Adaptação
livre de Claudio Seto
(Ilustração: Claudio Seto)
Depois
de surgir de um pêssego, Momotarô cresceu e se tornou
um robusto menino, cuja força não encontrava páreo
na vizinhança. Naquela época, contavam que surgiu
numa das ilhas do Mar de Seto seres demoníacos que os japoneses
chamavam de Oni. Esses indivíduos saqueavam e raptavam
as donzelas, causando temor e sofrimento ao povo da região.
Sensibilizado
com o sofrimento dos velhinhos, ele se prontificou para ir enfrentá-los.
A velhinha preparou uma porção de bolinhos de milhete
(kibidango) para ele levar de lanche na épica viagem. Logo
depois, Momotarô partiu para sua aventura.
Logo
na saída da aldeia, Momotarô encontrou um cachorro
que cheirando a bolsa, latiu cantando mais ou menos assim:
Momotarô-san,
Momotarô-san,
okoshi ni tsuketa kibidangô,
watashi-ni shitotsu kurenai ka?
É
incrível porque no Japão, até os cachorros
cantam em japonês ! Trocando em miúdos, o cão
pediu, cantando, um bolinho de milhete e Momotarô atendeu-o
na condição de que o cachorro o acompanhasse na
captura dos demônios. Essa condição era imposta
porque Momotarô considerava os kibidango que sua mãe
fazia, modéstia à parte, os melhores do Japão.
Aliás, na história toda, ele faz um comercial danado
dos kibidango da sua mãe, respondendo, cantando, a cada
bicho que encontrava pelo caminho. Assim, os dois seguiram a jornada
e depararam mais na frente com um faisão, que fez o mesmo
pedido do cachorro. Momotarô concordou prontamente, exigindo
que a ave se juntasse a eles na jornada. Os três encontraram
depois com um macaco, que também concordou em ajudar Momotaro
em troca de um bolinho. Estava formado o Grupo Caça Demônios
comandado pelo garoto que nasceu do pêssego.
De
barco chegaram à ilha e deram de cara com um grande portão
rodeado por uma enorme muralha de pedras. Momotarô bateu
com o cabo de sua espada, exigindo que os oni que estavam de sentinela,
abrissem imediatamente o portão. Os sentinelas ficaram
surpresos, pois até então ninguém se atrevera
a desembarcar naquela malfadada ilha. Os oni começaram
a imaginar que deveria ser alguém muito forte para tal
ousadia. Nisso o faisão sobrevoou a muralha e num vôo
rasante atacou os guardas, que fugiram apavorados para dentro
do forte. O macaco por sua vez escalou o muro, pulou para dentro
e abriu o portão, permitindo a entrada de Momotarô
e do cachorro.
No
centro do forte, Momotarô encontrou os oni em meio a uma
barulhenta festança, bêbados feito gambá.
- Ouçam,
disse o valente jovem. Eu sou Momotaro, o que come kibidangô
e vim para puní-los pelos tormentos que vocês tem
infringido aos meus compatriotas!
A frase
era uma senha de ataque, do tipo torá, torá,
torá !, assim o cão, o macaco e o faisão
lançaram-se num ataque quase suicida (kamiquase), sobre
os mostrengos embriagados. Momotarô e seus amigos possuíam
agora, cada um, a força de mil homens, pois haviam comido
os melhores bolinhos de milhete do Japão, o
famoso Nippon iti no kibidangô. Conforme os japoneses, mais
eficiente que o espinafre do Popeye.
O faisão
bicava cabeças e os olhos dos demônios, enquanto
o macaco lhes arranhava as costas e mordia as orelhas tal qual
Mike Tyson. O cachorro, por sua vez, dava generosas e insaciáveis
dentadas nas pernas e nádegas dos oni. Confusos os demônios
etilicamente cambaliantes, corriam de um lado para outro e o palco
de guerra virou literalmente um pandemônio. Momotarô
enfrentava bravamente com sua espada, os bastões e machados,
as armas preferidas dos onis (não confundir com ovnis).
