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Quarta-feira, 04 de dezembro de 2024 - 9h35
 

Viciados em Jogos

O jogo mais difícil deles é vencer a compulsão

Caça-níqueis: diversão, a princípio, inofensiva

(Arquivo Jornal NippoBrasil)

“Minha mulher me mandou embora de casa, pois estávamos muito endividados e eu não tinha onde morar. Estava desempregado e só tinha um real na carteira. Pensei em comprar meia dúzia de bananas para comer, para passar quatro dias antes de receber a segunda parcela da minha indenização de trabalho, que era de R$ 6 mil. Passei pela carrocinha de bananas, mas, na outra esquina, havia um bar e comprei quatro moedinhas para jogar nas máquinas de caça-níquel, pensando que poderia dobrar esse dinheiro. Puro engano. Perdi tudo, passei fome, frio e estava quase virando um mendigo.”

Essa é somente uma parte da história vivida por Jorge, de 43 anos, após tornar-se um jogador patológico - na linguagem médica, significa a pessoa viciada por jogos que envolvem apostas em dinheiro (veja box com as fases).

O vício pelo jogo começa por diversão, uma forma de lazer que os jogadores encontram para fugir dos problemas, descarregar as tensões, o estresse. Aos poucos, o hábito de jogar começa a tornar-se freqüente até o momento em que o jogo passa a dominar a vida dessas pessoas, fazendo com que elas deixem de cumprir compromissos, percam patrimônios e economias, passem a fazer dívidas enormes e comecem a destruir as relações pessoais, familiares e profissionais.

Compulsão

Entre os nikkeis, o vício parece vir da própria cultura. No Japão, é muito comum - chega até a ser um exagero - a dependência pelos pachinkos (máquinas de jogos, em que o jogador deve controlar a velocidade de pequenas bolas de aço que são lançadas nos equipamentos). Com o jogo, é possível triplicar o dinheiro apostado em apenas alguns minutos. Como todo jogo de azar, os usuários correm risco de grandes perdas de dinheiro. Há quem chegue a desembolsar todo o salário de um mês de trabalho em apenas um dia de jogo. Para eles, vale o risco de sentir a emoção de a “máquina abrir” (gíria dos patinqueiros que significa vencer o jogo).

Foi o que aconteceu com Jorge. A compulsividade pelos jogos começou aos 10 anos, quando jogava fliperama. A ansiedade e a fissura pelos jogos era tanta que, mesmo depois de casado, não abriu mão de uma jogatina, seja com baralho, dominó, placas de automóvel, par ou ímpar e até tampinhas; tudo era motivo para uma aposta. “Precisava pagar as prestações de um apartamento. Nessa época, as pessoas falavam que eu tinha muita sorte, então, fui até um bingo”, relembra. Já no primeiro dia de jogo, Jorge ganhou R$ 618 em uma cartela que lhe custou apenas R$ 1. “Pensei: ‘não preciso mais trabalhar’. Aos poucos, consegui montar um bom patrimônio, mas perdi tudo”.

Como Jorge, milhares de pessoas chegam a enfrentar os mesmos problemas. “O hábito do jogo não é um defeito moral, é uma doença, um transtorno mental”, revela o neuropsicólogo Daniel Fuentes, coordenador de ensino e pesquisa do Ambulatório do Jogo Patológico, do Hospital das Clínicas, em São Paulo. De acordo com suas pesquisas, as pessoas que apresentam problemas com jogos têm traços comuns de personalidade. Normalmente são indivíduos perfeccionistas, ousados, curiosos e têm uma forte tendência à liderança, ou seja, são pessoas que estão à frente de todas as decisões. Além disso, apresentam um coeficiente de inteligência (QI) elevado em relação aos padrões normais e, por isso, também podem ser consideradas pessoas inteligentes. Outra característica é que, além dos jogos, essas pessoas tendem a sofrer com outros tipos de vícios, como o cigarro e o álcool.

Mulheres se viciam mais rápido

Um outro estudo realizado pelo Ambulatório constatou que as mulheres são as que mais sofrem, pois chegam a se viciar mais rápido que os homens. Segundo a pesquisa, elas levam apenas de 2 a 3 meses para chegar ao nível mais crítico da doença (patológico), enquanto os homens chegam a levar 10 anos. Por outro lado, elas reconhecem mais cedo que estão doentes e, por isso, demoram menos para procurar ajuda. “No Brasil, elas se tratam mais do que em outras partes do mundo. Para cada jogadora compulsiva que busca tratamento há um homem. Em outros países, para cada mulher há 5 jogadores compulsivos se tratando”, diz o médico.

Foi em busca de tratamento que Rosa, de 47 anos, resolveu procurar os Jogadores Anônimos (J.A.), grupo de ajuda mútua que, por meio de reuniões, auxilia os jogadores compulsivos a encontrar forças para enfrentar os problemas. Há um ano e meio freqüentando as reuniões semanalmente, ela garante que ainda continua pensando nos jogos. “É uma doença que não tem cura, ainda tenho muita vontade de jogar, mas tenho lutado bastante, pois isso acabou com a minha vida”, desabafa.

Preocupada com o desemprego do marido, Rosa aceitou o convite de uma amiga para freqüentar uma casa de bingo a fim de esquecer os problemas financeiros da família. Ela acabou gostando tanto que o número de apostas foi aumentando e, quando menos esperava, já havia se tornado uma jogadora compulsiva. “Sempre ficava com a esperança de achar o pote de ouro. E falei para o meu marido que ele não precisava mais procurar emprego, pois eu iria dar um jeito em tudo”, relembra. Das cartelas de bingo, Rosa passou para as rodadas no computador até chegar às máquinas de caça-níquel, as quais diz ter ficado fascinada. O jogo tomou conta da sua vida de tal forma que abandonou os filhos, o marido e o trabalho em nome do vício. “Comecei a me desequilibrar e, quando percebi, já estava totalmente absorvida. Vivia inventando desculpas, mentia, e só voltava para casa para tomar banho”, conta.

