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Takarai Kikaku (1661-1707) |
kane
hitotsu
urenu hi wa nashi
edo no haru
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Tradução:
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Nem sequer um dia
Em que não se venda um sino
Primavera em Edo.
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Este é mais um haicai que exalta a prosperidade de Edo, o antigo
nome de Tóquio. No século XVII, com a subida ao poder dos
xoguns da família Tokugawa, essa cidade transformou-se na sede
do poder político e militar do Japão. Substituía
assim Quioto, sede do imperador, o qual era relegado a uma função
decorativa. Por conta disso, Edo experimentou grande desenvolvimento econômico,
o que atraía pessoas de todo o país, fazendo com que a sua
população alcançasse cerca de 1 milhão à
época de Bashô e Kikaku.
A prosperidade econômica impulsionou um grande desenvolvimento
da literatura e das artes, como é o exemplo do haicai. Além
disso, todos os ramos da economia eram favorecidos, até mesmo os
mais inusitados, dos quais não se esperava grande procura, como
a fabricação de sinos para templos. Esse é o assunto
abordado por Kikaku, atento observador da vida urbana, que se espantava
por não haver um só dia sem que o artesão não
entregasse pelo menos uma encomenda. O termo de estação
é haru (primavera).
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Takarai Kikaku (1661-1707) |
kono
kido ya
jô no sasarete
fuyu no tsuki
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Tradução:
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Portão de madeira
Sobre os ferros e trancas,
A lua de inverno.
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O portão de madeira é um dos vários espalhados por
pontos de entrada e saída da cidade, dotados de guaritas e que
se fechavam à noite, ao toque de recolher. Tarde da noite, ao voltar
de uma sessão de bebedeira, Kikaku e seus amigos teriam perdido
a hora, encontrando o portão fechado. Sem esperanças de
chegar em casa, ele olha para o alto apenas para reconhecer a lua de inverno
atravessando o céu e projetando sua gélida luminosidade
sobre todos.
Kikaku enviara este haicai para participar da antologia Sarumino. Entretanto,
o mestre Bashô teria equivocadamente lido shiba no to (porta da
cabana) ao invés de kono kido (este portão de madeira),
devido à proximidade dos ideogramas. Quando percebeu o erro, apressou-se
a solicitar a correção, explicando que tratando-se
de excelência, não se pode desperdiçar sequer um verso.
Porta da cabana traz a idéia de um morador que renunciou
ao mundo, tornando estranha a necessidade de uma tranca, transformada
em mera curiosidade. O kigo é fuyu no tsuki (lua de inverno).
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Takarai Kikaku (1661-1707) |
are
kike to
shigure kuru yo no
kane no koe
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Tradução:
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Escutai de noite
Em meio à chuva de inverno
O soar do sino.
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É noite fria, e uma chuva mansa cai sobre o telhado fazendo seu
ruído. Ainda assim, ao longe, é possível distinguir
as badaladas de um sino. Seria o sino do santuário de Hachiman
em Fukagawa, próximo da cabana do mestre Bashô? Ou seria
o do templo de Asakusa, que Kikaku podia ouvir em seus passeios pelo bairro
boêmio de Yoshiwara? Talvez fosse mesmo o sino do templo de Miidera,
durante uma viagem a Kyoto.
O que se sabe é que não se trata de um ambiente rural.
É um haicai composto na cidade, sempre bem representada na poesia
de Kikaku, que nasceu e viveu em Edo.
Na tradição literária japonesa, a chuva fria, repentina
e passageira, que costuma cair no início do inverno, simboliza
a precariedade da existência humana. Tem, portanto, uma grande carga
sentimental. A associação com o sino distante reforça
essa característica. O sino acaba tornando-se o foco do poema,
especialmente enfatizado pelo verbo imperativo do primeiro verso. O kigo
é shigure, aqui traduzido simplesmente como chuva de inverno.
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Takarai Kikaku (1661-1707) |
echigoya
ni
kinu saku oto ya
koromogae
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Tradução:
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Da Casa Echigo
Vem o som de rasgar seda
Mudança de roupas.
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O kigo deste haicai é koromogae, literalmente mudança
de roupas. Descreve o que acontecia no início do verão,
quando, imitando o ciclo da natureza, os enchimentos de algodão
das vestimentas eram trocados por forros leves de seda, preparando as
pessoas para o calor. Compreensivelmente, as vendas de seda aumentavam
muito nessa época, enchendo de clientes as lojas de tecidos.
A Casa Echigo, fundada em 1673 na cidade de Edo (antigo nome de Tóquio),
inovou na época ao vender tecido a varejo, diretamente ao grande
público. Foi a origem do poderoso conglomerado de empresas Mitsui.
Em nossos tempos, foi sucedida pela cadeia internacional de magazines
Mitsukoshi. Kikaku passava em frente à loja quando ouviu o som
de rasgar seda. Este som corresponde ao ato de fazer um corte inicial
com tesoura e depois puxar com força as duas metades da fazenda,
de modo a separar a parte a ser vendida. Sintetizando a atividade dos
vendedores, este haicai ilustra a prosperidade econômica de uma
metrópole.
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Takarai Kikaku (1661-1707) |
uguisu
no
mi o sakasama ni
hatsu-ne kana
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Tradução:
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De ponta-cabeça,
O rouxinol entoa
As primeiras notas.
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Bashô deixou muitos discípulos, dos quais dez são
considerados os principais: Kikaku, Ransetsu, Kyorai, Jôsô,
Kyoriku, Shikô, Sampû, Yaha, Etsujin e Hokushi. Dentre esses,
Kikaku, médico de Edo (antigo nome de Tóquio), era tido
como o seu favorito, apesar de ter um caráter muito diferente do
mestre e de ter mesmo desenvolvido um estilo próprio após
a morte daquele. Este haicai é um de seus mais famosos. O uguisu
(rouxinol japonês) é um dos pássaros mais familiares
aos japoneses. Seus primeiros trinados em fevereiro são considerados
como um anúncio da primavera. Na arte tradicional, é comum
aparecer combinando com as ameixeiras floridas. Kikaku acompanha a movimentação
incessante do pássaro, pulando de galho em galho, até vê-lo
de cabeça para baixo, posição inusitada, na qual
entoa suas notas. Kyoriku parabenizou o aspecto inovador destes versos,
comparando-os aos melhores de Bashô, mas Kyorai criticou-os, dizendo
serem artificiais. O kigo (termo de estação) do haicai é
uguisu (rouxinol japonês) e a estação é primavera.
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