Depois travou uma luta corporal com o chefe deles, após
cortar com sua lâmina o cabo do machado, graças à
sua força kibidangoniana, imobilizou o adversário
com a cara no chão. Vendo o chefe derrotado, todos os onis
se renderam.
O chefe
ajoelhou-se à frente de Momotaro e chorando pediu clemência:
Oh! Grande comedor de kibidangô, imploro que poupe minha
vida ! Nunca mais voltaremos a molestar os seres nipônicos!
E mais, todo tesouro que tenho aqui reunido é seu. Toma
e leva!
Diante
dessa proposta irrecusável, Momotaro balançou a
cabeça concordando e poupou a vida dos demônios.
O chefe ordenou então, que seus guerreiros retirassem do
depósito todas as relíquias que tinha roubado dos
japoneses e entregassem ao menino herói. A seguir Momotarô
lotou uma carroça de relíquias e triunfante pôs-se
a caminho de casa. Foi uma cena tão pomposa quanto os melhores
The End das grandes produções hollywoodianas. Ganharam
o caminho de volta, com o cachorro e o faisão puxando e
o macaco empurrando o rico veículo, enquanto Momotarô,
abanando um leque, gritava em grande performance: washoi, washoi,
washoi!
Contam
até hoje, que depois deste memorável dia, os onis
nunca mais incomodaram o povo da região de Seto Naikai
(Mar Interior de Seto).
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Comentário:
Momotarô está entre as cinco lendas
mais populares do Japão juntamente com Urashima Tarô,
Issun Boshi, Kaguya Hime e Hanassaka Jiji. Histórias que
surgiram no período Heian (794-1192) e que refletem nas
entrelinhas o aspecto político e social da época.
Em
Momotarô, é visível o incentivo ao patriotismo
nipônico nascente do período Heian, quando iniciou
a japonização de todos os elementos culturais que
até então, vinha sendo copiado da China, Esse período
também é conhecido como Era Palaciana,
onde o luxo estava na ordem do dia na corte. Na época,
o arroz tomou peso de ouro e ao povo foi incentivado o consumo
do milhete (kibi). Portanto, ao que tudo indica, Momotarô
já nasceu garoto propaganda no início deste milênio
que se finda.
Quanto
aos seres lendários chamados de oni, que aparecem inúmeras
vezes em histórias japonesas, e até em relatos reais
da época, e muitas vezes traduzidos erroneamente como diabos,
certamente eram náufragos vikings, que estiveram em todas
as partes do mundo, e também no Japão. Como os japoneses
nunca tinham visto homens brancos, confundiram com seres demoníacos
e foram sumariamente exterminados pelas espadas dos samurais.
A data de aparição dos oni, nos relatos japoneses
coincide com a presença devastadora dos normandos nas costas
da Europa Ocidental (800 a 1100). Os vikings estiveram na América
do Norte muito antes de Colombo, navegaram no Mar Cáspio,
Mar Negro, Oceano Ártico e Atlântico, possivelmente
também no Pacífico.
Os
chifres atribuídos às cabeças louras dos
oni, certamente eram os famosos capacetes dos guerreiros vikings.
Os samurais que os enfrentaram sabiam disso, mas deixaram a imaginação
do povo rolar, afinal, isso engrandecia mais ainda os feitos da
classe guerreira japonesa. Tanto que tempos depois, no período
Kamakura (1192 a 1133), os samurais das regiões onde diziam
ter existido oni, começaram a guerrear usando capacete
(kabuto) com chifres de bois.
A cor
vermelha atribuída à esses seres, certamente fazia
referência a pele branca queimada de sol durante a travessia
dos oceanos pelos vikings. as coincidências não param
por aí. São tantas as evidências, que vamos
comentando a medida que os oni forem surgindo neste Zashi do Portal
NippoBrasil.
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