Oswald
de Andrade e a imigração japonesa
O drama dos filhos dos imigrantes que
viviam nas colônias foi mostrado como a integração
e a adaptação à nova realidade
(Por:
Lúcio Emílio do Espírito Santo Júnior*)
Embora
a imigração japonesa seja um dos temas principais
dos dois romances de Oswald de Andrade, Marco Zero I (Revolução
Melancólica) e Marco Zero II (Chão), não
podemos dizer que esse seja o grande romance
da imigração japonesa. Por sinal, parece-me
que não existiu tal romance.
Enredo
A imigração japonesa apareceu em Marco Zero
representando um perigo ao qual a antropofagia cultural
proposta pela narrativa de Oswald de Andrade reagiu. Se,
com a grande depressão de 1929, o Brasil ficou
hipotecado ao imperialismo estrangeiro, o
romance apresentou a antropofagia comunista
como antídoto tanto para as injustiças sociais
como para a rigidez ortodoxa dos comunistas brasileiros,
comparados, nesses romances, aos positivistas do tempo
da República Velha, ou seja, seriam grupos inadaptados
e destinados a serem expulsos do organismo social e político
nacional.
O
mesmo raciocínio exigido para as idéias
positivistas e comunistas foi cobrado dos japoneses. Eles
não poderiam se tornar colônias isoladas
no território. Esse diagnóstico a respeito
dos japoneses centrou-se na necessidade da integração
cultural, diferente da ênfase nos maus-tratos aos
imigrantes dada por muitos autores que abordaram o tema,
como por exemplo, Memórias de um Colono no Brasil,
de Thomas Davatz, e Hello Brasil: Notas de um Psicanalista
Europeu Viajando ao Brasil, de Contardo Calligaris. A
luta dos imigrantes pela ascensão social foi outro
tema associado a esses relatos. As narrativas enfocaram
o momento em que os colonos chegavam e eram maltratados
nas plantações.
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Identidade
e multiculturalismo
Os
dois romances Marco Zero vão por outro caminho
para enfocar a imigração japonesa: seguem
a linha de Canaã, de Graça Aranha, livro
de 1901 do autor que tratou da imigração
alemã no Espírito Santo sob o aspecto da
integração entre culturas e raças.
Nos volumes de Marco Zero publicados durante a Segunda
Guerra Mundial (o primeiro, Revolução Melancólica,
em 1943; o outro, Chão, em 1945), a imigração
japonesa surgiu a propósito do debate sobre a integração
entre as culturas e a mistura racial. Oswald propôs,
por meio desses romances, a adaptação do
imigrante japonês no Brasil. Afinal, Oswald foi
o grande teórico da antropofagia no sentido metafórico,
ou seja, um elogio ao multiculturalismo e à mestiçagem.
Em
Marco Zero, Oswald contrapôs a chegada do japonês
à do sírio-libanês e preconizou, indiretamente,
que o japonês se abrasileirasse, como fez o sírio
Salim Abara e sua esposa brasileira, D. Zilé. O
japonês, por sua vez, trazia a cooperação
e o dumping. Enquistava-se na terra do caboclo.
A relação entre os brasileiros e os colonos
japoneses teria, portanto, dois lados: cooperação
e concorrência desleal. Dr. Sakura, um japonês
culto, defendeu os seus patrícios da acusação
de concorrência desleal: Todas nação
proíbe entrada de produto japonês. Disque
é dumping, mas não é porque pobereza
perecisa de comê, vende maise borato (sic).
Portanto, a defesa dos japoneses foi perante a concorrência
desleal, mas não em relação à
mestiçagem.
O
conflito de identidade provocado por essa não-integração
teve lugar, em Marco Zero, principalmente dentro da escola
primária: o problema foi justamente a identificação
dos filhos dos colonos japoneses. Ilustrou-se esse conflito
quando o filho de Muraoka, Fusiko, rompeu em lágrimas
ao ser obrigado a se dizer brasileiro pela professora,
que inventou uma chamada patriótica.
O drama dos filhos dos imigrantes que viviam nas colônias
foi mostrado como sendo a integração e a
adaptação à nova realidade. Por isso,
Marco Zero não foi uma narrativa épica da
colonização japonesa, e sim uma narração
crítica, inserida entre a Revolução
de 32 e a Revolução Socialista.
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