Tratamento

A pesquisa do Ambulatório mostra que as pessoas estão reconhecendo cada vez mais que o vício é uma doença e que precisa ser tratada.

O principal objetivo do tratamento é desenvolver a autonomia do jogador, fazendo com que ele tenha abstinência total do jogo - como os tratamentos de dependência química. Mas o prazo para que consiga a recuperação irá variar de acordo com cada jogador. “Há casos em que é necessário um tratamento medicamentoso para problemas ocasionados por causa do vício, como a depressão, por exemplo”, diz Daniel.

A ajuda da família

O auxílio de amigos e familiares também é muito importante para que o jogador compulsivo consiga se recuperar. Sônia, de 41 anos, sentiu a necessidade de buscar ajuda quando o marido colocou em jogo a vida da família. Casada há quatro anos, ela nem desconfiava que o marido era um jogador patológico. “Após ter ganho nenê, minha mãe chegou para mim e falou que o Cláudio passava as noites no bar jogando. Quando eu perguntava pra ele, ele se desculpava dizendo que estava nervoso e que precisava se distrair de alguma forma. E eu não levei aquilo em consideração”, lembra.

Após consecutivos “sumiços” do marido e com as dívidas aumentando, a separação era a melhor forma para resolver o problema. “Não queria me separar. No fundo, eu queria uma solução para tudo aquilo, pois ele chegou até a pensar em suicídio. E eu passei a sofrer junto com ele; tinha insônia e chorava muito também. Ele estava acabando com a minha vida e a da minha família”, lembra. Indicada por uma amiga, Sônia passou a freqüentar as reuniões do Jog-Anon, grupo que atua em parceria com o J.A. para amigos e familiares de jogadores compulsivos. “É muito importante o familiar também se tratar, porque o jogador te manipula muito. Eles jogam com a sua confiança, com os seus sentimentos e é preciso estar sempre alerta”, conta Sônia.

A doença não atinge todos os jogadores

Nem todas as pessoas que jogam podem tornar-se viciadas. No Brasil, apenas 3% da população é dependente. Apesar de ser um número relativamente pequeno, é o bastante para preocupar os especialistas, em decorrência do grande número de casas de jogos e caça-níqueis espalhados por todo o País.

Fim das casas de bingo

No Brasil, as casas de bingo estão com os dias contados. O Grupo Nacional de Combate ao Crime Organizado - formado por membros do Ministério Público Federal e dos Ministérios Públicos Estaduais - sancionou uma lei em que esses locais de jogos têm até o dia 31 de dezembro para fecharem as portas. Apesar da grande discussão em torno do assunto, vai ser difícil impedir que um jogador compulsivo encontre meios para apostar.

* Os nomes são fictícios para preservar a identidade dos entrevistados.


Fases

Jogador Ocasional
É aquele que joga eventualmente. Nesta fase, não há problema algum, pois a pessoa sabe controlar seus gastos. Normalmente, esse tipo de jogador vai a um bingo, por exemplo, acompanhado e faz do jogo uma forma de lazer, um programa como outro qualquer.

Jogador Social
É aquele que tem no jogo a principal forma de lazer, ou seja, quando os amigos se reúnem para se divertir, ele é o único que sugere para irem a um jogo. Nesta fase, não importa se irá sozinho ou acompanhado. Apesar de estarem jogando com freqüência maior que os jogadores ocasionais, não chega a comprometer a vida familiar ou financeira por causa do jogo.

Jogador Patológico
É aquele em que o jogo passará a reger a sua vida, colocando em risco a vida pessoal, familiar e financeira.


Teste

Você é um jogador compulsivo?
Para saber se você é propenso a tornar-se um, responda ao teste abaixo.

1 - Você desperdiça seu tempo de trabalho por causa do jogo?

2 - Você tem causado infelicidade na vida familiar devido ao jogo?

3 - Sua reputação está afetada devido ao jogo?

4 - Já sentiu alguma vez remorso após ter jogado?

5 - Jogou alguma vez por dinheiro para pagar as suas dívidas e resolver suas necessidades financeiras?

6 - O jogo causou alguma diminuição na sua ambição, capacidade e eficiência?

7 - Após ter perdido, sentiu-se como se tivesse que voltar logo após, pronto para a possibilidade de recuperar as suas perdas?

8 - Depois de uma aposta lucrativa você teve um forte impulso para voltar e ganhar ainda mais?

9 - Você jogava aos poucos até gastar o último tostão?

10 - Alguma vez você pediu empréstimo para financiar o seu jogo?

11 - Você vendeu alguma vez alguma coisa para financiar o seu jogo?

12 - Você teve má vontade para usar o dinheiro do jogo nos gastos dos compromissos normais?

13 - Alguma vez você descuidou do bem estar da família devido ao jogo?

14 - Alguma vez você jogou mais tempo do que havia planejado?

15 - Alguma vez você jogou mais para escapar de preocupações e problemas?

16 - Alguma vez você cometeu alguma ato considerado ilícito para poder financiar o seu jogo?

17 - Você tem dificuldades para dormir devido ao jogo?

18 - Você acredita que este impulso para jogar deve-se às desilusões e frustrações?

19 - Você teve alguma vez o impulso de comemorar alguma fortuna conquistada com algumas poucas horas de jogo?

20 - Você considerou alguma vez a auto destruição como resultado do jogo?

Resultado: se respondeu “SIM” a pelo menos sete perguntas, você é propenso a ser um deles.)

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