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Arte em Letras
Matéria publicada no Zashi edição 8 - Abril de 2008

Das páginas para as telas

(Por: Marco Souza*)

Atualmente, no Japão, os mais do que famosos mangás, as histórias em quadrinhos japonesas, sofrem uma diminuição crescente de seu número de leitores, ao perder espaço para mídias digitais, como celulares, internet e games, que são cada vez mais consumidos pelos jovens japoneses. Entre 2006 e 2007, houve uma queda de 4% nas vendas de mangás; em 1995, contava-se com 1,34 bilhões de revistas vendidas e, em 2006, o número decaiu para 745 milhões. Uma parcela desse público leitor transferiu a leitura de páginas dessas revistas para a leitura de celulares, porque já existe, no Japão contemporâneo, todo um mercado voltado para mangás produzidos especificamente para a tela de telefones móveis. As vendas de mangás para serem lidos pelo celular somaram ¥ 4,6 bilhões em 2005 e essas cifras duplicaram em 2007.

Tecnologia e literatura

Esse é um indício preciso de como a popularidade e a onipresença da telefonia móvel como dispositivo de comunicação e de entretenimento é uma realidade palpável em diversos segmentos da sociedade nipônica. Como um dos mais característicos e presentes objetos tecnológicos do mundo contemporâneo, o celular foi assumindo uma série de funções. E, no Japão, país singularmente marcado pelo avanço de todo tipo de tecnologia, não é diferente do resto do planeta quando se trata de usos e abusos do celular. Só que a história da evolução de um mero aparelho de comunicação para um dos mais inovadores formatos de entretenimento tem capítulos muito especiais escritos pela cultura japonesa. Tanto que, muito antes dos “Cellmangás” (designação dos mangás feitos para celulares), o Japão foi o pioneiro na transformação do celular em suporte de leitura para obras literárias.

Diversos sites japoneses de conteúdo para telefones móveis oferecem milhares de livros clássicos, modernos, best sellers e com variados assuntos e escritores. O mais procurado é o site Bunko Yomidai, que surgiu em 2003 e que, hoje em dia, conta com cerca de 70 mil assinantes. Os assinantes do site podem procurar as obras por autor, título ou gênero e ainda são incentivados a escrever resenhas, enviar e-mails ao site e dizer o que querem ler. Uma recente pesquisa de marketing feita em 2007 mostrou que mais da metade dos leitores japoneses de celular são mulheres entre a faixa etária de 16 até 25 anos e muitos usam o celular não apenas em público, mas também para ler na privacidade de seus lares. De acordo com a pesquisa, os japoneses estão usando o celular para se aproximar de obras clássicas que nunca conseguiram terminar de ler e também para ler manuais sobre sexo e outros livros com temática mais íntima, para evitar o constrangimento de serem vistos comprando-os em livrarias – sendo muito comum, igualmente, baixar um dicionário eletrônico no celular para utilizá-lo no dia-a-dia.

Livros móveis

O sucesso dos livros móveis (termo usado para designar os livros para celulares) é tanto, que a literatura para celular japonesa não se limita a livros já existentes. A demanda por esse tipo de leitura trouxe a criação de um gênero específico de literatura feita diretamente para as limitações e as particularidades da leitura de celular. As Keitai Shousetsu são novelas japonesas escritas diretamente para as dimensões de um telefone móvel. Em 2007, no Japão, entre os primeiros dez livros da lista de mais lidos do ano, cinco foram originalmente Keitai Shousetsu, que após o sucesso nos celulares tiveram também a sua publicação como livros impressos. Keitai é um tipo de literatura feita sempre por escritores desconhecidos e iniciantes que usam pseudônimos e escrevem, essencialmente, para um público composto por adolescentes do sexo feminino – que, não por acaso, são as grandes consumidoras de celulares no Japão. As tramas Keitai giram em torno de romances adolescentes, sexo, drogas e violência misturados com aventura, mistério e terror, tudo escrito em frases curtíssimas, com imagens, ícones, sons e ritmo do espaço mínimo da tela.

Até agora, o maior best seller Keitai vem de um autor chamado Yoshi, que escreveu Deep Love, uma novela sobre uma prostituta adolescente em Tóquio. Deep Love tornou-se um sucesso, principalmente em função da propaganda boca a boca entre os adolescentes nipônicos. Virou um filme para cinema, uma série de TV, um mangá e um livro impresso, com cerca de 2,6 milhões de cópias vendidas. Yoshi é um professor de 2º grau aposentado que lê as dezenas de mensagens de e-mail que seus fãs adolescentes lhe enviam diariamente para usá-las como idéias em novas histórias. Com esse contato direto com seus leitores, ele também sabe quando seu público está ficando entediado e qual o momento certo para alterar o enredo e manter os acessos e o interesse dos leitores.

O consumo e a mobilização em torno dos livros móveis levou a uma expansão para fora do Japão. A literatura para celular está chegando aos Estados Unidos, à Europa e a outros países da Ásia, com investimentos que esperam repetir o êxito obtido na sociedade japonesa. Modismo adolescente, novo formato literário, sinônimo da época atual, tudo isso pode ser encontrado nas Keitai Shousetsu. Mas só o futuro mostrará o impacto real e a contribuição efetiva para a literatura que essa inovação literária poderá desenvolver.


*Marco Souza é jornalista e pesquisador do Centro de Estudos Orientais da PUC-SP.

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