(Por
Claudio Seto)
A
ORIGEM DA FAMÍLIA IMPERIAL
Diferente de outras civilizações antigas,
o Japão é um país onde a principal divindade
é do sexo feminino. Amaterassu Omikami é considerada
a divindade mais importante entre todos os deuses mitológicos
da Terra do Sol Nascente porque, além de ser a Augusta
Deusa Sol, é também a progenitora da Família
Imperial. Ela seria tetravó do jovem chefe-guerreiro Waka
Mikenu que após conquistar toda região de Yamato,
construiu o palácio de Kashi Hara, e subiu ao trono como
Kamu Yamato Iware Hiko no Mikoto, em 660 a.C., tornando-se conhecido
como o primeiro imperador do Japão. Mais tarde, foi historicamente
nominado como Jinmu Tennô.
Conforme
muitos historiadores japoneses, Amaterassu realmente existiu,
não era uma deusa como foi narrado em antigos registros
como Kojiki e Nihon Shoki, mas, rainha de uma tribo cujos descendentes,
partindo do sul do Japão, dominaram Honshu, a ilha principal.
Pesquisadores afirmam que a idéia de divindade,
atribuída aos antepassados da família imperial,
passada através da linguagem lendária, começou
no reinado de Tenmu Tennô, o 40º imperador do Japão,
que esteve no trono entre os anos 627 à 685. Tenmu, após
consolidar a hegemonia política da família imperial,
mandou compilar o Kojiki de forma a servir como moldura
para o estado, o grande alicerce da influência imperial.
O imperador tinha em mente razões políticas ao ordenar
a compilação de uma obra histórica, pretendendo
que ela comprovasse sua legitimidade e fizesse valer seus direitos
ao trono, como descendente de deuses... e conseguiu!
AMATERASSU
OMIKAMI
Amaterassu
Omikami nasceu do olho esquerdo do deus Izanagui no Mikoto, quando
este, ao retornar do mundo dos Mortos (Yomi no kuni) lavava-se
como ato de purificação (Misogui). A ela foi dado
reinar o mundo durante o dia. Seu irmão Tsukiyomi no Mikoto,
o deus-Lua, que nasceu do olho direito de Izanagui, recebeu a
missão de governar o mundo durante à noite. Para
Suzano-o no Mikoto, o deus Tempestade e irmão caçula,
que nasceu quando Izanagui lavava o nariz, coube governar o mar
e o vento. Mas Suzano-o estava insatisfeito com esse reino, queria
a Alta Planicie Celeste (Takama no Hara) que coube a irmã
e nem sequer tentava governar o mar, ficando todo o tempo a gritar
e chorar inconformado.
Amaterassu
e Tsukiyomi foram fiéis às ordens de Izanagui e
governaram com perfeição os reinos a eles atribuídos.
Mas Suzano-o o caçula, ao contrário de seus irmãos,
era indócil. Nem tentava governar o mar: chorava e gritava
todo tempo. Já estava bem crescido e, apesar da barba serrada,
chorava sem parar. Deixada ao abandono, as ervas amarelaram, e
as águas dos mares e dos rios começaram a secar.
Izanagui
bastante embaraçado com o comportamento do filho, disse-lhe:
- Deixei você chorar por muito tempo, mas até hoje
não compreendo por que choras tanto...
Ao que Suzano-o respondeu:
- Eu
quero ver minha mãe, eu quero vê-la, nem que seja
apenas por um só instante.
Ao ouvir essa colocação Izanagui ficou muito irritado.
- Você
é um teimoso obstinado, já conversamos várias
vezes a este respeito. Ela está em Yomi no Kuni o País
dos Mortos e não pode nos visitar. Se é tanto seu
desejo de ver sua mãe, vai para sempre, pois para cá
não poderá mais retornar.
Suzano-o entendeu que foi expulso de seu reinado (O País
dos Mares e dos Ventos) pelo pai e foi buscar consolo no reinado
da irmã Amaterassu.
Apesar
de ser muito bem recebido pela irmã mais velha, que sempre
tratou com carinho o irmão caçula, em pouco tempo
começou a tomar atitudes grosseiras, para desabafar suas
frustrações e receber o mimo de Amaterassu. Desta
visita, gerados sob o domínio da longa espada de Suzano-o,
nasceram os três primeiros filhos de Amaterassu: o Espírito
da Bruma, o Divino Alto Mar e a Deusa Advinha.
