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Arquivo Edição 199 - 26 de março a 1 de abril de 2003 - Especial - Portal NippoBrasil
 

Longe da poluição e do estresse da cidade grande

Nikkeis realizam-se em comunidades alternativas

(Arquivo NippoBrasil)

Muitas são as comunidades alternativas, também conhecidas como ecovilas, espalhadas pelo País. Cada comunidade conserva a sua peculiaridade, algumas são auto-sustentáveis, mas todas tem a preocupação de preservar o meio ambiente, por isso, geralmente, estão localizadas em um local próximo a natureza. O grande princípio desse tipo de comunidade é a busca do equilíbrio entre corpo, mente e espírito. Mas qual será o motivo de milhares de pessoas largarem o dia-a-dia em uma cidade grande e morarem quase que isolados?

Quem pode muito bem responder à essa questão é Rute Kimy Misaki. Moradora da Comunidade do Vale do Matutu, atualmente conhecida como Reserva Natural Matutu, no sul de Minas Gerais, ela diz estar realizada em todos os sentidos. “Não penso em sair mais daqui, pois o meu trabalho é bem reconhecido, valorizado e a qualidade de vida é muito boa”.


luRute e seus colegas do curso de Sidda Samadhi Yoga

A comunidade foi formada em 1894, por forasteiros, médicos, engenheiros, psicólogos, professores de São Paulo, Minas e outros estados, que compraram pequenos sítios, fixaram-se e foram espalhando suas convicções religiosas e preservacionistas. Hoje, são cerca de 120 pessoas, de 5 a 65 anos, que vivem em completa harmonia com a natureza.

Rute mora na comunidade há 12 anos e trabalha como massagista em uma pousada, além de toda semana, arrumar os arranjos de flores do local, pois fez um curso de ikebana. Também coordena a oficina de artes, onde ensina principalmente a produzir mandala de flores. O cultivo de plantas medicinais em sua casa é outra atividade lucrativa e prazeirosa. As plantas viram chás, travesseiros, remédios, óleos, pomadas, sabonetes, entre outros produtos. As vendas são voltadas para os turistas e às lojas das proximidades. Ao todo, Rute cultiva 70 espécies introduzidas e 50 nativas, por isso mantém uma herbária, que é um fichário de plantas medicinais, onde seca e cataloga cuidadosamente todas as espécies.

Sem mostrar um pingo de cansaso, Rute diz que sempre que possível, presta trabalho voluntário, dando atendimento a moradores da comunidade, tais como: medir a pressão, recomendar dietas, indicar chás e pomadas. “É bom poder andar e conversar com as pessoas nativas, acho interessante”, revela.

Antes de morar no Vale do Matutu, Rute era massagista em Belo Horizonte. Conheceu a comunidade através de um casal de amigos. Gostou tanto das matas, da cachoeira e do estilo de vida dos moradores, que resolveu mudar com o marido e as três filhas para o local. Seu marido foi quem implantou o sistema de apicultura e atualmente a comunidade já vende os méis produzidos. Pouco tempo depois da mudança, seu marido acabou falecendo e Rute precisava manter as filhas. Por isso, continuou trabalhando como massagista em outros estados, como São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro. Entretanto a massagista conta que agora o fluxo de turistas está maior, consequentemente os clientes aumentaram e as vendas de seus produtos melhoraram, por isso ela já consegue se manter exclusivamente com o trabalho que desenvolve no Matutu.


Rute cultiva plantas medicinais

Rute casou-se novamente, com um ceramista da comunidade e teve mais um filho, que está com 7 anos, o único que vive atualmente no Vale. Como as filhas do primeiro casamento são adolescentes, estão com 19, 17 e 16 anos, foram morar fora. As duas primeiras estão em Belo Horizonte e a mais nova em São Lourenço, todas na casa de amigas. O motivo dessa mudança, é que na comunidade há apenas uma escola com ensino fundamental.


Acerimônia de casamento de Prama e Maha aconteceu na comunidade

A nikkei conta que passou a infância e adolescência em uma comunidade nipo-brasileira, em Nova Friburgo, Rio de Janeiro, e por isso já estava acostumada com esse tipo de vida. Para ela, a importância em viver nesse tipo de ambiente, é a valorização do convívio com pessoas diferentes, pois com isso, aprende a ter tolerância, cultivar a amizade, além de poder viver em contato com a natureza. “Acho que é um ambiente ideal para criar os filhos, porque eles têm muito espaço para brincar e uma vida mais saudável”.

A comunidade tem um regimento interno, além do estatuto. Um coordenador do bairro e um conselho formado por moradores, ajudam a organizar as assembléias, na qual são discutidos os problemas e as conquistas do local. As casas são adquiridas por sistema de cotas, seguindo uma arquitetura voltado ao estilo oriental e utilizando-se muita madeira, retirada da própria floresta. Nas tardes de domingo, é normal acontecer uma reunião para oração, e é o momento em que todos os moradores se reúnem. Rute resume sua vivência na comunidade em poucas palavras: “conciliar a filosofia à arte e à ciência é a minha intenção, como moradora do Matutu”.

O caso de Paulo Roberto Nakashima e Mara Ligia Alves Nakashima é um pouco diferente. Eles são moradores de Nova Gokula, comunidade Hare Krishna, localizada em Pindamonhangaba. Os dois são moradores da comunidade há seis anos. Conheceram-se e casaram-se no local, e a cerimônia respeitou o ritual Krishna.

