Por Décio
Luiz Gazzoni*
Não
vejo futuro sustentável para a agroenergia sem uma forte participação
da biotecnologia. Alguns países já procuram se antecipar,
enquanto outros insistem em jogar os avanços da ciência para
um amanhã cada vez mais distante. Infelizmente, o Brasil pertence
a este grupo. Um contraponto interessante ao lento desenvolvimento brasileiro
são os Estados Unidos, que estão investindo fortemente em
biotecnologia para viabilizar a produção de biocombustíveis.
Tomemos, então, os norte-americanos como exemplo.
Todos sabem
que, no momento, a cana-de-açúcar é a matéria-prima
imbatível para produção de etanol. Devido à
sua localização geográfica, o cultivo de cana nos
Estados Unidos está limitado a poucos estados do sul do país.
Ocorre que, nem as autoridades locais, menos ainda os pesquisadores, conformaram-se
com essa "limitação". Um dos cientistas que não
a aceitou foi o biologista molecular da Texas A&M University, dr.
Erik Mirkov.
Mirkov resolveu
enfrentar diferentes desafios em regiões onde as variedades atuais
de cana não podem ser cultivadas. Barreira número um: solucionar
a adaptação da planta ao clima, em especial a baixas temperaturas,
pois a produtividade e o teor de açúcar decrescem exponencialmente
com a diminuição da temperatura. Segunda barreira: como
adaptar a planta a locais secos, onde a precipitação natural
está abaixo do requerido pela cana.
Não
há como resolver estes dois problemas, a não ser introduzindo
na cana genes de outras plantas, que expressem as características
desejadas. Foi o que Mirkov fez, permitindo o cultivo da cana em locais
anteriormente inadequados. Em seu artigo, o cientista salienta que a nova
tecnologia não apenas garante a redução da dependência
de petróleo, como ajuda a criar novos empregos e novos mercados
para os agricultores, ampliando a renda rural. Ironicamente, no Brasil,
essa inovação seria fortemente combatida por organizações
que, supostamente, defendem o pequeno agricultor e a agricultura familiar,
fechando as portas para as oportunidades de emprego e renda.
Mas as inovações
não terminam na etapa agronômica. O dr. Mirkov tem consciência
do tamanho do mercado e do desafio que significa fornecer todo o etanol
que o mundo demandará. Apenas com o caldo da cana-de-açúcar
não será possível abastecer o mercado global. Por
isso, ele investe na pesquisa de microrganismos transgênicos que
possam transformar celulose em álcool. Essa tecnologia significa
uma dupla revolução. Por um lado, permite transformar lixo
e resíduos em um produto com grande valor comercial. Por outro,
desloca o eixo de poder e de negócios, pois fatores como a grande
disponibilidade de terra (caso do Brasil) deixam de ter o grande peso
que têm hoje.
A rápida
evolução científica de outros países ameaça
a liderança brasileira de produção de álcool
e de outros produtos da agroenergia no cenário mundial. O resumo
da ópera é que não há vantagem comparativa
que resista a uma mudança tão marcante de paradigma tecnológico.
Obter etanol de celulose pode redirecionar a produção do
combustível para nações que, sem o auxílio
da biotecnologia, estavam condenadas a ser meras importadoras do produto.
E mais: o dr. Mirkov também investe na criação de
variedades de cana transgênica biofábricas, ou seja, capazes
de produzir substâncias químicas de alto valor agregado
tais como proteínas, enzimas, antibióticos, vacinas e outros
fármacos a um custo muito menor que o processo industrial
de síntese.
Existem muitos
outros benefícios possíveis para o conjunto da agroenergia
pela aplicação da biotecnologia. É possível
desenvolver plantas resistentes a pragas dispensando agrotóxicos.
Ou desenvolver microrganismos altamente eficientes na fixação
do nitrogênio do ar, dispensando a adubação nitrogenada,
que possui alto custo financeiro e energético. Ou até mesmo
microrganismos que facilitem a absorção pela planta de outros
nutrientes do solo, reduzindo o custo de produção e permitindo
cultivar solos pouco férteis.
Não
é difícil agregar valor à economia por meio dos processos
da biotecnologia e o Brasil tem enorme potencial nessa ciência
, basta apenas que a sociedade dê suporte adequado aos cientistas.
A diferença entre países centrais e periféricos é
que, nos centrais, cientistas como o dr. Mirkov recebem volumosos recursos
de pesquisa e, a cada nova tecnologia conquistada, têm honrarias
públicas e melhorias salariais. Já nos periféricos,
o cientista precisa batalhar incansavelmente por recursos e, quando os
consegue, em benefício da própria sociedade, são
vistos com desconfiança ao invés de reconhecimento.
Uma vez que
a busca por fontes de energia alternativa e renovável ganha interesse
social mundo afora; que o Brasil é um dos grandes fornecedores
agrícolas do planeta; que o País dispõe de pólos
tecnológicos competitivos e de alta performance, é preciso
refletir sobre o tamanho da responsabilidade do obscurantismo científico
para a manutenção do status quo que vivemos atualmente e
pela perda de competitividade futura do agronegócio brasileiro.
|