Como
nada o satisfazia, Suzano-o bateu violentamente os pés
e fez ressoar o céu (origem do trovão). Todas as
montanhas tremiam, todas as ribeiras refluíam sob a tempestade
que desencadeavam à sua passagem. Amaterassu e os habitantes
do céu atemorizaram-se com esse barulho terrível.
- É
medonho disseram. Será que o céu está
desabando? Tudo isto é mau augúrio.
O temor foi justificado logo a seguir pelas atitudes violentas
de Suzano-o que destruiu os arrozais, tapou o canal celeste de
purificação com lama e fez estremecer a Alta Planície
Celeste para mostrar o seu poder.
Todos
ficaram escandalizados, mas Amaterassu, vendo-o naquele estado,
teve pena dele, lembrando que a revolta do irmão era provocada
pelo fato de ser órfão de mãe.
Não lhe farei recriminações, pois compreendo
o que se passa no seu coração.
Na
verdade, na personalidade de Suzano-o, o deus do mar e do vento,
havia a abundância do oceano e a violência da tempestade.
Se lhe acontecia qualquer coisa de desagradável ou triste,
ou quando sentia-se rodeado de pessoas que não o amavam,
seu coração turbulento reagia com violência.
Era justamente nesse estado que se encontrava Suzano-o .
Certa
ocasião Amaterassu acompanhada de muitas ninfas, tecia
uma linda fazenda para oferecer ao deus primordial Ameno Minakanushi
no Kami (Energia do Augusto Centro do Céu). Enquanto que
Suzano-o, para meter medo nelas, planejou fazer uma surpresa desagradável
à irmã. Correu ao campo, trouxe um cavalo e de cima
de um morro, atirou o animal sobre o teto do pavilhão onde
estava a Augusta Deusa-Sol, e fez passar através
dele o cavalo malhado celeste, esfolado no traseiro. As
ninfas fugiram apavoradas, porque na tradição japonesa
Shintô, esfolar um animal no traseiro é uma magia
negra que suscita a desgraça ou invoca a divindade Magatsubi
no Kami (Deus do Espírito Maligno).
Como
as atitudes do irmão tornaram-se insuportáveis,
Amaterassu repreendeu severamente Suzano-o:
- Suzano-o
porquê tanta violência? Até aqui perdoei de
tudo que você fez de mal, porém ultrapassastes todos
os limites. Já não é possível te perdoar.
- Tente
me compreender. Sou o deus do mar e do vento; tudo que faço
é infinitamente grande, sem limites. Isso vale tanto para
o bem como ao mal.
- Antes
chorava dia e noite sem parar. Agora só sabe fazer maldade.
Lembre-se da sua condição de raça divina
e exijo que governe dignamente o reino do mar e do vento.
Ao
agir com rigor junto ao irmão caçula, a Augusta
Deusa Sol que tinha infinita generosidade, sentiu o coração
oprimido. Então com os olhos navegando em lágrimas,
correu para a Gruta Celeste (Ama no Iwato) e fechou-a cuidadosamente
com um enorme rocha.
O
universo caiu em uma profunda escuridão.
A
REUNIÃO DOS DEUSES
Apavorados com o acontecimento, os deuses procuraram acender fogueiras
para amenizar as trevas. A cada batida do coração,
o pânico foi-se intensificando, pois sabiam que sem a luz
da Augusta Deusa Sol, doenças e epidemias tomariam conta
do universo.
Os
deuses se reuniram diante da rocha que tapava a Gruta Celeste
para procurar uma solução. Amaterassu mostrava-se
obstinada a todas as súplicas, tornando necessária
a intervenção do segundo deus da Tríade Celeste
Original, Taka Mimussubi no Kami (Energia da Augustissima Produção),
o poder criador que intervém sempre que a criação
corre algum perigo. Essa divindade é também conhecida
por Omoikane (deus da Memória), apresentou uma idéia
e foi posta em ação. Chamaram todos os kami (deuses,
espíritos, energias...), num total de 8 milhões,
e acendendo uma enorme fogueira, organizou-se uma grandiosa festa
armando um prestigioso cenário onde o espelho desempenhava
o papel principal.
Os
deuses cantaram e dançaram ruidosamente. Procedeu-se uma
adivinhação, uma recitação litúrgica
e inventaram instrumentos musicais. A divindade Zenchi no Mikoto
pronunciou palavras inspiradas ou Norito (oração)
representando os dez primeiros números: Hi-fu-mi-yo-i-mu-na-ya-ko-to,
considerados Kotodama (kotoba no tamashi ou espírito das
palavras).
