Adaptação
livre de Claudio Seto
(Ilustração: Claudio Seto)
Havia
um velho templo nas encostas da montanha, pouco freqüentado
e por isso quase em ruínas. Nele viviam tranqüilamente
um idoso monge Zen e um macaco preguiçoso igualmente velho.
Como a presença de fiéis era coisa rara, o monge
e o macaco dormiam praticamente o dia inteiro. A única
coisa que perturbava a tranqüilidade daquele local sagrado
era o ronco da barriga do macaco. Por roncar tão alto,
o monge deu ao macaco o nome de Torá, que em japonês
significa Tigre.
Numa
bela tarde primaveril o monge foi surpreendido e despertado com
o macaco falando como gente:
- Monge acorde, a filha do milionário da aldeia morreu
e cometeram uma grande injustiça com o nosso templo.
- O
que? Estão culpando o templo pela morte da pobre mocinha
rica?
- Não é nada disso. A injustiça está
no fato de que chamaram o Monge de Alta Classe da capital para
encomendar a alma da moça.
- Ora
Tora-san, se o pai da defunta é um milionário não
é de se estranhar que chame um monge de sua classe social.
Não vejo motivo porque iria me chamar, se sou um pobre
monge de um templo pobre.
- Aí
é que está a questão, Velho Monge. Essa era
a grande oportunidade para mudarmos essa situação
de penúria. O milionário poderá nos ajudar,
reformando o templo e abastecendo fartamente nossa dispensa, que
aliás há muito tempo está vazia.
- Meu
bom Tora-san, para que mudar se sempre vivemos assim. Nossa vida
tem sido boa e tranqüila, dormimos quase o dia inteiro ao
som das cigarras e pássaros. Vamos continuar desfrutando
dessa calmaria Zen que a natureza nos oferece.
O macaco
explicou ao bom monge que já não agüentava
ouvir a própria barriga roncando de fome. Como já
estava velho gostaria de ter pelo menos um moti (bolinho da sorte,
feito de arroz glutinoso) assado para comer diariamente, pois
tinha pouco tempo de vida e temia morrer de barriga vazia.
- Realmente
já estamos velhos e você sempre foi um fiel companheiro.
Disse o monge.
- Então, em nome da nossa velha amizade deixe-me tentar
um truque para melhorar a situação deste templo.
Se depender do senhor, vamos ficar dormindo até morrer.
Dormir é bom, mas com a barriga cheia.
- E
o que posso fazer pelo meu bom amigo?
- Durante o enterro vou fazer o omikoshi (santuário onde
transportavam pessoas falecidas) flutuar. Creio que vão
chamá-lo para trazer o omikoshi de volta para o chão.
Peço que ao invés de rezar como faz normalmente,
fique repetindo a frase: Namu Saru-Tora yaya, moti suki
yaya, yakimoti yaya, kanemoti yaya, mote kuru yaya.
O monge
achou a idéia completamente maluca, mas resolver participar
da brincadeira em atenção ao velho companheiro que
provavelmente pela idade, estava começando a caducar. Tão
caduco estava que já falava como gente, ao invés
de permanecer na privilegiada condição de macaco.
O
féretro
Ricas
coroas de flores enfeitavam o caminho entre a casa do milionário
e o cemitério. O féretro saiu do palacete tendo
a frente o Monge de Alta Classe, que trajava um pomposo hábito
de seda importada da China. Atrás vinha o omikoshi em formato
de pagode carregado pelos serviçais e seguido pelo choroso
pai milionário.
No
meio do trajeto o macaco usando um chapéu em forma de cone
começou a dançar na frente do féretro. Os
discípulos do Monge de Alta Classe, que tocavam um suzuri,
tamborete para dar ritmo à procissão, não
contendo o riso caíram na gargalhada. Feito infeliz, apesar
do bom humor. Saíram completamente do ritmo e destrambelharam
a seriedade dos passos pausados do nobre enterro.
A procissão
mais parecia a dança awaodori. Os participantes iam de
uma margem a outra da estrada, serpenteando ao compasso bem humorado
do tamborim. O Monge de Alta Classe, com sua compostura impecável
ralhou os acompanhantes:
- Olha
o respeito! Parem com isso ou serei obrigado a invocar o castigo
divino.
Dito
e feito. O omikoshi desprendeu-se das mãos dos serviçais
e começou a subir flutuando. Um zelador teimoso chegou
a subir dependurado por alguns metros do solo, mas acabou despencando
em cima do Monge de Alta Classe.
Estabeleceu-se
a maior confusão. Ninguém acreditava no que os olhos
viam. Já haviam ouvido falar em cobra com oito cabeças,
dragões que voam em dias de chuvas, visita de carruagens
celeste e histórias de seres sobrenaturais. Porém,
omikoshi de defunto flutuante não havia registro em nenhum
momento da história japonesa.
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