Nos
países milenares, em que a tradição pulsa
há longo tempo, lenda e história se confundem. Não
poderia ser diferente com o povo japonês. Aliado ao misticismo
que envolve toda a sociedade japonesa, temos um povo que entre
seus cidadãos mais radicais, realmente acredita ser descendente
de deuses. A região conhecida como Yamato em Honshu - a
principal ilha do arquipélago japonês- foi um território
fervilhante de histórias imaginárias, onde se misturavam
animais, míticos heróis e grandiosos feitos, simbolizando
a luta do homem para atingir uma consciência humana mais
profunda. Foi em Yamato que o primeiro imperador japonês,
Jimmu Tenno,
subiu ao trono no ano de 660 a.C.
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(Por
Claudio Seto)
KOJIKI
E NIHON SHOKI
A origem das coisas não é, no shintô
(religião original do Japão), um mistério
insondável. Sobre ela encontra-se, em linguagem mitológica,
uma descrição nos primeiros registros da Terra do
Sol Nascente: a mais antiga compilação de histórias
japonesas, Kojiki (Crônica de Assuntos Antigos), foi reunida
no ano de 712 d.C e complementada em 720 d.C. por outro registro,
Nihon Shoki ou Nihongui (Crônica do Japão). Os dois
são as principais fontes dos contos mitológicos
japoneses. As histórias foram recolhidas de relatos pré
ou semi-históricos.
Acredita-se
que houve dois outros registros mais antigos, mas estes desapareceram.
O imperador Tenmu, que subiu ao trono em 637 d.C., achou que todas
as histórias deveriam ser preservadas. Encarregou Hiyeda
no Are de realizar esta tarefa, mas o imperador morreu antes do
Kojiki ser compilado. Depois de 27 anos, veio à luz o Nihon
Shoki. Os dois foram editados manualmente no reinado da imperatriz
Guensho (715/723), mas foi imperatriz Guenmyo (708/715) que ordenou
a propagação das histórias na sua corte.
O objetivo
de divulgar as histórias era provar a origem celestial
do povo japonês. O Kojiki foi mantido em manuscritos por
monges budistas até ser impresso pela primeira vez em 1664.
O Nihon Shoki foi escrito originalmente em chinês mas o
Kojiki, embora escrito na mesma língua, tinha uma sintaxe
puramente japonesa, o que firmou a crença shintô
no país.
O
Kojiki está dividido em três livros, o primeiro trata
da Idade dos Deuses, o segundo e o terceiro da Idade dos Homens.
É interessante observar que muitos personagens da Idade
dos Homens como o imperador Jimmu, a imperatriz Jingu, ou o príncipe
Yamato Takeru no Mikoto, claramente contêm muitos elementos
místicos. Esses elementos, entremeados às narrativas
de personagens supostamente de natureza histórica, deram
origem a muitas discussões entre os historiadores. Houve
quem visse nele uma espécie de emanatismo, ao passo que
outros são mais sensíveis a um desenvolvimento quase
simultâneo das manifestações celestes e das
manifestações terrestres, já presentes no
anúncio dos aparecimentos simultâneos do céu
e da terra.
GÊNESIS
SHINTÔ
Diz no primeiro capítulo do primeiro livro (Idade dos Deuses)
de Kojiki, que no começo do céu e da terra, apenas
existia o Takama no Hara (Alta Planície Celeste). Foi nesse
plano sagrado que inicialmente, um após o outro, nasceram
três kami (deuses, espíritos, energia divina, etc.)
: Ame no Minakanushi no Kami (Energia do Augusto Centro do Céu
- aspecto ativo e passivo de Universo- criador e criação),
Takami Mussubi no Kami (Energia da Augustíssima Produção
- o aspecto ativo do Universo) e Kami Mussubi no Kami (Energia
dos Nascimentos Divinos - o aspecto propulsor das gerações).
Após
os três primeiros, vêm o nascimento de numerosas divindades
e dois últimos vêm fechar o rol dos deuses celestes
primordiais: Umashi Ashi Kabihikoji no Kami (Príncipe Agradável
Rebento da Cana) e Ame no Tokotachi no Kami (Energia Eternamente
Residente no Céu). Nasceram ambos da terra acabada
de nascer e que era como uma mancha gelatinosa flutuando
e vogando como medusa.
Toda
esta linhagem de verdadeiros criadores é constituída
apenas por celibatários que furtavam
os corpos aos olhares, divindades de certo modo reais, absolutas.
Sem qualidade específica. Mas não efêmeras.
Nas
seqüências a esses vem o jogo dos deuses e dos homens
e é aberta uma segunda geração pelo deus
Kuni no Tokotati no Kami (Energia Eternamente Radicada na Terra)
e por Toyo Kumono no Kami (Campo Energético de Nuvem Luxuriante),
gerações completadas a partir desse ponto por casais
divinos, dualidades criadoras que representam o espírito
das coisas, dentro de um processo evolutivo: Uhijini no Kami (Divindade
do Lodo) e Sussaji-ji no Kami (Divindade de Espada), Inugui no
Kami (Deus Estaca Sólida) e Imokuku no Kami (Deusa Estaca
animada), Ohatoji no Kami (Deus do Grande Pavilhão Masculino)
e Ohatohe no Kami (Deusa do Grande Pavilhão Feminino),
Omodaru no Kami (Deus da Fisionomia Elaborada) e Imoayashi-ko
no Kami (Deusa da Admirável Perfeição). Finalmente
nascem os Kami das Energias Divinas responsáveis
pelo mundo humano: Izanagui no Mikoto (Divindade Homem que Convida)
e sua parceira Izanami no Mikoto (Divindade Mulher que Convida)
ou aqueles que se seduzem mutuamente. Conforme a filosofia
da seita Zenchi, as divindades Izanami e Izanagui são símbolos
equivalentes as energias Yin e Yang do taoísmo chinês.
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