Conforme
planejaram, levaram alguns galos diante da gruta. Sob ordem de
Zenchi no Mikoto os galos começaram a cantar como fazem
ao amanhecer. Ao mesmo tempo, Ame no Uzume no Mikoto, a deusa
Dança e do Bom Humor, subiu em uma dorna e começou
a requebrar em gestos provocantes. Dançando sempre
até o êxtase, Ame no Uzume descobriu o peito e baixou
a cinta da veste, mostrando o sexo. Houve grande algazarra na
Alta Planície Celeste, e os oito milhões de deuses
puseram-se a rir. Ora balançando os seios, ora contorcendo
o ventre e batendo-o como se fosse tamborim, a deusa bem humorada
recebia os aplausos de todos por sua luxuriosa e divertida dança
do ventre.
Intrigada
com o cantar do galos que faziam em sua homenagem ao amanhecer
e as risadas dos deuses, Amaterassu abriu uma fresta no rochedo
que tapava a gruta e perguntou: Mas por que Ame no Uzume
canta e dança, e toda a miríade de divindades ri?
Ame
no Uzume conforme o plano respondeu: Nós rejubilamos
e dançamos felizes porque temos uma divindade superior
a você. Curiosa para ver quem tomara seu lugar, Amaterassu
abriu mais um pouco a rocha e esticou o pescoço para poder
ver melhor. Nesse momento, a divindade Zenchi no Mikoto pôs
o espelho e um colar diante do rosto de Amaterassu. O espelho
refletiu um rosto maravilhoso. A Augusta Deusa Sol ficou maravilhada
ao ver uma imagem tão luminosa refletida à sua frente.
Nesse momento, Tajikara-o no Mikoto , o Deus da Força Física,
abriu o rochedo e a luz voltou a iluminar o universo.
Amaterassu
bem que tentou retirar-se novamente à gruta, porém,
os deuses já haviam estendido uma corda com o nó
sagrado (Shimenawa) e gritaram: Não passe além!
Assim, a luz e a vida voltaram ao céu e a terra.
Suzano-o,
o deus-Tempestade, que estava preso desde Amaterassu se escondeu
na gruta, foi expulso de Takama no Hara (Alta Planície
Celeste) e teve como exílio, a terra.
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Comentários:
Para
entender profundamente a cultura japonesa que é fruto da
história do Japão, torna-se necessário conhecer
primeiro a sua mitologia. Os mitos ajudam a estabelecer um raciocínio
sobre tudo que é originalmente nipônico e aquilo
que foi importado de outras culturas, pois em seu contexto estão
as pistas que levam os pesquisadores contemporâneos a descobrir,
datas e localizações de fatos ocorridos na fase
pré-histórica. Sabe-se por exemplo que a passagem
onde a deusa Amaterassu esconde-se na Gruta Celeste ou Ama no
Iwaya (citada no Kojiki e Nihon Shoki, os mais antigos registros
do Japão) trata-se de uma eclipse total do sol, ocorrido
séculos antes de Cristo e narrada em linguagem lendária.
Se for descoberto através de pesquisas científicas
a data exata dessa eclipse, fica determinado quando viveu Amaterassu
- provavelmente a primeira soberana do Japão e progenitora
da atual família imperial.
Existem
hipóteses de que Amaterassu e a rainha Himiko de Yamatai
foram a mesma pessoa. Relatado nas Crônicas de Wei, um antigo
registro chinês, faz uma descrição pormenorizada
dos costumes de Yamadai, que se encontravam entre os bárbaros
do Leste, e que no ano 239 d.C. foram unificados 30 reinos
sob liderança de uma rainha xamã (Himiko). Neste
mesmo ano, Himiko (literalmente Filha do Sol) enviou um grupo
de emissários à capital de Wei e, no ano seguinte,
foi agraciada pelo imperador Ming com um selo de ouro, no qual
estava gravado o título honorário de Rainha
de Yamatai, simpatizante de Wei. Yamatai é citado
também em registros antigos da Coréia. Foi portanto,
a nação japonesa mais poderosa da antigüidade.
Mas, ainda hoje, os estudiosos do assunto não conseguiram
determinar onde ela estava localizada.
Já
o espelho supostamente usado para atrair a deusa Amaterassu para
fora da gruta, é considerado ao lado da espada e uma jóia,
os Três Tesouros Sagrados do Japão, tidos como insígnias
imperiais. Conforme os livros japoneses este objeto foi o primeiro
espelho polido do mundo.
