(Por
Claudio Seto)
Em
abril de 1500, enquanto a esquadra de Pedro Alvares Cabral procurava
um porto seguro para atracar em terra até então
desconhecida, do outro lado do planeta, um garoto plebeu de 5
anos chamado Shogorô, tornava-se noviço sendo iniciado
na religião budista, no templo Myôkaku em Kyoto,
então capital do Japão.
No
domingo, dia 26 de abril de 1500, num local que foi denominado
Ilhéu da Coroa Vermelha, era rezada por Frei Henrique a
primeira missa católica nas terras descobertas, enquanto
que no templo Myôkaku, o menino Shogorô, com a cabeça
raspada, assistia seu primeiro culto budista.
No
dia 1o de maio daquele ano os navegantes levantaram uma cruz com
as armas do rei de Portugal e rezaram a primeira missa em terra
firme. Muitos índios participaram do ofício religioso
imitando as atitudes dos portugueses e receberam como lembrança
cruzes de estanho. Do outro lado do mundo, em Kyoto, o menino
Shogorô, recebeu uma tigela de comer arroz e um hábito
de noviço budista, sendo oficializado como morador do templo
Myôkaku.
A história
mostrou mais tarde que apesar do esforço dos portugueses,
os índios não se apegaram ao cristianismo, assim
como Shogoro, aos ensinamentos do budismo. Quando cresceu, abandonou
o templo Kyôkaku e partiu para uma aventura pessoal. Certa
ocasião, confidenciou com o melhor amigo: eu prefiro
viver com deleite o mundo, vendo com os meus olhos e sentindo
com as minhas próprias mãos. Essa forma sensual
de pensar contrariava o que vinha aprendendo. Trocou os ensinamentos
religiosos pelo treinamento em artes marciais. As horas que se
dedicava à meditação foi trocada por adestramento
na espada e no yabusame (arco-e-flecha e cavalaria).
Para
viver, resolveu ser um vendedor ambulante de óleo na região
do castelo de Inaba, na atual Guifu. Para chamar atenção
e ganhar fregueses, ao invés de usar um funil para despejar
o óleo, utilizava-se das moeda furadas (existente na época
para passar cordão) e com grande habilidade despejava o
óleo no vasilhame passando pelo furo. Sua proposta era
não cobrar o óleo se uma gota que seja, caísse
fora do furo.
Tal
façanha atraiu a atenção de um Lorde, vassalo
do clã Nagai, os Senhores de Inabajô. Chamado para
uma demonstração, o Lorde ficou surpreso e aconselhou-o
a usar sua firmeza nas mãos em artes bélicas. Shogoro
que sonhava em ser guerreiro não perdeu a chance. Eram
meados do século XVI, o Japão arrasado por intrigas
internas, dava início a um grande período de guerra
entre feudos e era crescente em todos os castelos a necessidade
de samurais.
Ao
se tornar um samurai, Shogoro recebeu o nome de Saito Dosan. Uma
das suas primeiras medidas foi colheu um bambu e fazer uma lança,
anexando em sua ponta a moeda com o furo. Através desse
furo, ele podia mirar o alvo que desejava atingir. Em pouco tempo
a sua reputação aumentou, sendo convidado a tornar-se
agente de confiança do nobre jovem Toki no Yoriaki, irmão
de Toki no Massayori, governador de Mino.
Conhecendo
a existência de uma divergência entre os irmãos,
Dosan tira proveito da situação, induzindo o seu
Senhor, Yoriaki, a desalojar Massayori da região de Mino.
Para persuadi-lo, Dosan usa o seguinte argumento: Se a tentativa
falhar, eu assumirei a responsabilidade pelo assalto, isentando-o
das responsabilidades.
Em
agosto de 1527, liderando 3.200 guerreiros, Saito Dosan ataca
o Castelo Kawabe onde residia Masayori. Depois de uma batalha
sangrenta, brandindo sua lança ele ocupa vitorioso o local.
Dosan tinha provado a sua astúcia e Toki no Yoriaki passou
a ser o senhor de Mino.
Quase
duas décadas depois, em 1543, então com 48 anos
de idade e comandante do exército, Saito Dosan dá
um golpe de estado, expulsando Yoriaki tornou-se daimyô
(feudatário) de Mino. Para assegurar que a clã Toki
não tentasse uma vingança, tornou-se tutor do filho
de Yoriaki, e o manteve no castelo sobre sua proteção
(refém). Foi nessa época que passou a ser chamado
de Mino no Mamushi ( a víbora de Mino) por outros senhores
feudais.
Instalado
no poder, os problemas começaram a surgir. Do feudo de
Owari (atual província de Aichi), o daimyô Oda Nobuhide
invadiu Mino com sua tropa, sob o pretexto de que era simpatizante
do derrotado clã Toki. O inimigo era muito mais poderoso
e Dosan pede paz, para não tornar Mino um campo de batalhas.
Visando
formar uma aliança, decide casar sua filha, Nohime, de
10 anos, com Oda Nobunaga, de 15 anos, filho do feudatário
Oda Nobuhide. Isso significava que a pequena Nohime se tornaria
refém dos Oda, portanto Dosan jamais atacaria o castelo
dos Oda de surpresa. Porém, na época, como todo
cuidado era pouco, antes do casamento, Dosan entregou à
filha uma adaga dizendo:
- Nobunaga, o seu noivo, tem reputação de
ser um homem tolo. Se for realmente tolo, mate-o com essa arma.
Ela
replicou: -Tão logo essa adaga será a adaga
com a qual matá-lo-ei.
Satisfeito, Dosan elogiou: - Tu és minha filha!
Pouco depois com a morte de Oda Nobuhide, o filho Nobunaga sucedeu-o
à frente do clã. Foi no encontro, conhecido posteriormente
por Shinchokoki, que Dosan reconheceu o valor de Oda Nobunaga.
Não
havia mais por que temer Nobunaga, ele era um tanto esquisito,
mas jamais tolo. Dosan passou a respeitá-lo.
Porém, anos depois enfrentou o rancor do clã Toki,
que clamava por vingança. Yoshitatsu, o filho de Toki no
Yoriaki, adotado na infância por Dosan, rebelou-se
contra seu tutor arrebanhando um grande exército. A partir
daí muitas batalhas sangrentas se sucederam.
Apesar
de Dosan persistir em ficar no poder, certo dia, quando perdeu
uma batalha, em fúria escreveu a um dos filhos, confessando
a sua vontade de voltar ao Templo Myokaku, onde tinha aprendido
a filosofia budista. Dosan sabia que um dia seria derrotado por
Toki no Yoshitatsu e expressou satisfação em saber
que os seus filhos ingressariam na vida monástica, para
salvação de suas próprias almas e a vida
de seus parentes. Dosan previu também a sua própria
morte em batalha, que ocorreu realmente nas correntezas do Rio
Nagara, lutando contra as tropas de Yoshitatsu.
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