(Por
Claudio Seto)
Prólogo
Um dia Fujiwara no Kinto, poeta e grande conselheiro
de Estado, que compilou no ano 1001 sob decreto imperial, a antologia
poética Shui Wakashu com 1.300 poemas da literatura clássica
japonesa, debateu com o Ministro Uji a respeito de qual seria
a mais bela flor da primavera e a mais bela de outono.
Dizia
o ministro, Sakurá, a flor de cerejeira é
a melhor entre as flores da primavera e Kiku, o crisântemo
entre as do outono. Kinto observou que: Como pode
a flor de cerejeira ser a melhor? Você deve ter se esquecido
de Ume, a flor da ameixeira.
O debate
sobre qual das duas flores é superior se alongou e ganhou
os corredores da corte imperial fazendo surgir duas facções
de torcedores; uma à favor da flor de cerejeira e outra
pela flor de ameixeira.
Mais
tarde Kinto, percebendo que o ministro fazia defesa radical da
cerejeira e para não ofendê-lo comentou: Bem
então, a cerejeira é a mais bonita das duas, mas
quando você vê, pelo menos uma vez na vida, a flor
vermelha da ameixeira no amanhecer da primavera, você jamais
esquecerá daquela bela imagem. Esse foi o gentil
desfecho dado pelo poeta ao debate, porém na literatura
japonesa a discussão sobre a natureza é um assunto
sem fim. Desde a antigüidade e ainda hoje, os japoneses discutem
qual a flor mais bonita, qual a estação do ano favorita.
Nos
encontros poéticos realizados com freqüência
durante o período Heian (794-1192), tornou-se hábito
na corte, debater em versos a superioridade da primavera ou do
outono. Esse hábito num determinado sentido, simboliza
a profunda preocupação dos japoneses com o meio-ambiente.
O poema da princesa Nukada, entre outros, em Manyôshu (ano
780) fala do assunto:
Mas
quando nas encostas do outono
Vemos a folhagem,
Elogiamos as folhas amareladas,
Tomando-as em nossas mãos,
Suspiramos contemplando as verdes,
deixando-as nos galhos
E este é meu único pesar...
Para mim, as colinas de outono!
No
Shuishu, um poeta anônimo assim se expressa a respeito:
Na
primavera
pensamos apenas no florescer
das cerejeiras.
Já o outono é mais repleto
da melancolia das coisas.
Em
Makura no Soshi (Livro de Travesseiro, escrita no ano 1000) a
escritora Sei Shonagon inicia uma passagem onde discute as diferentes
paisagens e interesses despertados pelas várias estações.
Já Murasaki Shikibu (978-1016), na obra máxima da
literatura japonesa, Guenji Momogatari (A História de Guenji),
no capítulo Gloria Matinal fala da paisagem,
que foi para a literatura da época, um novo tipo de beleza:
paisagem clara e serena da noite de inverno:
As
pessoas atribuem grande importância às flores de
primavera e às folhas de outono, mas para mim nada há
que se compare a uma noite como esta, onde a lua clara brilha
sobre a neve, ela é a mais bela... e não há
nela qualquer vestígio de cor. Não posso descrever
o efeito que tem sobre mim, de alguma forma desvairado e sobrenatural.
Não compreendo as pessoas que consideram uma noite de inverno
ameaçadora.
Os
japoneses antigamente costumavam dizer olhai as cerejeiras
ou olhai os aceres, palavras que traziam consigo um
sentido de apreciação refinada e sensível
das belezas da natureza. As flores da cerejeiras (sakurá)
na primavera, e as folhas avermelhadas do ácer (momiji)
no outono, são referências tão enraizadas
na vida dos nipônicos que ninguém consegue ignorar
a festa que a natureza oferece anualmente. Há quem diga
que a tradição de debater qual é a melhor,
primavera ou outono, é influência da história
mitológica de dois irmãos: Haruyama no Kasumi no
Mikoto (Príncipe da Névoa da Montanha da Primavera)
e Akiyama no Shitabi no Mikoto (Príncipe da Montanha Rubra
de Outono), descritas no capítulo 7 de Kojiki. Esses deuses
personificam, respectivamente, as brumas de primavera e as folhas
de outono. E suas brigas procuram justificar muitos fenômenos
geográficos no norte do Japão.
Continua...
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