Falando
em gruta sagrada, uma pergunta que nunca foi feita é quanto
tempo Amaterassu ficou escondida dentro dela. Se a resposta for
nove meses, mais significados simbólicos poderão
ser atribuída ao fato, já que aberta a gruta, deu-se
luz à humanidade. Nesse aspecto, o Shimenawa (usado para
impedir que Amaterassu voltasse à caverna) que é
uma corda tecida com palha de arroz e que simboliza a ligação
entre o mundo divino e o mundo terreno, seria inspirado no cordão
umbilical.
Essa
Corda Sagrada que para os adeptos da seita Zenchi
simbolizam a ação oposta e complementar das energias
Izanami e Izanagui (Yin e Yang para os chineses), ainda hoje é
encontrada nos torii - portais que separam o território
sagrado do mundo profano. No tempo dos samurais quando um ferreiro
forjava uma espada recorria à purificação
da lâmina, estendendo o shimenawa em volta da forja até
o alto das paredes, para que neste santuário, a espada
pudesse receber a alma.
Existe
teoria de que Takama no Hara (Alta Planície Celeste) teria
sido a Atlântida e que essa civilização adiantada,
sabendo que seu país seria tragado pelas águas do
mar, enviou expedições exploradoras comandadas por
príncipes guerreiros, para onde mais tarde, o povo se mudaria.
Algumas destas expedições aportaram no Japão,
e seus descendentes acabaram por povoar a nova terra, como as
comandadas por Suzano-o no Mikoto, Ama no Wakahiko e Ninigui no
Mikoto.
O
Kotodama (Kotoba no tamashi - Alma da Palavra) representando os
10 primeiros números (Hi-hu-mi-yo-i-mu-na-ya-ko-to) atribuída
a divindade Zenchi no Mikoto (que deu posteriormente origem à
Numerologia Zenchi), tem atualmente na interpretação
esotérica os seguintes termos:
1
(Hitotsu)- Hi que pronuncia como as palavras que designam
a luz, o sol, o fogo, refere-se à Fonte Original Única;
é a principal energia do Universo.
2
(Futatsu)- HU ou Fu significa fuki-dasu, ou seja, jorrar com
força. A sílaba fu vem do verbo fukumu, cujo sentido
é conter. A energia hu, que é o éter
divino, divide-se e produz um repuxo, ou seja, gera a primeira
das dualidades (direta e esquerda, positivo e negativo, Sol e
Lua, etc.). Portanto Hu é na realidade uma força
separadora.
3
(Mitsu) - MI pronuncia-se como a palavra que designa o fruto,
a carne, ou como a primeira sílaba do verbo minoru, dar
frutos. Significa que os dois elementos que se separaram
se reúnem para produzirem um fruto completo. A palavra
significa igualmente verdade, fidelidade, conteúdo. Pode
também considerar-se que a palavra é uma combinação
de Mu (seis) e I (cinco) e, nessa hipótese, significaria
unir pela ação da vontade divina. Trata-se realmente
de um regresso ao centro.
4
(Yotsu)- YO pronuncia-se como a palavra que designa o nó
do bambu. Significa o mundo e, por conseguinte, aquilo que acrescenta
ao fruto uma força espiritual. E igualmente a vida quotidiana.
5
(Itsutsu)- I é o segundo i da palavra mi-itsu, significa
virtude ou glória, particularmente quando se fala do Imperador
ou do Absoluto. É, propriamente falando, a vontade do divino
e a ação desta Vontade.
6
(Mutsu)- MU vem de mussubi ou mussubu ligar estritamente.
É a mesma sílaba que se encontra em kokê-muzu,
abreviando kokê, que designa musgo, aquilo que brota da
terra, aquilo que confere união íntima ao passar
do tempo, uma energia natural, portanto espiritual e sagrada.
7
(Nanatsu) - NA é a primeira sílaba do verbo
naru (tornar-se) e nassu (fazer); implica conceitos idênticos
ao destes dois verbos.
8
(Yatsu) - YA é composto por i e a. Está estreitamente
ligado quer por ya-massu-massu (cada vez mais), e também
a iyo-iyo (a partir de agora ou por fim). Indica desenvolvimento.
9
(Kokonotsu) - KO é a última sílaba de
miyako e significa formar bloco, concentrar.
10
(To) - TO é a primeira sílaba de tokoro (colocação),
de togueru (completar) e de tomaru (parar). Indica aquilo que
é completo e perfeito, aquilo que não tem falha,
aquilo que une o vertical e o horizontal, como mostra a própria
forma do ideograma com que se escreve.
Os
kotodama em diferentes frases eram usados em recitações
litúrgica do Shintô. Atualmente podemos encontrar
haikais que são verdadeiros kotodama.
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