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ESPECIAL - ZASHI
Matéria publicada no Zashi edição 7 - Março de 2008

Do papel de embrulho ao Impressionismo

Fenômeno cultural da história da arte, o Japonismo deu novo fôlego às produções européias no século XIX
e inspirou o surgimento de uma das vanguardas mais importantes do Velho Mundo

(Por Suzana Sakai | Colaboração: Erika Horigoshi)


Releitura computadorizada mantém viva a mais
famosa gravura do gênio Katsushika Hokusai

As temáticas tipicamente japonesas trouxeram novo fôlego em um momento no qual artistas europeus se encontravam em estagnação

A arte japonesa, decadente em seu próprio país, ganha força novamente entre artistas impressionistas franceses”, relatou nada mais nada menos que Vincent Van Gogh, em carta ao seu irmão. O pintor referia-se às gravuras no estilo ukiyo-e, que eram produzidas em escalas comerciais no Japão e chegavam ao Ocidente como papel de embrulho. Esse encontro – entre a arte do Oriente e do Ocidente – sacudiu os, até então, estagnados artistas europeus. “No momento em que o comodoro Perry forçou o governo japonês a abrir seus portos para o comércio exterior, abriu, com eles, a comporta de uma represa cultural até então pouco conhecida. Estava represada dentro do Japão uma cultura rica e pura de influências, dado o seu longo isolamento. Os de dentro da represa estavam sedentos de conhecer o resto do mundo, e o resto do mundo procurava alguma coisa nova que pudesse sacudir o seu academicismo. O encontro dessas duas culturas nesse momento foi um casamento perfeito”, explica a professora e jornalista Mara Rúbia Arakaki. Já o escritor Siegried Wichmann, descreve esse choque entre o Ocidente e o Oriente com um conceito ainda mais forte, no livro Japonisme – The Japanese Influence on Western Art Since 1858, inédito em português: “O impacto do Japão na arte ocidental foi imediato e quase um cataclisma – assim como a influência do Ocidente na vida japonesa. Após a abertura dos portos japoneses, pelo comandante Perry, as tradições nipônicas da cerâmica, o trabalho com o metal e a arquitetura, assim como as estampas e as pinturas, alcançaram o Ocidente e lhe eletrizaram com novas idéias de composição, cor e design”.

A influência do ukiyo-e

Com a abertura comercial, os europeus tiveram acesso a diversos objetos japoneses, mas as estampas ukiyo-e podem ser apontadas como a grande sensação daquele momento. O sucesso chega a ser inexplicável. Imagine artistas do porte de Van Gogh ou Felix Bracquemond preocupados muito mais com as embalagens recém-chegadas do arquipélago, do que as encomendas em si.

O mais curioso disso tudo é que os produtos japoneses já começavam a se destacar nos Estados Unidos, mas foi nas mãos dos artistas europeus, encantados com o papel de embrulho, que a arte do século XIX ganhou um novo sentido. “O interesse crescente pelas estampas ukiyo-e, tão fundamental para os artistas, fez-se por um caminho independente das grandes manifestações oficiais. Foram os artistas europeus os primeiros a perceberem o valor das estampas, e alguns testemunhos permitem reconstituir as datas e circunstâncias. O pintor Bracquemont, em 1856, descobriu um volume das célebres Manga de Hokusai com um comerciante parisiense servindo de papel de embalagem e proteção para porcelanas despachadas por franceses estabelecidos no Japão. Claude Monet entrou em contato com o ukiyo-e de modo semelhante, em sua cidade natal, no porto de Havre, por onde chegavam as mercadorias do Japão”, alega o professor Luiz Carlos Dantas, em palestra sobre o assunto realizada na Fundação Japão. “Van Gogh, ao travar contato com o Impressionismo, descobriu o gosto pela arte nipônica. Com a ajuda de seu irmão, Theo, o artista adquiriu cerca de 400 gravuras japonesas, graças aos seus baixíssimos preços. Algumas obras com essa influência são: Oiran (1887), As Árvores (1886-1888) e Japonaiserie: Chuva na ponte (1887); as quais tiveram como fonte de inspiração as xilogravuras japonesas de Utagawa Hiroshigue, Eizan, entre outros”, completa a professora da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Monica Okamoto.

