(Por
Claudio Seto)
O
Japão era um conjunto de pequenos feudos administrativamente
independentes até o fim do século XVI e início
de XVII quando três grandes estadistas e guerreiros: Oda
Nobunaga, Toyotomi Hideyoshi e Tokugawa Ieyassu, pela seqüência,
realizaram a grande centralização com sucessivas
conquistas em batalhas de um país que vivia em permanente
guerra. Tokugawa, o último, desfrutou do poder conquistado
com sacrifício dos antecessores.
Tokugawa
Ieyassu planejou cuidadosamente cada detalhe de seu governo para
que o poder permanecesse com seu clã por muito tempo. Na
administração, decretou rigorosa norma com o objetivo
de podar o crescimento econômico e militar dos governantes
regionais, e impedir que estes viessem a superar seu poderio.
Obrigou os senhores feudais a se apresentarem, com intervalo de
um ano, no castelo de Edo, a fim de executar serviços governamentais.
Obrigou-os também a deixarem alguns membros de sua família
na capital, junto ao governo central como hóspede
(na verdade refém) para que os governantes regionais não
viessem a tramar contra o poder de Tokugawa, pois nesse caso,
os familiares sofreriam imediatas conseqüências.
Os
senhores feudais também eram obrigados a fazer investimentos
em obras públicas, como estradas, pontes, canais etc. Essas
obrigações foram planejadas para causar o desgaste
econômico aos feudatários, porque a viagem, a estadia
na capital e os contatos sociais lhes custavam muito caro, não
lhes restando dinheiro suficiente para a manutenção
de um bom exército.
Um
século depois, na era Guenroku, governado por Tokugawa
Tsunayoshi, aconteceu um incidente envolvendo vingança
e seppuku* que tornaria famoso como o caso dos shijushiti-shi
(47 guerreiros). Na época o shogunato* Tokugawa costumava
atribuir a alguns feudatários (daimyo) a missão
de organizar a recepção dos emissários da
Corte Imperial, quando estes visitavam o castelo de Edo* (residência
do shogun Tokugawa). A missão, era ao mesmo tempo honrosa
e dispendiosa, pois os daimyo indicados tinham que arcar com as
despesas e cuidar de oferecer a melhor recepção
possível ao enviado do Imperador. No ano de 1701, a responsabilidade
de ser mestres de cerimônia recaiu sobre dois feudatários
provincianos, portanto, obrigados a pedir instruções
sobre a rigorosa etiqueta vigente, adotada por um dos mais altos
funcionários do shogunato, Kira Kozukenossuke Yoshinaka,
o grande mestre de cerimônia do shogunato.
Um
dos daimyo nomeados foi Asano no Kami Naganori, do pequeno feudo
de Ako*, situada na região ocidental do Japão. Asano
recorreu aos serviços de Kira, pedindo instruções
para organizar os preparativos do evento, sem saber que Kira gostava
de receber ricos presentes para dar essas instruções.
Os subordinados do outro daimyo, que estavam sendo instruídos
por Kira, eram homens com vivência nos bastidores do poder
e trataram de cobrir Kira com ricos presentes.
Infelizmente
o mais sábio dos assessores do daimyo Asano, o capitão
Oishi Kuranosuke Yoshio, que o teria aconselhado com prudência,
achava-se fora em sua terra natal, visitando parentes por ocasião
de ano novo, e Asano foi bastante ingênuo para não
providenciar a entrega de um presente condigno à
posição ocupada pelo seu grande instrutor Kira.
O mestre
de cerimônia Kira Kozukenossuke, portanto, instruiu de má
vontade o daimyo Asano, fazendo exigências dispendiosas
e criando necessidades absurdas, que exigiram grande sacrifício
do feudo de Ako. Como exemplo, exigindo que todos os tatamis (tablado
feito de palha) do salão nobre fossem trocados, dando prazo
ínfimo para confecção dos mesmos, ou fazendo
trocar os caros biombos pintados, alegando que os ali existentes
não condiziam com o gosto do emissário imperial.
Asano
foi perdendo a paciência e explodiu contra a arrogância
de Kira, no dia 21 de abril de 1701. No dia da visita do emissário
imperial, Asano foi trajado conforme recomendara Kira, sem saber
que o traje era inteiramente inadequado para ser usado em cerimônia
oficial. Aparecendo assim vestido na solenidade de recepção
do emissário imperial, Asano tornou-se alvo de chacota
dos cortesões. Como se o vexame que Asano estava sendo
submetido não bastasse, Kira o repreendeu perante todos
os presentes, pelo modo ridículo que estava vestido. No
corredor do palácio, Asano, enfurecido, foi tirar satisfação
com o mestre de cerimônia, e diante do pouco caso de Kira,
perdeu o controle, puxou a pequena espada e tentou golpear seu
desafeto na cabeça. Kira conseguiu esquivar-se e o golpe
não teve a eficiência desejada, atingindo-o levemente
na testa e no ombro.
Ferido,
Kira gritou por socorro e Asano imediatamente levantou a espada
para mais um golpe. Nesse momento, foi segurado e desarmado pelas
pessoas que estavam próxima.
Embora
a morte do velho e ganancioso Kira tivesse sido evitada pela intervenção
de terceiros, e Asano tenha agido de acordo com o espírito
de bushi (samurai) que para o homem honrado constituía
virtude vingar o insulto de Kira, não permitindo que maculasse
o seu nome - o jovem daimyo cometeu um grave crime, o de lesa-autoridade
em relação ao shogun*, desembainhando sua espada
no recinto palaciano. O bakufu* (shogunato), até para mostrar
ao emissário imperial quanto era decidido, deu prova de
uma espantosa rapidez e algumas horas mais tarde Asano recebeu
a ordem de se matar, praticando o seppuku (harakiri).O daimyo
Asano, recolheu-se a sua casa, vestiu-se de branco para cortar
o ventre, escreveu uma poesia tanka de despedida, onde lamentou
sua morte prematura:
Kaze
sassou
hana yori mo nao
ware wa mata
haru no naguri-o
ikani toyassen
evado
pelo vento
tal pétala em formação
não verei jamais
a cerejeira em plena flor
ou a chegada da primavera
O
tsumebara* (suicídio imposto) teve lugar naquela mesma
noite. Após um longo olhar de despedida com o Capitão
Oishi, daimyo Asano, sentado na maneira exigida próximo
a uma cerejeira em flor, mergulhou com duas mãos a adaga
no lado esquerdo do ventre, e puxou cortando para a direita. Morreu
pelas próprias mãos.
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