Adaptação
livre de Claudio Seto
(Ilustração: Claudio Seto)
Há
muitos, muitos, muitos e muitos anos antes das pessoas pensarem
em inseminação artificial, bebê de proveta
e clonagem de ovelha, no Japão, um casal de velhinhos ao
tentar fatiar um enorme pêssego para saborear até
o caroço, surpreendido constatou que no lugar da semente,
havia uma criança humana de sexo masculino, forte e sadia.
Embora o objetivo inicial desse fenômeno não fosse
exatamente o que se prega agora, atualmente os clones desse lendário
garotinho são usados na tevê japonesa, em comerciais
de iogurtes, fortificantes e vitaminas.
Tudo
começou quando o velhinho foi à floresta cortar
lenhas e a velhinha lavar roupas no riacho. De repente um som
estranho que fazia donburakô, donburakô, donburakô
chamou a atenção da anciã. Ao levantar a
cabeça, ela viu um objeto-estranho-não-identificado
flutuando correnteza a baixo. Como a tal coisa estava longe da
margem, a velhinha começou a cantarolar uma canção-simpatia
usada no Japão para atrair vaga-lumes: Ati no mizu wa karai
yô / koti no mizu wa amai yô... (A água de
lá é salgada, a água de cá é
doce...). Logo ela percebeu que se tratava de um enorme pêssego.
Para
provar que fruta também gosta de música, o pessegão
veio rolando, rolando, rolando em direção da velhinha
- donburakô, donburakô, donburakô (isso é
uma onomatopéia nipônica, não confundir com
Don Buraco, essa é uma outra história). A anciã
mais que depressa o apanhou o pêssego. Como era muito grande
precisou carregá-lo com enorme esforço para casa.
Tão
logo o velhinho retornou da floresta, os dois resolveram saborear
a enorme fruta. O achado iria garantir o rango (goran de trás
pra frente) de uma semana. Quando o velhinho pegou a faca para
cortar o pêssego, a fruta dividiu-se em duas partes e, de
dentro dela um garotão pelado, abriu os braços para
a fama da carreira lendária que estava para começar.
Era um lindo e saudável menino, tipo bebê Jonhson
de olhos puxadinhos.
A velhinha
e o velhinho ficaram pasmos com aquela angelical presença
e sentiram-se extremamente felizes, pois não tinham filhos,
e consideraram o baixinho uma dádiva dos kami (deuses).
O menino
recebeu o nome de Momotarô, porque Momo significa pêssego
e Taro é um nome popular entre meninos japoneses. A criança
foi tratada com muito carinho pelos bons velhinhos e crescia à
olhos vistos. Cada tigela de kibi (milhete - uma espécie
de milho de grão miúdo) que comia, tornava maior
na mesma proporção. Sendo um comilão assumido
e como tudo que comia era revertido em crescimento, logo tornou-se
um robusto menino, cuja força não encontrava páreo
na vizinhança.
Naquela
época, contavam que surgiu numa das ilhas de Setonaikai
(Mar de Seto) seres demoníacos que os japoneses chamavam
de oni. Esses indivíduos saqueavam as aldeias próximas
e raptavam as donzelas, causando temor e sofrimento ao povo da
região. Como os oni eram grandes, fortes e impiedosos,
além da aparências medonhas, com peles vermelhas
e outras cores mais, os aldeões ficavam apavorados só
de pensarem que de uma hora para outra, eles invadiriam suas casas.
Os moradores locais, não tinham coragem de combatê-los
com medo de levar uma boa chifrada, pois os tais demônios
eram dotados de belos par de cornos nas cabeças louras
e cacheadas.
Certo
dia, Momotarô ajoelhou-se polidamente à frente dos
anciões e inclinou a cabeça em profundo respeito
e pediu: Quero ir a Onigashima (Ilha dos oni) para acabar
de vez com os demônios que tanto atemorizavam o povo. Por
favor, deixem-me ir. Os velhinhos ficaram preocupados com
medo que acontecesse algo ao filho, porém, como este tinha
idéia fixa e insistia tanto que acabaram concordando, afinal
o ideal de salvar o povo era algo nobre e irrecusável.
A velhinha
preparou uma porção de bolinhos de milhete (kibidangô),
e colocou na bolsa de Momotarô, para ele levar de lanche
na épica viagem. Momotarô em traje impecável
partiu animado sob muitas recomendações dos preocupados
velhinhos...
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