Grandes exposições

Apesar do encanto dos artistas europeus, logo no primeiro contato com as peças do arquipélago, o termo Japonismo só se tornaria conhecido com as grandes exposições. Um bom exemplo disso foi a Segunda Exposição Internacional, que ocorreu em Londres, em 1862, e foi responsável pela projeção e pelo reconhecimento dos produtos nipônicos no Ocidente. “As peças japonesas dessa mostra pertenciam, em sua maioria, ao primeiro-ministro britânico da época, sir Rutherford Alcock, que colecionava muitos desses objetos artísticos. O Japão, mesmo não participando oficialmente da exposição, atraiu inúmeros admiradores de seus objetos de laca, porcelanas e maki-e [pinturas em rolo]. O acontecimento foi a pedra-de-toque que tornou popular, entre os europeus, a tão longínqua arte japonesa”, afirma Monica. “A partir dessa data, o pintor James Whistler, de origem americana, passou a utilizar, em seus quadros, elementos decorativos nipônicos, biombos, leques, quimonos e sedas. Esse artista importante, que viajava com freqüência entre Londres e Paris, foi elemento essencial de difusão do Japonismo na França, ocorrida com alguns anos de atraso com relação à Inglaterra”, comenta Dantas.

Apesar do sucesso, o Japão só participaria oficialmente de uma exposição internacional em 1867 em Paris. “Especialistas franceses foram enviados ao Japão para trabalhar na seleção dos objetos da mostra, juntamente com as autoridades japonesas. Inúmeros artigos foram selecionados e enviados a Paris, dentre eles 5,6 mil pinturas de ukiyo-e e 60 mil peças de cerâmica”, conta Monica.

Em 1867, as peças nipônicas fizeram um sucesso imenso, mas, na exposição de 1878, atingiram seu apogeu. “Nesse ano, foram expostas peças religiosas trazidas por Émile Guimet, que formariam o primeiro núcleo do que seria mais tarde o Museu de Artes Orientais da França. Na exposição de 1889, a apresentação metódica de objetos, livros e gravuras alçou a arte japonesa, considerada até então essencialmente decorativa, ao nível da grande arte”, disse Dantas.

Rumo ao Impressionismo

Como já foi dito no início desta matéria, o Japonismo representou uma verdadeira revolução no mundo da arte. A Europa e os EUA, até então mergulhados na Revolução Industrial, encontraram na inexplorada arte japonesa um novo impulso para suas criações artísticas. Os ocidentais passam a encarar o mundo tal qual como ele é, aspecto que foi descoberto nas estampas ukiyo-e. “As grandes experiências impressionistas focam a natureza, com uma pintura pouco solene, com pessoas remando, tomando chá. Pinturas que demonstram o cotidiano, uma vida desprovida de formalidade, uma das características das gravuras em ukiyo-e”, relatou Dantas em palestra.

Monica também observa que a natureza foi fundamental para o surgimento de um novo movimento artístico. “O Japonismo motivou o Impressionismo a desprezar a pintura em estúdio dos grandes salões e o fez procurar diretamente na natureza os motivos de suas obras”, afirma. “A contribução direta ou indireta do Japonismo às artes ocidentais foi fundamental e inexorável. Artistas sensíveis não poderiam deixar de observar o que a arte japonesa trazia de novidade e de inovação. Acredito que o conhecimento da estética japonesa foi essencial para o surgimento do modernismo”, finaliza Mara Rúbia Arakaki.


The Red Kimono representa a
admiração de Breitner pelo traje oriental

Madame Monet in a Kimono:
beleza e sofisticação,


O fascínio pelo quimono

E quem diria que o quimono, um dos ícones máximos da cultura e da tradição japonesas, tornaria-se um elemento de admiração e, em alguns casos, até de adoração por parte dos europeus? Bem, de fato isso aconteceu e o grande difusor do famoso traje do arquipélago na Europa foi, mais uma vez, o ukiyo-e. “Postura e gestos são o centro dos teatros Kabuki e Nô. Seu repertório de movimentos também conduz os trabalhos dos artistas de ukiyo-e, que fizeram um grande número de pinturas de atores”, escreve Siegfried Wichmann em seu livro Japonisme – The Japanese Influence on Western Art Since 1858, inédito em português.

