(Por
Claudio Seto)
O
clã Fujiwara dominou politicamente o Japão por mais
de dois séculos, sobrepondo ao poder imperial, graças
a um sistema que consistia em casar uma das filhas do chefe do
clã com o imperador e colocar os parentes mais próximos
em postos-chave de administração. Quando um chegava
a idade de ocupar o trono, o imperador renunciava e um Fujiwara
era designado regente em nome de seu neto, ainda menor. Dos quinze
imperadores japoneses entre 858 e 1068, sete eram menores e oito
abdicaram. Fujiwara no Michinaga, por exemplo, foi sogro de quatro
imperadores e avô de outros quatro.
A família
exerceu e estendeu o seu poder em várias direções
e provou ser mestre em todos os jogos políticos da corte.
Isolando e afastando rivais, não se furtava de tecer intrigas
com o objetivo de culpar terceiros.
Durante
esse período, alguns imperadores que não eram filhos
de mãe Fujiwara ou que por alguma razão não
tinham um regente Fujiwara a controlá-los, tentaram readquirir
a liderança imperial. Os soberanos Uda Tennô (867-931),
Daigo Tennô (885-930) e Murakami Tennô (926-967),
procuraram reinar sem regentes Fujiwara. Voltaram-se para outras
famílias nobres rivais, ou ramos distantes da família
Fujiwara, com o objetivo de resistirem ou de se oporem à
influência Fujiwara.
Um
dos processos adotados foi o de tentar promover cortesões
talentosos, não pertencentes à família Fujiwara,
a lugar de chefia dentro da corte. O primeiro e fatal exemplo
disto foi o intelectual Sugawara no Michizane (843-903), um homem
de Estado, poeta, professor e calígrafo. Embora admirado
pela sua poesia e pela sua ação como estadista,
e apadrinhado pelos imperadores Uda Tennô e Daigo Tennô,
tentou refrear a preponderância dos Fujiwara e, por isso
caiu em desgraça.
Michizane
não foi adversário à altura das manipulações
políticas dos Fujiwara. Foi manobrado por Fujiwara no Tokihira
(871-909) e forçado ao exílio em Dazaifu, na ilha
de Kyushu, onde a doença e a dor, cedo o levaram à
morte. Falava-se que seu fantasma, em sinal de vingança,
afligiu a cidade com incêndios, tempestades e pragas.
Sugawara
no Michizane, funcionário de elite, poeta de talento, súdito
obediente, ministro zeloso, acumulava todas as virtudes que a
moral de Estado podia esperar de seus fiéis. Sua carreira
foi brilhante - um pouco demais - a ponto de despertar o ciúme
dos aristocráticos Fujiwara, que tinham riqueza e poder,
mas não a sabedoria e cultura do pobre Michizan,e que chegou
a fazer sombra ao clã, cujo domínio sobre o Império
queria exclusividade.
Em
899, Michizane foi nomeado Udaijin, ministro da direita. De repente,
em 901, aconteceu a desgraça: envolvido numa rede de intrigas
foi acusado de tramar a queda de Sua Majestade Daigo Tennô.
Só não foi executado porque os costumes do período
Heian (794-1192) eram mais benignos que de outras épocas.
Michizane foi relegado a ilha de Kyushu, envergando o título
de governador supranumerário.
Para
um dos mais altos personagens do Estado, a afronta era gravíssima.
Michizane não sobreviveu mais do que alguns meses. Teve
tempo de escrever várias elegias sobre seu infortúnio:
muitas lágrimas, mas nenhuma palavra de rancor contra o
imperador que o tinha exilado. Até pelo contrário,
pelo que podemos ver no poema tanka por ele escrito durante o
exílio, e publicado no Wakan Roei Shu, uma coletânea
de poemas compilada por volta de 1013.
Esta
noite, no ano passado
eu estava no castelo; agora desolado
componho sozinho poemas de outono.
Este traje de Sua Magestade está aqui comigo agora,
diariamente preparo oferendas de incenso.
Nesta
mesma coletânea, um outro poema, descreve
quanto era vigiado:
Posso francamente ver
a cor das telhas na torre
do quartel general.
Posso dificilmente ouvir o replicar
do sino no Templo de Kannon.
Contam
que seu consolo era escalar o monte Tempai para cumprir, com o
rosto voltado na direção da capital, suas devoções
de súdito imperial respeitoso. Exerceu a obediência
até morrer bem depressa e sem barulho. Era o que queriam.
Teve até a discrição de não se matar
- definhou.
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