(Por
Claudio Seto)
O
DEUS EXILADO
Depois que Amaterassu Omikami, a Augusta Deusa Sol,
deixou a Gruta Celeste (Ama no Iwaya) o céu e a terra tornaram-se
tão luminosos como antes. Nas planícies e nas montanhas,
as ervas voltaram a crescer e os botões das flores a desabrochar
banhados em luz. A natureza estava radiante, nem por isso, os
atos de violência cometidos por Takehaya Suzano-o no Mikoto
foram perdoados pelos deuses da Alta Planície Celeste (Takama
no Hara).
- Desde
que aqui chegou, só nos aconteceu desgraça. Expulsemos
esse ser violento desse plano divino.
Como
castigo, cortaram-lhe os cabelos e as unhas, que era a punição
infligida aos maus.
-Vá embora da Alta Planície Celeste. Aqui é
o país dos puros. Apesar de você ser irmão
de Amaterassu, a Augusta Deusa Sol, seus atos violentos são
inadmissíveis. Vá e não volte nunca mais
gritaram em coro todos os deuses.
Suzano-o
desceu tristemente de Takama no Hara . Primeiro expulso
por meu pai e agora pela minha querida irmã. Sou um órfão
solitário sem ter para onde ir. O deus exilado evocava
a mãe que nunca viu, externando todo seu desejo de vê-la
nem que fosse por um instante. Suzano-o não entendia que
sentimento era aquele que tanto o atormentava. Se fosse necessidade
de um nome, poderíamos chamar de amor filial.
- Ah, que tristeza inexplicável! Sou um ser sem mãe.
NO
PLANO TERRESTRE
Banido da Alta Planície Celeste e envergonhado
por estar de cabelos e unhas cortadas, Suzano-o perambulou por
muito tempo sem rumo e nessa trajetória provocou o nascimento
de cinco cereais. Depois foi parar em um local que mais tarde
chamaria de Izumo (costa do Mar do Japão - na ilha de Honshu).
Ali plantou florestas, retirando fios de barba e cabelos que já
haviam crescido.
Solitário
e triste, o deus rebelde embrenhou-se na densa floresta e caminhou
por longo tempo até chegar às margens do riacho
Hi, onde sentou-se para descansar. Como aqui é tudo
deserto! Nem sombra de um único ser humano. Apenas me consolam
as aves da floresta, dizia o Suzano-o, lembrando que desde
que deixara a Alta Planície Celeste, nunca mais conversara
com ninguém. Repousou, e, como estava com muita sede, foi
beber a água do riacho.
Nisso
avistou um pedacinho de madeira artesanalmente trabalhada, que
vinha sendo carregada pela correnteza. Era um hashi, pauzinho
usado para comer arroz, que indicava a existência de seres
humanos nas proximidades.
O coração
começou a bater mais depressa e pareceu-lhe que as pernas
estavam mais leves, guiadas pela emoção de encontrar
seres humanos. Suzano-o abriu caminho através das ervas
espessas e com as mãos enxotava os insetos do mato. Corria
em direção da nascente muito emocionado até
que após percorrer algumas léguas, avistou uma moradia.
- Lá
está uma casa de palha. Tenho certeza de que é habitada.
Que espécie de gente viverá ali ?
Após experimentar um grande sentimento de solidão,
Suzano-o compreendeu pela primeira vez, o quanto tinha agido errado
no plano divino. Como fui egoísta, todos gostavam
de mim e eu nunca soube corresponder esse amor. Pensava só
em mim, exclusivamente em mim e causei muitos dissabores. Doravante
agirei de modo que um dia, meu pai e minha irmã me perdoem.
LÁGRIMAS
DOS PAIS E DA FILHA
Chegando na casa, Suzano-o descobriu com grande espanto
um casal de velhos que chorava agarrado a uma filha muito linda.
- O
que está acontecendo? Porquê choram tanto?
- Quem é você ? soluçou o pai.
- Sou Suzano-o, irmão de Amaterassu, a Augusta Deusa Sol.
Pode falar sem medo o motivo que deixam vocês aflitos.
O velho
enxugou as lágrimas e começou a contar uma dolorosa
história:
- Nós tinhamos oito filhas e só restou a mais nova.
Cada ano, Yamata no Orochi, vem e leva uma das nossas filhas para
comer. Começou devorando a mais velha e assim sucessivamente
já levou sete. Este ano, deve vir para levar a caçula,
esta amada e única filha que nos restou.
- Que horror! Quem é esse patife chamado Yamata no Orochi?
