(Por
Claudio Seto)
Pouco
conhecida no Brasil, mas tão cultuada quanto Bashô
no Japão, a poeta Ono no Komati (ou Komachi) que destacou-se
no século IX foi a primeira mulher a tornar-se celebridade
na literatura japonesa. Sua contemporânea, a poeta lady
Ise, consorte do Imperador Uda, tornou-se também conhecida,
mas não chegou a fama de Lady Komati (850 d.C. ). Depois
dela, outras escritoras como Murasaki Shikibu (978-1016 -autora
de Guenji Monogatari - A História de Guenji) e Sei Shonagon
que escreveu Makura no Shoki (Confissões ao Travesseiro,
no ano 1000), também ganharam fama.
No
início do século XI, o poeta e crítico Fujiwara
no Kinto compilou uma lista de 36 poetas ilustres desde a época
da mais antiga antologia de poemas japoneses, o Manyoshu, até
aos seus dias. Entre as mulheres desta lista, Ono no Komati e
Lady Ise estão em destaque.
Os
versos de Komati podem ser encontrados, nas mais famosas antologias
poéticas do Japão, como no Kokin Wakashu (Antologia
de Poemas Antigos e Modernos), que reúne 1.100 poemas do
estilo tanka, compilado em vinte volumes por ordem do imperador
Daigo em 905. No prefácio desta obra, o editor Ki no Tsurayuki,
expressa o ideal permanente na literatura japonesa, a primazia
da emoção sobre o intelecto:
A
poesia do Japão tem suas raízes no coração
humano e floresce nas inúmeras folhas de palavras. Porque
os seres humanos possuem os interesses mais variados, é
na poesia que eles encontravam a expressão para as meditações
do seu coração sob forma de imagens surgindo aos
seus olhos e de sons entrando-lhes pelos ouvidos. Ouvir o pássaro
cantar entre as flores e o sapo nas águas frescas? Haverá
algum ser humano que não se sinta levado a cantar? É
a poesia que sem qualquer esforço move os céus e
a terra, agita os sentimentos dos deuses e dos espíritos
imperceptíveis à vista, suaviza as relações
entre os homens e as mulheres, acalma os corações
dos guerreiros ferozes.
Em
Kokin Wakashu as poesias de Komati demonstram grande profundidade
e intensidade emocional:
Hito ni awamu
tsuki no naki yowa
omoiote
Mume hashiri hini
kokoro yakeori
em noite sem lua
sem poder encontra-lo
queimo em desejos
as chamas do meu peito
meu coração consome
Outro
tanka de Komati nessa mesma obra:
Wabinureba
mi-o ukigussa no
ne-o taete
Sassou mizu areba
inamu tozo omou
tal
flor sem raízes
vagando na solidão
meu corpo flutua
ao convite das águas
deixarei me levar
Komati
também marca presença com seus poemas no Shinkokinshu
(Nova Antologia de Poemas Antigos e Modernos), a oitava obra do
gênero comissionada pelo poder imperial. Datada de 1205
e compilada por Fujiwara no Teika (ou Sadaiye 1162-1241), é
o que há de mais representativo da época e se situa
no plano de destaque no quadro da tradição local.

Ono no Imoko, o iniciador do ikebana no Japão
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Outra
antologia famosa, o Hyakuin Isshu (Jogo dos 100 poemas e 100 poetas),
que surgiu no ano 1235, compilada por Tika, trazendo obras de
diversas épocas, um poema de Komati, está registrado.
Numa outra versão desse jogo cultural, o Ogura Hyakunin
Isshu, apresenta o seguinte tanka (poema de verso com 5,7,5 e
7,7, sílabas):
hana no irô wa
utsuri ni kerina
itazurani
wagami yoni furu
nagamesse shimani
cuja
versão seria aproximadamente assim:
enquanto vejo,
a flor perde a cor
com facilidade
Num piscar de olhos,
a vida passa
Nesse
poema, Ono no Komati, faz um comparativo entre flor e a beleza
da mulher, mostrando que o tempo não perdoa a beleza aparente.
Possivelmente é uma resposta para seus inúmeros
admiradores, pois ela ficou conhecida como a mulher mais bela
do Japão antigo. Queria Lady Komati que seus cortejadores
admirassem não a sua beleza física, mas a beleza
da sua poesia. Consta que ela recebia cartas de várias
parte do país, pois a fama de ser bonita, cantada por cancioneiros
andarilhos, atravessou as fronteiras feudais. A poeta Komati nunca
respondeu essas cartas propondo casamento, nem mesmo os versos
com declaração de amor (koigumi) vindos das mais
altas personalidades da época.
Na
segunda metade do século IX, se destaca como poeta o bispo
budista Henjô (816-90), Narihira Arikawa (825-80), Yasuhide
Funya, o monge Kisen, a poetisa Ono no Komachi e Kuronushi Ohtomo,
que posteriormente foram cognominados Os Seis Gênios do
Waka. Waka é a poesia tradicional do Japão,
hoje conhecida por tanka.
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