prestígio para impressionar um milionário,
cuja filha havia falecido.
Durante
o enterro, o macaco fez com que o omikoshi (santuário onde
transportavam pessoas falecidas) começasse a flutuar
O milionário
apavorado começou a gritar:
-Façam alguma coisa. Minha filha tem que ser enterrada
dignamente e não ficar flutuando em pleno trajeto como
koinobori (flâmula em forma de peixe ao vento).
O omikoshi
subiu até uma certa altura e ficou parado no ar. Chegaram
o pessoal do teatro, fizeram uma pirâmide humana, mas não
conseguiram alcançar. O milionário nervoso ralhou
com o Monge de Alta Classe, que havia sido chamado para rezar
a missa em lugar do Monge Dorminhoco:
- Foi você que pediu aos céus para que o omikoshi
subisse. Agora quero que o traga de volta.
- Eu falei brincando, não tenho esse poder.
-Quero
minha filha de volta, faça alguma coisa. Você é
ou não é um monge palaciano?
O monge começou a rezar com todo fervor, chacoalhando seu
terço na tentativa de exorcizar as forças ocultas
que mantinha o caixão suspenso. Como a reza estava demorando
demais para surtir efeitos, o milionários fez uma polpuda
oferta:
- Senhor Monge faça o caixão descer imediatamente
que doarei um pote de ouro para seu templo na capital.
Estimulado
pela bondosa oferenda à sua casa de reza, o Monge da Alta
Classe gastou todo seu repertório de orações
sagradas, mas nada do caixão vir a baixo. Esgotada a esperança
e a paciência que o milionário botou no monge da
capital, ordenou aos seus serviçais:
- Tragam aquele monge pobretão e dorminhoco. Nessa altura
dos acontecimentos temos que apelar até para os meios mais
miseráveis.
O
MILAGRE
O
Monge Dorminhoco chegou sonolento e só despertou quando
constatou que o omikoshi estava realmente flutuando. Que
macaquice, pensou consigo mesmo. E já que o circo
estava armado, resolveu dar continuidade ao espetáculo,
dizendo:
- Isso requer uma reza especial e ultra secreta!
- Ohhhh! Exclamaram os mais céticos.
O milionário
ao ouvir aquelas palavras acalentadoras, ajoelhou aos pés
do monge dorminhoco e pediu com veemência:
- Oh, senhor Monge! Já tentamos de tudo e não conseguimos.
Fazei com que o caixão abaixe e eu arcarei com todas as
despesas de seu templo para o resto da minha vida. Mais que isso,
vou mandar reformar aquele templo que está caindo aos pedaços
e nunca mais vai faltar arroz no templo.
- Moti!
Exclamou sem querer o monge lembrando do macaco.
- Moti?! Indagaram todos os presentes sem entender o que o monge
queria dizer.
- Moti... Respondeu o monge meio constrangido.
- Ah sim moti! disse o milionário. - Bem sacado, o moti
dá muita sorte. Mandarei todos os dias ao templo. Aliás,
vamos comer esse moti que estamos levando para colocar no túmulo.
- Primeiro o macaco, disse o monge.
Assim todos os presentes comeram o moti que seriam oferendado
aos deuses, no túmulo da defunta.
De
barriga cheia o monge, como havia combinado com o macaco, começou
a rezar: Namu Saru-Tora yaya, moti suki yaya, yakimoti yaya, kanemoti
yaya, motekuru yaya.
E como por encanto quebrado, o omikoshi começou a se mover,
descendo suavemente até pousar delicadamente no chão.
O povo ficou eufórico: - Milagre a reza do Monge Dorminhoco
é mais forte que a do Monge de Alta Classe!
O milionário
ficou muito agradecido e o féretro continuou em santa paz,
com todos rezando: Namu Saru-Tora yaya, moti suki yaya, yakimoti
yaya, kanemoti yaya, motekuru yaya (literalmente: Ave Macaco-Tigre
ei-ei, gosta de bolinho de arroz ei-ei, bolinho assado ei-ei,
milionário ei-ei, vai trazer ei-ei).
Após
o enterro o Monge Dorminhoco voltou ao templo satisfeito porque
a brincadeira do macaco não causou conseqüências
mais graves. Cansado de um dia tão agitado e retornando
a sua vida tranqüila, voltou a dormir.
Porém
na manhã seguinte a calma de seu templo foi abalada por
um batalhão de marceneiros que iniciaram a reforma do prédio.
Também chegaram muitos alimentos até abarrotar a
despensa. Com a reforma, o templo tornou-se o mais bonito da província.
A fama de poderosa reza do monge dorminhoco correu por toda região
e filas de peregrinos começaram a chegar para receber as
benzas do velho religioso. Até o Monge de Alta Classe mudou-se
para o templo e tornou-se discípulo de Dorminhoco.
O Monge
Dorminhoco ficou sem tempo sequer para cochilar. Ficava o dia
todo atendendo visitas e pessoas necessitadas que vinham das províncias
mais distantes e tinha que rezar o dia inteiro. Então recebeu
o nome budista de Monge Desperto. A fama acabou com aquela vida
sossegada que gostava e levava na flauta. Sempre que tinha chance
lamentava para seu amigo macaco:
- Se
eu soubesse que despertar era essa dureza, não
teria me tornado monge Zen.
Quanto ao macaco, continuou tirando tranqüilamente suas sonecas
diária e a barriga nunca mais roncou.
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