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Arquivo
NippoBrasil - Edição 089 - 1 a 7 de fevereiro de
2001
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Tarai
Kaburi Hime: A Princesa Cabeça de Tina - Parte 1
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(Por
Claudio Seto)
Kawachi
no Sanetaka era um senhor de linhagem nobre que vivia na região
onde hoje está situado a província de Osaka. Tinha
uma mulher linda, meiga e culta. Era dono de uma enorme mansão
cheia de empregados. Apesar de ser o homem mais rico e poderoso
da localidade, sentia que faltava algo para ser completamente
feliz: não tinha filho para alegrar o lar, apesar de estar
casado há muito tempo.
Certa
ocasião contaram a Sanetaka que rezando fervorosamente
para a deusa Kannon, em Hasederá, todos os pedidos seriam
atendidos. Assim, o nobre e sua esposa foram ao templo Hasse e
oraram por muito tempo, pedindo a deusa Kannon que lhes dessem
uma criança.
Naquela
noite a mulher sonhou que estava em um lindo e enorme jardim,
coberto por flores de umê (abrunheiro). Ela caminhava lentamente
sobre a névoa, enquanto uma chuva rosada de pétalas
caía ao seu redor. Ao esticar a mão, pousava em
sua palma esquerda, macias pétalas aveludadas que ela ia
guardando na manga direita de seu rico quimono.
Dias
depois, intrigado, Kawachi no Sanetaka, foi procurar na montanha
de Katsuragui, perto de Koya-san, o grande mago da seita Shuguendô,
En no Ubasoku, para saber o significado do sonho da mulher.
- É
um lindo sonho cor de rosa. Se ela guardou as pétalas na
manga direita do kimono é sinal que vem aí uma linda
menina!
Confirmando a previsão de En no Ubasoku, meses depois,
veio à luz uma meiga menina. Todos passaram a chamar de
Hime (Princesa), de tão bonita que era.
A partir
daquele dia, a felicidade, nobre Sanetaka e sua esposa, viveram
a sonhada felicidade. Quando completou três anos, vestida
com um lindo kimono, Hime foi levada ao Templo Hase, durante o
festival Siti-Gô-San (Sete, Cinco e Três) para ser
apresentada e pedir proteção à sua Ubusuma
(deusa protetora), Kannon. Sanetaka estava duplamente feliz pois
a filha era muito parecida com sua esposa, a quem tanto amava.
O casal
criou a menina com muito carinho e Hime crescia linda, forte e
inteligente. Aprendia com facilidade a escrita e logo passou a
compor poemas e a executar lindas canções no kotô
(instrumento musical de cordas). Assim, ela foi desenvolvendo
suas aptidões, num ambiente refinado e recebendo uma educação
digna de uma princesa.
Hime
era muito feliz e amava seus pais mais que tudo no mundo. Tornara-se
uma linda donzela, alta e esbelta. Quando completou treze florações
de umê, sua mãe adoeceu repentinamente. Hime e o
pai não saíam da cabeceira dela dedicando-lhe total
atenção. Tudo foi feito para que ela melhorasse,
porém ia enfraquecendo cada vez mais.
Certa manhã sentindo que seu fim estava próximo,
a mulher chamou a filha e pediu que se ajoelhasse ao lado de seu
leito e disse:
- Vou
partir em breve. Pedi a deusa Kannon para que protegesse você
de todos os males da vida. E ela me instruiu que fizesse uma coisa
estranha. Não questione por mais incômodo que possa
parecer, pois é para sua proteção. Para uma
garota linda como você, os cuidados devem ser redobrados.
Quando eu não estiver mais neste mundo, mesmo que haja
muito sofrimento deve agüentar firme e obedecer sempre ao
seu pai.
Em
seguida, a mulher pegou uma caixa laqueada e colocou sobre a cabeça
da filha. Por cima da caixa botou uma tina de madeira (tarai)
virada, que cobriu quase até o queixo de Hime.
- Agüente firme minha filha, um dia você vai entender
porque faço isso. Dizendo essas palavras a pobrezinha faleceu.
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TAREKABURI
HIME (A Princesa Diarréia)
Terminado
a cerimônia de enterro, Sanetaka tentou tirar o tarai (tina)
da cabeça da filha, mas todos os esforços foram
inúteis, pois parecia que o objeto fazia parte da cabeça
e por isso não conseguiu desgrudar. Por causa do chapéu
estranho, a garota passou a ser motivo de zombaria das pessoas
da localidade, que num primeiro momento a chamavam de Tarai Kaburi
Hime (Princesa da Tina na Cabeça), mas depois, fazendo
trocadilho passaram a chamar de Tarekaburi Hime, que significa
Princesa Diarréia.
O tempo
foi passando e Kawachi no Sanetaka desposou uma segunda mulher.
A madrasta de Hime logo que chegou, estranhou o fato de que seu
novo marido tivesse uma filha com tina na cabeça.
- Que
coisa desagradável, jamais poderei apresentá-la
na corte de Heian como minha enteada.
Nessa época aconteceu uma guerra entre feudos e Sanetaka
foi para o campo de batalha comandando um grupo de guerreiros.
Sem a presença do pai, Hime sentia-se cada vez mais só,
e chorava a cada lembrança com saudades da mãe.
Passou a visitar diariamente o túmulo da mãe e falar
de sua solidão.
