(Por
Claudio Seto)
No
século XVIII, na era Guenroku, governado por Tokugawa Tsunayoshi,
aconteceu um incidente envolvendo vingança e seppuku que
tornaria famoso como o caso dos shijushiti-shi (47 guerreiros).
Um daimyo (feudatário), Asano no Kami Naganori, havia sido
escolhido para recepcionar o shogun e como o cerimonial era muito
complexo, pediu ajuda para um dos mais altos funcionários,
Kira Kozukenossuke Yoshinaka, o grande mestre de cerimônia
do shogunato.
Mas
o ganancioso Kira propositalmente ridicularizou e humilhou Asano
em público. Asano, segundo os métodos de conduta
dos samurais (bushi) atacou Kira para tentar restabelecer sua
honra, mas não teve sucesso. Julgado, o daimyo foi condenado
ao seppuku pelo shogunato. Kira, muito bem visto na corte, não
foi nem sequer repreendido.
Cinco
dias depois essas notícias chegaram ao feudo de Ako. Uma
assembléia geral dos trezentos vassalos foi convocada pelo
capitão Oishi. Deliberaram sobre submissão
às ordens do shogunato ou rebelião.
A maioria
achou mais prudente acatar as ordens no shogunato e o feudo foi
confiscado sem resistência ao exército de ocupação
do shogun Tokugawa Tsunayoshi. Como samurais eles não podiam
fazer nada contra o shogunato, pois seria ato de lesa-autoridade.
O daimiado (feudo) de Ako foi entregue a uma outra família,
seus vassalos tornaram-se portanto ronin, guerreiros sem amo,
desempregados.
Os
dias se passaram e foi convocada outra reunião. Os vassalos
tomaram conhecimento do poema terminal de Asano e entenderam que
o amo morreu inconformado. Então, descontentes com a sentença
da corte shogunal que obrigou o amo Asano a cometer o harakiri
injustamente, os ronins queriam fazer o kanshi8 (morte voluntária
de protesto). Seria um modo, um tanto radical é verdade,
de demonstrar o protesto deles contra a sentença do bakufu.
Dos
trezentos vassalos apenas uns cinqüenta compareceram à
reunião comandada pelo capitão Oishi. Tendo em pauta
a morte voluntária, a maioria preferiu ausentar-se, mesmo
porque já não tinham amo para garantir o sustento
de suas famílias. Sob o ponto de vista dos presentes, foi
uma triagem voluntária que permitiu escolher os mais decididos.
Naquela reunião, o comandante Oishi revelou seu projeto
de vingança: acabar com a vida de Kira Kozukenossuke, que
ficou impune do insulto a Asano. Só assim a alma do amo
poderia descansar em paz.
Como
samurais, não podiam reagir contra a decisão do
shogunato, mas como ronin podiam fazer. Um pacto de sangue com
cortes nos dedos reuniu quarenta e sete ronins conjurados nessa
missão voluntária. Eles sabiam que não seria
fácil. O sucesso de um golpe armado não era uma
coisa simples numa sociedade de lei marcial tão bem controlada.
Teriam que enganar os ninjas espiões do bakufu de Tokugawa
e a vigilância de Kira e seus vassalos desconfiados.
Conforme
o plano traçado por Oishi, a primeira tarefa seria despistar
Kira, fazendo crer que a idéia de vingança do amo
estava descartada. Dispersaram-se, simulando terem caído
na completa desonra. O capitão Oishi, o mais fiscalizado,
passou a freqüentar a mais baratas tabernas e envolver-se
em indecorosas brigas de bêbados.
Agindo
como homem que trilha o caminho da perdição, Oishi,
divorciou-se da esposa, tornado-se alvo de comentários
maldosos. Embora muito criticado, a medida era inteiramente justificável
para um japonês prestes a infringir a lei, já que
isso impediria no final, que a esposa e filhos fossem incriminados
junto com ele. A esposa de Oishi separou-se dele com grande pesar,
entretanto, o filho (Oishi Tikara) de 17 anos, reuniu-se aos ronins
leais.
A população
de Edo (atualmente Tóquio) especulava sobre a possível
vingança. Todos os que respeitavam os ronin, sem dúvida,
estavam convencidos de que os mesmos iriam tentar matar Kira.
Contudo, os quarenta e sete sempre negaram tal intenção.
Fingiram ser homens que não conheciam o guiri.
Seu sogros ofendidos com essa conduta desonrosa, expulsara-os
de suas casas e dissolveram seus casamentos. Os amigos ridicularizaram-nos.
Certo
dia, um amigo muito próximo, encontrou Oishi embriagado
numa farra com mulheres, chegando a negar até mesmo a ele
o guiri para com seu senhor. Vingança?, reagiu ele,
é bobagem. Devemos gozar a vida. Nada melhor do que beber
sake e divertir-se com mulheres. O amigo que não
acreditou nele e puxou da bainha a espada de Oishi, esperando
que seu brilho refutasse o que o dono dissera. Mas a lâmina
estava enferrujada. Viu-se forçado, então, a acreditar
e em plena rua desferiu pontapés e cuspiu sobre o bêbado
Oishi.
Assim
o tempo foi passando e ninguém mais, o inimigo, as autoridades
e o povo, acreditava que os vassalos de Asano quisessem vingança.
Cada um dos quarenta e sete ronins viveu uma história de
dificuldades. E a história de cada um dos quarenta e sete,
dariam quarenta e sete trágicos romances. Desempregados
que estavam, faltava de tudo em casa. Consta que um dos ronins,
precisando de dinheiro para cobrir sua parte na vingança,
vendeu a esposa para um bordel. Seu irmão, também
um dos ronins, descobriu que chegara até ela o conhecimento
da vingança e propôs matá-la com a própria
espada, alegando que, com aquela prova de lealdade, Oishi o admitiria
entre os vingadores.
Outro
ronin mandou a irmã servir de criada e concubina ao próprio
Kira, a fim de poder ter informações do interior
do palacete a respeito de quando atacar. Tal ato tornava inevitável
que ela se suicidasse, uma vez consumada a vingança, pois
teria de purificar-se pela morte da culpa de haver simulado estar
ao lado de Kira.
|