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Arte em Letras
Matéria publicada no Zashi edição 4 - Dezembro de 2007

Santôka: andarilho e poeta

Vida simples e desapego pelo mundo material foram algumas das características mais marcantes do poeta

(Por Edson Kenji Iura*)

Perto do meio-dia, Santôka e seu visitante conversam. Perguntado se gostaria de comer, o visitante responde que sim. Santôka traz uma tigela de ferro cheia de arroz e a deposita em frente ao visitante, sobre o tatami, acompanhada de um pimentão. O visitante inicia o almoço, enquanto Santôka permanece olhando para ele. Intrigado, o visitante pergunta: “Você não vai comer também?” E Santôka responde: “É que tenho apenas uma tigela”.

Esta é uma das anedotas que se conta sobre Taneda Santôka (1882–1940), ilustrando a simplicidade de sua vida e seu desapego pelo mundo material. A poesia de Santôka foi um retrato desse modo de ser. Descendente do movimento do haicai livre do início do século XX, freqüentemente dispensava metro ou referência à estação, centrando-se na fruição do presente junto à natureza, sem preocupação com o passado ou o futuro.

Sua vida trágica pareceu finalmente iluminar-se com a ordenação como monge zen-budista, aos 43 anos. Ainda assim, suas inquietações não terminaram. Decidido a livrar-se das últimas amarras que o uniam ao mundo, tornou-se andarilho. Munido apenas de uma tigela de ferro e de um kasa (chapéu largo de palha), percorreu a pé o Japão durante seis anos, pedindo esmolas para sobreviver. E, quando a idade avançou, instalou-se numa humilde cabana na província natal de Yamaguchi, onde se deu o episódio acima.

teppachi no naka e mo arare

Na tigela de ferro,
também o granizo.

A tigela de ferro serve para recolher esmolas e também para comer o arroz. Mesmo que só receba granizo, o único sentimento possível é a gratidão.


ushiro sugata no shigurete yuku ka

Enquanto me vou,
as costas molhadas, talvez,
pela chuva de inverno.

Para Santôka, andar era viver. E a chuva de inverno, representando os rigores do caminho, era o próprio símbolo de sua andança.


wakeittemo wakeittemo aoi yama

Por mais que me embrenhe
e mais que me embrenhe,
montanhas azuis.

O sentimento de vastidão decorrente da liberdade talvez contraste com uma certa melancolia por nunca atingir o destino.


amadare no oto mo toshi totta

O som das gotas de chuva
também envelheceu.

Dizem que a idade traz sabedoria. A única certeza é que somos passageiros, como a chuva.


* Edson Kenji Iura é haicaísta do Grêmio Haicai Ipê e também um dos colunistas da seção Arte em Letras.

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