Marcos de Abreu
e Silva*
Não
resta dúvida quanto à importância do produtor rural
na defesa do meio ambiente. Afinal, a mais significativa extensão
do patrimônio ambiental está no campo. Os que ali moram ou
trabalham são os mais próximos e os que melhor usufruem
do bem-estar que o equilíbrio ecológico proporciona.
A preservação
ambiental, portanto, não pode abrir mão do concurso do produtor
rural. No processo que envolve e interessa toda a humanidade, ele há
de ser guardião e não vilão do meio ambiente.
Entretanto,
não se pode jogar sobre seus ombros, só pelo fato de ser
o proprietário da terra, obrigações que não
lhe cabem. Muito menos aquelas que o ordenamento jurídico não
lhe impõe.
Fora dessa
premissa, a efetiva solução dos problemas ambientais no
campo caminharia na contramão do real objetivo da própria
preservação, que só será bem-sucedida se contar
com a colaboração consciente de todos. Além do mais,
não é justo cobrar apenas de um por benefício que
é de todos.
O Brasil, em
relação ao meio rural, pelo estímulo e interesse
do próprio Poder Público e por meio de toda a sociedade,
realizou, desde o seu descobrimento, atividades extrativistas segundo
o estado da arte de cada tempo. O desmatamento aconteceu com estreita
ligação às políticas de ocupação
e de desenvolvimento, quando não à segurança do próprio
território.
Exemplo disso
foi a concessão do monopólio do Pau Brasil em troca da segurança
da costa nordestina brasileira. Também o corte de árvores
e a retirada de lenha das margens dos rios, hoje legalmente protegidas
como áreas de preservação permanente, foram estimulados
como solução para combater a malária, ou para uso
como combustível das embarcações a vapor.
Não
obstante, o próprio legislador ordinário, abstraindo-se
da real perspectiva histórica, institui obrigações
ambientais além do que o constituinte originário estabeleceu.
Um gritante exemplo disso é a injusta e descabida exigência
de recomposição da reserva legal pelo atual proprietário
rural, indiferentemente se a vegetação, originalmente nela
existente, foi desmatada ou indisponibilizada em passado recente ou longínquo.
Nesse aspecto,
a lei brasileira contraria os dispositivos constitucionais que tratam
do meio ambiente rural. Basta levar em conta o balizamento da política
fundiária, estabelecido no Inciso I do Artigo 186 da Carta Magna.
Ali, está claro que o cumprimento da função social
da propriedade rural ocorre quando o imóvel dá utilização
adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação
do meio ambiente. Não impõe o texto constitucional
qualquer obrigação quanto a recursos ambientais não
disponíveis: apenas o dever de preservar o meio ambiente; não
cria para o proprietário de imóvel rural o dever de restaurar
ou recompor o indisponível.
O atendimento
da função social do imóvel rural, em relação
ao aspecto ambiental, consiste, assim, apenas no dever de preservação
do patrimônio que remanesceu até a data da promulgação
da Constituição de 1988. Por outro lado, quando se examina
o Artigo 225 da mesma lei, verifica-se que à coletividade foi imposto,
em relação ao meio ambiente: O dever de defendê-lo
e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Afora as empresas
minerárias, não existe obrigação individualizada
ou diferenciada a quem quer que seja, muito menos ao proprietário
rural. Quanto ao dever de restaurar o que fora destruído antes
de 1988, ficou bem explícito no parágrafo 1°, Inciso
I, do mesmo Artigo 225 que: Para assegurar a efetividade desse direito
incumbe ao Poder Público preservar e restaurar os processos ecológicos
essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas.
Se a norma
infraconstitucional, ainda que lei ordinária, dispõe diferentemente,
está a contrariar regra hierarquicamente superior, não podendo,
por conseguinte, prevalecer. É o caso do disposto no Artigo 44
do Código Florestal que, impropriamente, cria para o proprietário
rural a obrigação de: Recompor a reserva legal de
sua propriedade mediante o plantio, ou conduzir a regeneração
natural da reserva legal, ou mesmo compensá-la, independentemente
de quanto foi indisponibilizada ou suprimida.
A norma constitucional
é acertada e justa. Afinal, o produto do extrativismo de épocas
passadas, visou a atender demandas do Poder Público e das gerações
que já se foram. Basta ver que a madeira retirada das matas foi
utilizada, em maior escala, para construir as cidades e a infra-estrutura
de cada época. Serviu também como fonte de energia e de
calor para a subsistência e sobrevivência das populações
de outrora, como até hoje ocorre, naturalmente em escala bem menor.
Não
é honesto, pois, que, hoje, se culpe e se responsabilize exclusivamente
o atual proprietário rural por condutas de nossos antepassados,
em tempos imemoriais, quando a consciência de preservação
ambiental ainda não se inseria no contexto do respectivo estado
da arte vigente.
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