(Arquivo
NippoBrasil)
Jorge*
tinha tudo para ter uma vida bem estruturada, com uma boa família
e um ótimo emprego. Aficionado por música desde
a adolescência, o economista de 54 anos passou a colecionar
CDs desde meados da década de 80, quando os álbuns
começaram a surgir no País. Comprava cerca de 15
a 20 por mês e chegava a gastar, em média, cerca
de R$ 200 mensais. Somente quando viu que sua vida estava indo
por água abaixo é que caiu em si e viu que precisava
urgentemente largar o vício. Muitas vezes, deixava
de comprar coisas fundamentais para casa, para meus filhos, só
para poder suprir minhas necessidades, lembra. A compulsividade
era tanta que Jorge passou a adquirir inúmeras dívidas.
Como se não bastasse, perdeu o emprego, o casamento e precisou
vender o carro e outros pertencer para poder pagar a dívida
de R$ 7 mil que só foi sanada no ano passado. Parcialmente
recuperado, como prefere ser considerado, ele está
passando por um processo de reeducação financeira.
Cancelou os três cartões de crédito que possuía,
conseguiu limpar seu nome na lista do SPC (Serviço de Proteção
ao Crédito) e do Serasa (Centralização de
Serviços Bancários) e evita passar em frente de
qualquer loja de CDs.
Casos
como o de Jorge podem ser encontrados facilmente a qualquer parte,
e o pior: é considerado uma doença. Trata-se da
oniomania, um transtorno mental responsável por fazer com
que a pessoa sinta um desejo incontrolável de consumir.
Por isso, também é conhecida como consumo compulsivo.
Esta doença é considerada um vício, assim
como o alcoolismo ou até mesmo as drogas. O primeiro caso
de oniomania foi encontrado nos Estados Unidos, em 1967, pouco
antes de alguns membros dos Alcoólicos Anôminos criarem
os Devedores Anônimos, um grupo de auto-ajuda que tem como
objetivo, auxiliar o compulsivo no tratamento da doença.
No Brasil, o D.A. surgiu em abril de 97, na cidade de São
Paulo e atualmente presta serviços em outras localidades
do País. De acordo com pesquisas, nos EUA os oniomaníacos
representam cerca de 1% da população do país.
Aqui no Brasil, não há estatísticas de quantas
pessoas sofrem com o consumo compulsivo, mas estima-se que 3%
da população são atingidas pela doença.
A principal
característica do comprador compulsivo é a obsessão
em comprar muito mais do que necessita e do que pode pagar. Chegam
a comprar, inclusive, itens repetidos, como calças iguais
mas de cores diferentes, além de muitas outras que nem
sequer chegam a usar.
Segundo
especialistas, inúmeros são os motivos que levam
uma pessoa a comprar compulsivamente, como a necessidade, a diversão,
o modismo, o status e o apelo mercadológico imposto pela
mídia. Mas há também aqueles que consomem
pelo simples prazer de comprar, de adquirir alguma coisa, independente
da sua utilidade ou significado. Ao comprar alguma coisa,
a pessoa sente um alívio momentâneo para aquela vontade,
mas depois acaba se arrependendo, e se sente culpada por este
comportamento, revela a psiquiatra do Ambulatório
de Jogos Patológicos e Outros Transtornos do Impulso (AMJO),
do Hospital das Clínicas, Daniela Sabbatini. Segundo ela,
há uma associação muito grande do problema
com a depressão, porém, não se sabe ainda
qual desses ocorrem primeiro.
A oniomania
pode atingir qualquer pessoa, independente da classe social. Entretanto,
a compra compulsiva só irá se dar a partir do momento
em que o indivíduo possuir algum dinheiro sobrando em seu
orçamento. Ainda não há pesquisas feitas
no País sobre a doença, mas de acordo com os especialistas,
a oniomania atinge principalmente as mulheres. Não se sabem
precisamente o porquê dela ser mais comum entre o sexo feminino,
mas acreditam que o motivo está diretamente relacionado
com as condições culturais, já que são
elas as responsáveis por toda a compra do lar e, por isso,
estão mais vulneráveis ao consumo supérfluo.
Entre os homens, os itens mais consumidos são os eletrônicos,
acessórios para carros, ferramentas e CDs. Já os
objetos de consumo mais desejado pelas mulheres são as
roupas, sapatos, cosméticos e bijouterias, como é
o caso de Deize*, de 47 anos.
Ela
é uma das fundadoras do D.A. na cidade de Londrina, no
Paraná, e costumava comprar roupas, bolsas e cintos. Mas
sua grande compulsão era mesmo por relógios de pulso.
