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Arquivo Edição 247 - 3 a 9 de março de 2004 - Especial - Portal NippoBrasil

Helena Deyama

A piloto nikkei que conseguiu vencer no off-road, uma categoria ainda dominada pelos homens


Competições duram vários dias e os pilotos têm que enfrentar muitos obstáculos como lama, areia, sol e chuva


A piloto é tricampeã do Raid do Batom, prova que homenageia as mulheres

Arquivo NippoBrasil - Fotos: Divulgação

Helena Deyama é uma das mais experientes pilotos do off-road (fora de estrada) brasileiro e, diferente do que ocorre com a maioria das mulheres que competem incentivadas por pais, maridos e namorados corredores, entrou no meio por iniciativa própria.

De aparência frágil, a nikkei já foi comparada muitas vezes a uma bonequinha de porcelana, mas atrás de um volante mostra que é mesmo uma fera. Dona de vários títulos, Helena foi vice-campeã do Rally dos Sertões, a maior prova do gênero na América Latina, na categoria Marathon, e é tricampeã do tradicional Raid do Batom, realizado em comemoração ao Dia Internacional da Mulher.

Às vésperas de disputar novamente a prova, em busca do tetracampeonato, a designer gráfica falou sobre esporte, carreira, família, filhos e sonhos.

Como surgiu seu interesse por carros e corridas?
Comecei a trabalhar aos 17 anos só para poder comprar minha moto. Meu pai não ia me dar uma moto, lógico!!!! Ele dizia que era loucura. Assim, quando completei 18 anos, comprei minha moto e comecei a andar na terra, fazer trilhas. Mas acontece que eu sou muito pequenininha, muito baixinha e tinha problemas. Caí muitas vezes porque não alcançava os pés no chão. Em 95, comprei um jipe, encostei a moto e comecei a fazer trilha de jipe.



Versátil, Helena tem que se desdobrar: treina todas as manhãs, trabalha doze horas por dia em seu estúdio de arte e criação e ainda tem que buscar patrocinadores

Sua paixão não é só por dirigir, mas pelo off-road, não é mesmo?
A minha paixão nasceu do gosto pela aventura e pelo contato direto com a natureza, pelo fato de poder chegar a lugares pouco explorados e de difícil acesso. Já fiz várias viagens e expedições de até 10 mil quilômetros, nos lugares mais interessantes do Brasil, como Lençóis Maranhenses, Pantanal, Chapada Diamantina e Deserto do Jalapão, entre outros. Algumas vezes fui em grupos, outras totalmente sozinha, eu e meu jipe.

E as competições?
Foi meio por acaso. Logo que comprei meu primeiro jipe, em 95, um amigo me chamou para uma competição, para um raid, que é uma competição de obstáculos, de regularidade. Na época nem sabia como era, mas tiramos o primeiro lugar logo na primeira prova. Em 99 consegui comprar um Troller, porque eu sonhava participar de um rally de velocidade, que é uma modalidade bem mais perigosa que o raid e exige mais técnica de pilotagem. O gosto pelas competições foi crescendo e hoje é o objetivo mais importante na minha vida.

Vai dar o tetra este ano no Raid do Batom?
Algo me diz que sim! Acho que você tem que ser otimista, mas também não se pode cantar vitória antes, porque uma prova dessas não depende só da sua competência, depende também da sorte. A largada, por exemplo, é decidida por sorteio. Apesar disso, só a largada não define a prova. Pode ser que o primeiro carro caia num atoleiro e você que vinha lá atrás acabe passando, vamos ver...

Como consegue manter esse esporte que é tão caro?
Como sou independente, tenho de trabalhar muito para ter recursos. A maior parte eu banco. Além disso, tento obter patrocínios junto a empresas. São muitas reuniões, muito trabalho de bastidores para correr. O Rally dos Sertões, por exemplo, tem um custo altíssimo. São dez dias de prova e, tirando o carro, ainda há um gasto de 70 mil reais. No exterior, o rally é um esporte mais profissional, os pilotos só fazem isso. No Brasil é muito difícil. Acho que tem uns cinco pilotos que conseguem.

Como você se prepara para as provas?
Saio todos os dias às 7h da manhã de casa e vou para academia treinar. Faço musculação e natação. Em alguns rallys você dirige oito, dez horas por dia, com capacete, passando calor e comendo poeira. Se não tiver um bom preparo físico não aguenta. Treinar a pilotagem já é mais difícil porque não existem pistas. Então o que eu faço é participar de quase todas as competições, umas duas por mês, para ficar em forma.

Como é a participação feminina?
Muito pequena. As poucas mulheres que estão neste meio são filhas, namoradas, irmãs ou esposas de homens que estão atuando no off-road. Dizem que sou uma exceção, porque entrei no meio por iniciativa própria, não tinha amigos nem parentes “pilotos”, tinha só a vontade de pilotar, acelerar, fazer trilhas, vencer desafios, conquistar o mundo pilotando, subir cada vez mais no lugar mais alto do pódio. Espero servir de incentivo para que outras mulheres participem do esporte, que a meu ver não é esporte masculino. Dá para participar de um rally sem perder a feminilidade.

Vê alguma dificuldade em competir junto com os homens?
Compenso a menor força física com maior determinação, disciplina, estratégia e concentração. Para as mulheres que são apaixonadas pelo automobilismo, que sei que não são poucas, e se limitam a espectadoras, fica o meu incentivo. Acreditem, provem do que são capazes, não tenham medo de enfrentar os desafios, aproveitem o seu talento pensando na sua própria realização.

Sobra algum tempo para pensar em formar uma família, ter filhos?
Não encontrei o homem certo. Até hoje nenhum conseguiu me acompanhar em tudo. Já estive envolvida num monte de coisas, toquei em banda de rock, em orquestra, cantei em coral, montei meu estúdio, mas sempre tive namorado. Só que nunca tive objetivo de casar porque não queria perder minha liberdade, me enraizar muito. Sei que quando casar e tiver filhos não vou poder fazer a metade das coisas que faço. Sempre me questionei muito porque adoro criança e tenho vontade de ter, mas optei pela minha realização pessoal, tanto profissional como esportiva. Não dá para viajar para rally levando o filho. Se passar da idade (que ela não conta para ninguém) eu adoto, mas ainda não é a hora porque eu não consegui realizar tudo o que eu quero. Meu sonho é participar do Paris-Dakar, que é o maior rally do mundo e foi vencido por uma mulher em 2001, a alemã Jutta Kleinschimidt. Sou super realizada, sou indepedente, trabalho com o que gosto e consigo praticar o esporte que escolhi, apesar de ser uma modalidade bastante incomum para mulheres e cara.

Existe alguma influência japonesa que a ajuda?
O que aplico no meu esporte, no meu dia-a-dia, é a paciência e a perseverança, porque se eu não tivesse isso, não teria o sonho de ir ao Paris-Dakar. Diria apenas que é algo que nunca vou conseguir e deixaria de lado, mas apesar de ser um sonho muito difícil eu batalho para isso. Tenho altos e baixos, mas não desisto.

 
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