Paulo, que é conhecido por Primananda Das, seu nome de iniciação. Entrou na comunidade através de amigos devotos, que sempre frequentavam o local. Antes, praticava o sacerdócio em outras cidades do interior. Mara, que é conhecida como Maha Lila Devi Dasi, trabalhava como sankirtaneira (distribuia livros de Hare Krishna), em São Carlos, interior de São Paulo, e também conheceu Nova Gokula através de amigos.

Atualmente, Prima está trabalhando como dekassegui no Japão, mas em setembro pretende voltar à comunidade e continuar seu trabalho de pujari, pessoa que cuida das deidades (figuras consideradas manifestações de Krishna). “Esse trabalho é para ele conseguir uma paz interior, para poder se dedicar exclusivamente à Krishna, já que recebemos apenas uma pequena ajuda de custo”, explica sua esposa. Maha Lila além de ser pujarini, começou a trabalhar na fábrica de insensos, localizada dentro da fazenda, e também é mestra de ashiman (pessoa que cuida de crianças). A atividade na fábrica ajuda a ocupar seu tempo e esquecer a ausência do marido. “Ele diz que esse vida de dekassegui não é para ele, tanto que não vê a hora de voltar, para se dedicar totalmente à Krishna”, conta.

A alimentação de um devoto de Hare Krishna é totalmente lactovegetariana, ou seja, não consomem carne, peixe e ovos, para desenvolver a misericórdia por todos os seres vivos. Costumam consumir verduras, legumes e muito grão. A rotina de quem vive em uma comunidade Hare Krishna não é fácil. Além de todos os preceitos filosóficos, as roupas indianas e os incensos, outras coisas distinguem os devotos dos demais mortais da face da terra. Isso porque o dia-a-dia começa muito cedo, às 4h30 da manhã, com uma cerimônia coletiva de adoração a Krishna. Segundo os adeptos, esse horário é escolhido porque a cidade ainda está calma, sem muitas vibrações.

Apesar dos horários parecerem rigorosos, Maha Lila não se queixa e diz que quando sai da comunidade, mesmo por alguns dias, não consegue desviar seus pensamentos de Nova Gokula. “Eu e meu marido pretendemos morar aqui para o resto da vida, aqui é o nosso lugar”, comenta.

 
 

Um pouco da história das duas comunidades

Reserva Natural Matutu:
a comunidade surgiu em 1984, através de um grupo de pessoas que buscavam o retorno à natureza e de um convívio solidário. As nascentes das montanhas do Matutu traduzem o significado do seu nome indígena: cabeceiras sagradas. Está situada no sul de Minas Gerais e possui uma área de 3 mil hectares. Atualmente são cerca de 120 moradores que estudam e trabalham no local. As pessoas que iniciaram a comunidade, em sua grande parte de origem urbana, trouxeram várias habilidades. São professores, técnicos, artistas e terapeutas que puderam conciliar novas atividades produtivas e educacionais com as práticas rurais tradicionais dos antigos habitantes do lugar.

Os moradores do Matutu cultivam a agricultura orgânica e buscam a subsistência como base econômica rural. A apicultura e o extrativismo florestal completam a economia da comunidade. A Reserva recebe visitantes de várias partes do país e estrangeiros também, por isso, as pousadas e casas da região ficam sempre cheias nos feriados.

Os artistas e artesãos da comunidade se incumbem de produzir móveis e objetos de resíduos florestais, tecelagem de fibras naturais, cerâmicas, fitocosméticos e produtos terapêuticos com ervas medicinais. Também existe na cidade de Airuoca, uma pequena indústria de prismas de vidro, que são utilizados para a harmonização de ambientes. Essas produções geraram parcerias e novos empregos na zona rural e urbana.


Nova Gokula:
As atividades na comunidade rural iniciaram-se em 1978. Significa a concretização do sonho de um grupo de devotos de Krishna, reunidos em torno de um ideal espiritual. Os moradores dessa comunidade são seguidores dos preceitos de uma filosofia de vida baseada nos princípios da cultura védica, que floresceu na Índia. O conceito filosófico mais importante desta cultura, prescreve que todos devem moldar a vida de tal forma que possa aproveitá-la integralmente no objetivo da auto-realização.

Hoje em dia, Nova Gokula é um centro de encontro de muitos alternativos, naturalistas e, principalmente, espiritualistas, mas antes de mais nada, uma comunidade cujo centro é Krishna. Os devotos pioneiros encontraram um vale na região de Ribeirão Grande, na cidade de Pindamonhangaba, localizado a 150 km de São Paulo. Dominando a paisagem, vê-se a serra da Mantiqueira, com suas cachoeiras que descem dos altos picos, até formar o rio que cruza a propriedade. Faz parte da área de proteção ambiental da Serra da Mantiqueira. A terra foi batizada de Nova Gokula, porque Gokula foi o lugar onde Krishna passou os primeiros anos de Sua infância.

No começo, existiam duas pequenas casas, que foram completamente reformadas, e em 1993 foi inaugurado o primeiro templo em estilo neovédico do Brasil. À primeira vista, a construção chama a atenção pelo estilo oriental, com cúpulas e símbolos védicos em alto relevo. A decoração interna foi feita por devotos artistas, que se inspiraram na arte e arquitetura indianas. Mais informações através do site: www.harekrishna.com.br/novagokula

 
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