Deize não quis revelar quantos relógios possui nem
o tamanho da dívida que adquiriu. Porém, disse que
na década de 90, precisou vender dois imóveis para
poder pagar parte de sua dívida, que só foi sanada
depois de sete anos. Só com o passar do tempo é
que fui vendo que tudo o que estava comprando era supérfluo,
afirma.
E não
era só ela que era oniomaníaca na família.
Como se não bastasse, seu marido também apresentava
a doença. Deize lembra que a casa vivia cheia de livros
e revistas espalhadas pelos cantos; objetos adquiridos pela compulsividade
do marido. Hoje, ela culpa a mídia - em especial, a publicidade
- e os pais como sendo os principais responsáveis pela
sua doença. Não tive uma orientação
financeira quando criança. Não sabia o que era economizar
ou como planejar financeiramente a vida. Se eu tivesse tido essa
orientação, talvez nada disso tivesse acontecido,
lamenta.
A compulsividade
começa cedo. A pessoa passa a desenvolver a doença
entre os 20 e 25 anos; idade em que começa a trabalhar
e a ganhar o próprio dinheiro. Entretanto, costuma levar
de 8 a 11 anos para ser diagnosticada. Nos EUA, por exemplo, há
uma preocupação muito grande com os adolescentes,
já que estes têm acesso ao cartão de crédito
muito cedo e, muitas vezes, acabam entrando na vida adulta já
com dívidas grandes. A doença varia de indivíduo
para indivíduo. Há pessoas que a desenvolvem mais
rápido e, para cada uma, ela vai ter um sentido. Além
disso, é uma coisa contínua, cuja tendência
é só piorar, afirma Daniela. É o caso
de Denise*, 39.
Cantora
de uma casa noturna em São Paulo, ela começou a
comprar compulsivamente aos 18 anos, quando começou a trabalhar
e passar a usar o próprio talão de cheque e usar
seu nome para fazer crediários. Na época, costumava
comprar roupas, sapatos e bijuterias; preferências das garotas
de sua idade. Com o tempo, a compulsividade foi mais além,
passando a comprar de tudo, desde roupas a alimentos, sem qualquer
tipo de planejamento. Somente a partir do momento em que começou
a se endividar é que notou que era oniomaníaca.
Tudo isso era sutil na minha vida e eu não percebia.
Até meus pais diziam que sempre fui uma pessoa bem organizada.
Não sei como isso foi acontecer comigo, diz indignada.
A compulsão
de Denise causou, não só transtornos à sua
vida, mas a de sua família também. Certa vez, a
cantora alugou um apartamento, onde foi morar com os filhos, mas
não tinha condições sequer de mantê-lo,
e antes mesmo que fosse despejada, precisou ir morar na casa dos
pais. Nesta época, chegou a perder um carro de R$ 20 mil,
tomado pela justiça como parte do pagamento de uma dívida
de R$ 25 mil. Há três anos, Denise participa das
atividades do D.A., mas revela que algumas vezes tem recaídas.
É inevitável, mas felizmente consigo acordar
a tempo.
Apesar
de não existirem pesquisas sobre a doença no País,
os especialistas já definiram o perfil do comprador compulsivo.
São pessoas com uma dificuldade muito grande de fazer um
planejamento financeiro à longo prazo e muito impulsivas
- ou seja, que agem antes de pensar. Entretanto, isso não
significa que todas as pessoas que sejam impulsivas tendem a desenvolver
a doença.
A oniomania
é difícil de ser diagnosticada. Para piorar, os
compradores compulsivos demoram a admitir seu problema, assim
como os dependentes químicos. E, embora haja um tratamento,
ainda não existe um remédio que combata o desejo
compulsivo. Quem apresentar os sintomas de um oniomaníaco
(veja quadro), deve procurar um profissional da área de
saúde mental, como um psicólogo ou um psiquiatra,
que irá verificar se a doença trata-se ou não
de uma oniomania. Além disso, os especialistas aconselham
freqüentar grupos de auto-ajuda, como os Devedores Anônimos.
Nem sempre é fácil fazer o diagnóstico,
mas é essencial que a pessoa perceba que ela tem um comportamento
por compras que causa prejuízos à ela, garante
Sabbatini. A ajuda da família também é fundamental
para o tratamento da doença. Os familiares não
podem achar que isso é uma falta de caráter, mas
sim, ter consciência de que é um problema e que precisa
ser tratado.
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Os nomes foram modificados para preservar a identidade dos entrevistados.
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