Das
páginas para as telas
(Por:
Marco Souza*)
Atualmente,
no Japão, os mais do que famosos mangás,
as histórias em quadrinhos japonesas, sofrem uma
diminuição crescente de seu número
de leitores, ao perder espaço para mídias
digitais, como celulares, internet e games, que são
cada vez mais consumidos pelos jovens japoneses. Entre
2006 e 2007, houve uma queda de 4% nas vendas de mangás;
em 1995, contava-se com 1,34 bilhões de revistas
vendidas e, em 2006, o número decaiu para 745 milhões.
Uma parcela desse público leitor transferiu a leitura
de páginas dessas revistas para a leitura de celulares,
porque já existe, no Japão contemporâneo,
todo um mercado voltado para mangás produzidos
especificamente para a tela de telefones móveis.
As vendas de mangás para serem lidos pelo celular
somaram ¥ 4,6 bilhões em 2005 e essas cifras
duplicaram em 2007.
Tecnologia
e literatura
Esse é um indício preciso de como a popularidade
e a onipresença da telefonia móvel como
dispositivo de comunicação e de entretenimento
é uma realidade palpável em diversos segmentos
da sociedade nipônica. Como um dos mais característicos
e presentes objetos tecnológicos do mundo contemporâneo,
o celular foi assumindo uma série de funções.
E, no Japão, país singularmente marcado
pelo avanço de todo tipo de tecnologia, não
é diferente do resto do planeta quando se trata
de usos e abusos do celular. Só que a história
da evolução de um mero aparelho de comunicação
para um dos mais inovadores formatos de entretenimento
tem capítulos muito especiais escritos pela cultura
japonesa. Tanto que, muito antes dos Cellmangás
(designação dos mangás feitos para
celulares), o Japão foi o pioneiro na transformação
do celular em suporte de leitura para obras literárias.
Diversos
sites japoneses de conteúdo para telefones móveis
oferecem milhares de livros clássicos, modernos,
best sellers e com variados assuntos e escritores. O mais
procurado é o site Bunko Yomidai, que surgiu em
2003 e que, hoje em dia, conta com cerca de 70 mil assinantes.
Os assinantes do site podem procurar as obras por autor,
título ou gênero e ainda são incentivados
a escrever resenhas, enviar e-mails ao site e dizer o
que querem ler. Uma recente pesquisa de marketing feita
em 2007 mostrou que mais da metade dos leitores japoneses
de celular são mulheres entre a faixa etária
de 16 até 25 anos e muitos usam o celular não
apenas em público, mas também para ler na
privacidade de seus lares. De acordo com a pesquisa, os
japoneses estão usando o celular para se aproximar
de obras clássicas que nunca conseguiram terminar
de ler e também para ler manuais sobre sexo e outros
livros com temática mais íntima, para evitar
o constrangimento de serem vistos comprando-os em livrarias
sendo muito comum, igualmente, baixar um dicionário
eletrônico no celular para utilizá-lo no
dia-a-dia.
Livros
móveis
O sucesso dos livros móveis (termo usado para designar
os livros para celulares) é tanto, que a literatura
para celular japonesa não se limita a livros já
existentes. A demanda por esse tipo de leitura trouxe
a criação de um gênero específico
de literatura feita diretamente para as limitações
e as particularidades da leitura de celular. As Keitai
Shousetsu são novelas japonesas escritas diretamente
para as dimensões de um telefone móvel.
Em 2007, no Japão, entre os primeiros dez livros
da lista de mais lidos do ano, cinco foram originalmente
Keitai Shousetsu, que após o sucesso nos celulares
tiveram também a sua publicação como
livros impressos. Keitai é um tipo de literatura
feita sempre por escritores desconhecidos e iniciantes
que usam pseudônimos e escrevem, essencialmente,
para um público composto por adolescentes do sexo
feminino que, não por acaso, são
as grandes consumidoras de celulares no Japão.
As tramas Keitai giram em torno de romances adolescentes,
sexo, drogas e violência misturados com aventura,
mistério e terror, tudo escrito em frases curtíssimas,
com imagens, ícones, sons e ritmo do espaço
mínimo da tela.
Até
agora, o maior best seller Keitai vem de um autor chamado
Yoshi, que escreveu Deep Love, uma novela sobre uma prostituta
adolescente em Tóquio. Deep Love tornou-se um sucesso,
principalmente em função da propaganda boca
a boca entre os adolescentes nipônicos. Virou um
filme para cinema, uma série de TV, um mangá
e um livro impresso, com cerca de 2,6 milhões de
cópias vendidas. Yoshi é um professor de
2º grau aposentado que lê as dezenas de mensagens
de e-mail que seus fãs adolescentes lhe enviam
diariamente para usá-las como idéias em
novas histórias. Com esse contato direto com seus
leitores, ele também sabe quando seu público
está ficando entediado e qual o momento certo para
alterar o enredo e manter os acessos e o interesse dos
leitores.
O
consumo e a mobilização em torno dos livros
móveis levou a uma expansão para fora do
Japão. A literatura para celular está chegando
aos Estados Unidos, à Europa e a outros países
da Ásia, com investimentos que esperam repetir
o êxito obtido na sociedade japonesa. Modismo adolescente,
novo formato literário, sinônimo da época
atual, tudo isso pode ser encontrado nas Keitai Shousetsu.
Mas só o futuro mostrará o impacto real
e a contribuição efetiva para a literatura
que essa inovação literária poderá
desenvolver.
|