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Kobayashi Issa (1763-1827) |
utsukushi
ya
shôji no ana no
amanogawa
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Tradução:
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Ah, como é bonita!
Pela porta esburacada
surge a Via Láctea.
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O kigo (termo de estação) deste haicai é amanogawa,
Via Láctea, que sinaliza o outono.
Issa encontra-se acamado no casebre de um discípulo, próximo
ao templo Zenkôji, em Nagano. Debilitado, não pode fazer
nada mais do que olhar as paredes por dias a fio. O shôji, porta
corrediça de madeira, típica das construções
japonesas, encontra-se com sua forração de papel de arroz
velha e rasgada, deixando entrar o vento. Mas à noite, em meio
ao silêncio, o buraco permite ver um pedaço do céu,
onde se destaca o rastro da Via Láctea, ainda mais belo quando
visto dessa perspectiva limitada.
Assolado pelo complexo de pobreza, que não o abandonou nem mesmo
quando conseguiu melhores condições materiais, Issa explorou
o quanto pôde essa situação, extraindo beleza de lugares
desconhecidos por outros poetas.
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Kobayashi Issa (1763-1827) |
harusame
ya
kuware nokori no
kamo ga naku
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Tradução:
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Chuva de primavera
São restos de comida
os patos que grasnam
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O kigo (termo de estação) deste haicai é harusame,
chuva de primavera. Kamo é a palavra que define o pato selvagem,
nativo do Japão. O pato doméstico é conhecido por
ahiru.
Com a entrada da primavera, o frio gélido se foi. Uma chuva mansa
cai ao anoitecer. Em meio ao rumor gentil da água sobre as telhas,
o autor ouve alguns patos selvagens que, voando ao longe, emitem seus
grasnados. Em sua imaginação, se chegaram vivos até
aqui, é porque, escapando aos caçadores, deixaram de ser
servidos como alimento dos homens.
Os haicais de Issa são fortemente autobiográficos. Mais
um ano se foi e, ao rigoroso inverno, sucede-se a amena primavera. Ele
está vivo, apesar da inclemência do mundo e das pessoas que
o habitam. Entretanto, restos de comida não despertam o interesse
de ninguém. Issa conseguiu atravessar mais um ano. Mas não
há motivo para comemoração.
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Kobayashi Issa (1763-1827) |
kore
ga maa
tsui no sumika ka
yuki go shaku
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Tradução:
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Seria esta então
minha última morada?
Sete palmos de neve.
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O kigo (termo de estação) deste haicai é yuki (neve),
que remete ao inverno.
Aos 50 anos de idade, o autor está disposto a resolver de qualquer
maneira a disputa do inventário de seu pai, contra o meio-irmão
e a madrasta. Por isso, dirige-se a Kashiwabara em pleno inverno. Quando
chega, assusta-se ao ver as casas quase soterradas pela espessa camada
de neve. Como na visita anterior, não encontra acolhida entre os
parentes e vizinhos. Mas, firme em sua decisão, não arredará
pé dali, ainda que pereça. Nesse momento, Issa pergunta
ao destino se morrer sob a neve, sem um pedaço de chão,
após uma vida errante, é tudo o que lhe resta.
Apesar do sacrifício, sua insistência foi favorável
e teve como resultado a partilha da propriedade paterna. Assim, Issa instalou-se
definitivamente em sua terra natal, onde permaneceu até a morte.
De qualquer maneira, aquela foi sua última morada.
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Kobayashi Issa (1763-1827) |
furusato
ya
yoru mo sawaru mo
bara no hana
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Tradução:
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Ah, terra natal
Não toco nem chego perto
das roseiras-bravas.
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O kigo (termo de estação) deste haicai é bara,
contração de ibara (nome científico Rosa multiflora),
arbusto espinhento de flores brancas e perfumadas, que será traduzido
por roseira-brava, representando o verão.
Em visita a Kashiwabara, aldeia de Nagano onde nasceu, o autor queixa-se
de seus habitantes. Como nas roseiras-bravas que vê pela estrada,
há somente espinhos em seus modos e palavras, que machucam seu
coração. Deles, escreverá em seu diário: Não
me ofereceram sequer um copo de água.
Órfão de mãe, Issa retornou à sua terra após
a morte do pai, para resolver a disputa testamentária com o meio-irmão.
Nesse momento, percebeu que toda a família e até os vizinhos
voltavam-se contra ele. Issa escreveu muitos outros haicais que se referem
amargamente ao torrão natal.
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Kobayashi Issa (1763-1827) |
ariake
ya
asama no kiri ga
zen o hau
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Tradução:
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Lua da manhã
Se arrasta sobre a bandeja
A névoa do Asama.
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Há dois kigo (termos de estação) neste haicai:
ariake é a abreviação de ariakezuki e refere-se à
lua pálida que ainda permanece no céu às primeiras
horas da manhã. Kiri é o segundo kigo, que significa névoa.
Ambos referem-se ao outono.
O autor desperta numa estalagem de Karuizawa, cidade da atual província
de Nagano. A bandeja com a refeição matinal já se
encontra sobre o tatami. Ao abrir a janela, avista o Monte Asama, vulcão
que é um dos principais atrativos da estância turística.
A névoa que recobre a montanha parece deslizar para dentro do aposento.
A mesma névoa avança sobre a bandeja, parecendo arrastar-se
por cima da comida.
Indicações de tempo (manhã), exterior (Monte Asama),
interior (bandeja) e movimento (arrastar-se) combinam-se habilmente neste
haicai de Issa.
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Kobayashi Issa (1763-1827) |
ume
ga ka ya
donata ga kitemo
kakejawan
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Tradução:
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A quem me visita
o perfume da ameixeira
e a taça lascada.
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O kigo (termo de estação) deste haicai é ume, que
significa ameixeira. Esta árvore floresce antes das cerejeiras,
anunciando a chegada da primavera.
A nova estação se faz presente pelo perfume de uma ameixeira,
que invade a casa humilde ocupada temporariamente pelo autor em Edo (Tóquio).
Aos poucos amigos que o visitam, tudo o que ele pode oferecer, além
do aroma das flores, é um pouco de chá, na única
taça que tem, à qual falta um pedaço. Perfume
da ameixeira, expressão que transmite delicadamente a atmosfera
serena e envolvente da primavera, contrasta com a áspera sensação
de uma taça lascada.
O tom autodepreciativo destes versos é uma das características
mais presentes nos haicais de Issa. Nascido em Nagano, é considerado,
ao lado de Bashô, Buson e Shiki, um dos maiores mestres do haicai
clássico.
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