A madrasta
quando soube disso, irada, tirou a linda vestimenta da menina,
deu-lhe uma roupa de criada e expulsou-a da casa, dizendo que
seu pai havia morrido na guerra.
Orfã
de mãe e pai, Hime, chocada com os acontecimentos recentes,
saiu andando sem rumo e o tempo foi passando. Cada vez mais aumentava
sua tristeza, pois além de toda desgraça que lhe
havia acontecido, a cada aldeia que passava o povo ria de seu
chapéu.
Quando
chegou à margem de um grande rio, ajoelhou-se para tomar
um gole de água, viu sua imagem refletida e chorou desesperadamente.
Estava com fome e frio, porém com aquela tina na cabeça,
jamais conseguiria emprego para ganhar seu sustento. Seria eternamente
motivo de chacota e zombarias. Concluiu, então, que seria
melhor por fim à sua vida, do que continuar vivendo com
tanto sofrimento.
Ela
atirou-se no rio e logo afundou. Mas, devido à tina, voltou
a boiar e foi arrastada pela correnteza durante horas. Entre o
fundo da tina e seu pescoço, ficou um vão, como
uma espécie de bolha de ar, que a permitia respirar e evitava
que o corpo afundasse na água.
Levada pela água, Hime foi parar numa província
vizinha. Um barqueiro que cruzava o rio viu a tina boiando e resolveu
pegar para ele;
- Aquela tina será muito boa para minha mulher lavar roupas.
Tentou
levantar a tina, porém, estava pesada demais. Levou um
tremendo susto ao perceber que havia alguém debaixo dela.
Empurrando com o remo, levou a tina para a margem e assim, Hime
foi obrigada a voltar para seu triste caminho pois nem morrer
conseguia.
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FURÔTAKI
HIME (A Princesa Esquentadora de Banho)
Hime
voltou a ser uma andarilha sem rumo. Chegando a uma cidade as
crianças começaram a rir daquele chapéu estranho
e logo passaram a zombar da garota, atirando paus e pedras. A
garota tentou fugir mas tropeçou e caiu. Para não
ser atingida por pedras, arrastou-se até um arbusto e se
escondeu atrás das folhas.
Casualmente
passava por lá a comitiva do daimyô (senhor feudal)
daquela província. Ao perceber que as crianças,
aos gritos, jogavam paus e pedras no arbusto, ordenou aos guardas
de segurança:
- Soldados,
vão lá e ajudem as crianças, pode haver uma
cobra ou algum animal selvagem.
Ao ver os guerreiros se aproximando, os meninos saíram
correndo a toda velocidade.
- Não fujam meninos, viemos para ajudá-los.
Quando os soldados se aproximaram da moita, compreenderam porque
a garotada saiu correndo. Hime estava chorando agachada. Só
não ficou ferida com as pedradas porque foi protegido pela
tina. Em seguida, foi levada à presença do daimyô.
- Que
falta de respeito! Tire o chapéu diante do senhor nosso
amo.
- Perdoe-me senhor, mas essa tina não desgruda da minha
cabeça.
Todos riram e o daimyô mandou os soldados tirarem a tina.
Fizeram muita força mas não conseguiram tirar a
tina da cabeça de Hime. Nem mesmo o homem mais forte do
castelo obteve sucesso, chegando quase a arrancar a cabeça
da mocinha. Como aquele fato desafiava todo e qualquer raciocínio,
chamaram En no Ubasoku, o mago da montanha para desvendar o mistério.
- Garota, diga ao senhor feudal como essa tina de lavar roupa
foi parar na sua cabeça disse o mago alisando sua
enorme barba branca.
- Minha
mãe botou esta tina na cabeça antes de morrer. Desde
então não consigo tirá-la. Disse-me que foi
uma orientação da deusa Kannon.
- Deusa Kannon sabe o que faz - observou o mago -, acho que a
madeira utilizada para fazer essa tina estava verde e criou raiz.
Essa raiz perfurou a cabeça da pobre menina e se fixou
dentro da caixa do crânio.
- Oh!
Exclamaram todos, surpresos com a brilhante dedução
do mago. Concluíram que se tirassem a tina, a pobre garota
morreria. Penalizado o sofrimento dela, senhor feudal disse:
- Você não pode ficar andando sem rumo com essa tina
na cabeça. Em todos os lugares que for será alvo
de chacota. Já que é órfã, fique morando
com a criadagem em meu castelo. Vamos arranjar um trabalho para
você fazer.
Hime
foi levada ao chefe da criadagem para arrumar acomodações
e um trabalho para ela.
- Qual é o seu nome - perguntou o chefe.
- Me chamam de Hime - respondeu a mocinha.
O chefe a olhou de baixo à cima e vendo a velha roupa de
criada e a tina na cabeça, ironizou:
- Oh, Hime (Princesa)! Realmente você é uma princesa.
Você será Furotaki Hime, a Princesa Esquentadora
de Banheiro.
O trabalho
atribuído à ela foi a de encarregada do banheiro.
Consistia em tirar água do poço, encher o ofurô,
rachar lenha, acender o fogo para esquentar a água, cuidar
do fogo e da água para manter em boa temperatura para o
banho. Um trabalho simples, mas cansativo e dentro dos deveres
da criadagem, estava no grau mais baixo.
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Continua... |
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