- Não
é gente, trata-se de uma serpente gigante de oito cabeças,
que espalha terror por todo país. Um monstro horrível
cujo comprimento vai além de oito montanhas e oito vales.
Devora as pessoas e tem um ventre avermelhado como sangue.
UM
ESTRATAGEMA
Compadecendo-se da sorte do velho casal e da linda
moça, caçula como ele, o destemido deus decidiu
ajudá-los.
- Vou livrá-los desse monstro feroz! gritou Suzano-o
empunhando sua espada. - Compreendo seu sentimento meu bom ancião,
um pai que perde os filhos é como um filho que perde a
mãe.
-Sois
muito corajoso divino guerreiro! Agradecemos a boa intenção,
mas isso é impossível: ninguém é capaz
de vencer o terrível e gigantesco monstro.
- Pela força talvez não, mas é com astúcia
que vou tentar.
Suzano-o
mandou preparar oito dornas de saquê com fortíssimo
teor alcoólico. Em seguida construiu uma paliçada
de troncos com oito aberturas e em cada abertura colocou um cântaro
com vinho de arroz. Com o consentimento do velho, Suzano-o fez
o uso da magia branca e transformou a moça num pente, que
enfiou entre seus cabelos, a fim de protegê-la do monstro.
Desde então ela passou a ser chamada Kushinada.
YAMATA
NO OROCHI
O monstro não demorou a surgir; ouviu-se um
ruído pavoroso, semelhante ao de um tufão. Yamata
no Orochi chegou derrubando as árvores e fazendo estremecer
a terra à sua passagem.
-É ele - gritou o ancião.
- Escondam
e não façam nenhum barulho ordenou Suzano-o
. Não gritem mesmo que sintam medo, se não querem
ser devorados.
Em seguida Suzano-o desembainhou a espada e esperou pelo monstro.
Subitamente a terrível serpente apareceu. Seus olhos eram
avermelhados como brasa. Aproximou-se das dornas atraído
pelo gostoso cheiro de sake.
Dizem
no Japão que nem demônio (Oni) resiste ao odor do
sake, e foi o que aconteceu: o monstro introduziu cada uma das
suas cabeças pelas oito aberturas na paliçada e
começou a beber todo vinho de arroz dos vasilhames. Era
tanta a gula que chegou a perder a respiração. Imediatamente
o álcool fez efeito; o seu corpo deitava chamas. Contorcendo
violentamente a cauda bateu com ela no chão. A terra fendeu-se
e o vento começou a soprar numa tempestade. O reptil diabólico
caiu embriagado.
Aproveitando-se
da ocasião, Suzano-o avançou com a espada em punho
e num imenso esforço, perfurou uma após outra as
oito cabeças do monstro. A cada golpe, o sangue jorrava
numa forte golfada. A água da ribeira Hi tomou a cor das
folhas de momiji (ácer de folha vermelha).
A
ESPADA SAGRADA
Após perfurar as oito cabeças, Suzano-o
corto a cauda do monstro. Mas ouviu um som metálico e deu-se
o vitorioso encontrou uma belíssima espada, cuja lâmina
não apresentava o mínimo sinal de ferrugem. Essa
arma passou para a história sendo chamada de Ame-no Murakumo
no Tsurugi.
- Oh! exclamou Suzano-o . Talvez essa espada possua
um poder extraordinário.
Nesse
momento, um pensamento atravessou o espírito de Suzano-o:
Eu próprio era como este monstro quando aterrorizava a
Alta Planície Celeste (Takama no Hara) e espalhava terror
por toda parte. Para que me perdoem, darei de presente a minha
irmã Amaterassu, esta espada maravilhosa que encontrei
na cauda da serpente de oito cabeças...
Por
seu turno, o casal de velhinhos e o povo da redondeza estavam
doidos de alegria por verem o monstro definitivamente derrotado.
O seu longo tormento tinha chegado ao fim. Renasciam para a vida
e agradeceram ao deus com inúmeras provas de gratidão.
KUSHINADA
Kushinada, a bela jovem que Suzano-o havia salvo
apaixonou-se por ele e esse sentimento foi recíproco. Casaram-se
e construíram um palácio para ambos. Assim fundaram
um país que se chamaram de Izumo, - a nuvem que sobe. Com
efeito viram, um dia, uma bela nuvem que subia lentamente no céu,
iluminado as montanhas e o mar.
- Tenho
a certeza de que é a minha irmã Amaterassu que do
alto do céu me envia sinais de coragem. Tenho de governar
bem o meu reino. Pensando assim, Suzano-o cumpriu a promessa
com todo o seu coração.
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