Nesse contexto, o quimono assumiu, na Europa, o status de símbolo de arte nipônica também devido à sua sofisticação, ao design diferenciado e à originalidade. A prova da admiração pública dos gênios ocidentais pela vestimenta está em quadros como The Red Kimono (1893), de Georg Hendrik Breitner, e Madame Monet in a Kimono (1876), pintado por Claude Monet. Na falta de mulheres japonesas para ostentar o traje, esses talentosos artistas contentavam-se em usar como modelos as belas européias, o que resultou em uma mistura de idéias que marcou o conceito estético do Japonismo no Ocidente.


Curiosidades: o antes e o depois

Um dos efeitos mais interessantes deixados pelo Japonismo na arte européia é a observação de como as obras orientais inspiraram a criação direta de artistas ocidentais. Abaixo, veja alguns desses processos e seus resultados.

De Harunobu a Monet
Alguns registros históricos contam que Monet adquiriu, em um mercado parisiense, a gravura Women in a Boat Picking Lotus Flowers, de 1765, feita por Harunobu Suzuki. O francês teria ficado tão impressionado com a beleza do trabalho oriental, que passou horas ininterruptas observando a gravura. Dessa observação, surgiu o quadro Canoe Trip on the Epte, de 1887, com temática semelhante à escolhida por Harunobu em sua gravura.
Hiroshige e Van Gogh
De tão admirado pelo ukiyo-e, Van Gogh criou uma série de trabalhos chamada Japonaiserie, na qual faz versões copiadas dos originais de Ando Hiroshige. Um dos resultados mais famosos é o que se vê ao lado: a visão do holandês – já com o estilo de traço que daria origem às obras-primas expressionistas – da Ponte Ohashi.



Cassat x Utamaro
Esta curiosidade põe a América no mapa do Japonismo:
a americana Mary Cassat, discípula de Degas
e do Impressionismo, pintou a tela O Banho (1891)
após muito estudar a gravura
Mother and Sleep Child, de Utamaro Kitagawa.


A carta de Van Gogh

Apesar do excessivo talento para a pintura, o holandês Vincent Van Gogh (1853-1890) não tinha a mesma habilidade com dinheiro ou negócios. Seu irmão Theo (Theodorus) costumava ajudá-lo comprando-lhe material de pintura, suprindo suas necessidades financeiras e trocando correspondências constantes com o artista.

No trecho a seguir, traduzido de uma das cartas de Van Gogh para Theo, nota-se claramente sua dependência material em relação ao irmão, o conhecimento do pintor holandês a respeito da decadência do ukiyo-e no Japão daquela época e também o apreço que ele nutria pela arte do arquipélago, que, naquele período, dava novo ânimo às produções européias:

“... Mas, por favor, mantenha o estoque de Bing [obras de arte negociadas por Siegfried Samuel Bing, grande apaixonado pela arte japonesa e um de seus introdutores no Ocidente], isso é muito vantajoso. Eu tenho facilidade tanto para perder dinheiro quanto para ganhá-lo, mas isso me dará a chance de olhar muitas coisas japonesas com calma e tranqüilidade. Seus quartos não serão o que são hoje sem essas peças japonesas sempre ali...

Mas não cancele o depósito na conta. De certo modo, todo o meu trabalho está fundado na arte japonesa e, se eu mantiver minha palavra sobre Bing, será porque penso que, depois de minha visita ao sul, posso ser capaz de levar os negócios mais seriamente.

A arte japonesa, decadente em seu próprio país, ganha forças novamente entre artistas impressionistas franceses. Esse é o valor prático para artistas que, naturalmente, me interessam mais do que o negócio com peças japonesas. Mesmo assim, o comércio é interessante, tanto mais devido à direção que a arte francesa tende a tomar.” .

Fonte: Japonisme – The Japanese Influence on Western Art Since 1858 (Siegfried Wichimann)


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