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Matéria
publicada no Zashi edição 4 - Dezembro de
2007
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Saborosas
inovações
Adaptações
da gastronomia japonesa no Brasil abrem espaço para
uma culinária inovadora
(Por
Suzana Sakai | Fotos: Divulgação)
Praticamente
cem anos se passaram desde que os primeiros imigrantes japoneses
desembarcaram no Brasil. De lá para cá, os
hábitos culturais desses dois países passaram
a se misturar e até mesmo formar uma nova cultura.
No entanto, nenhum aspecto do arquipélago foi tão
difundido como a gastronomia, que, com sua beleza e exotismo,
caiu no gosto brasileiro, garantindo seu espaço nesse
novo país.
Distantes
de casa, os imigrantes sentiram a necessidade de substituir
alguns ingredientes de suas receitas para garantir o consumo
da culinária japonesa no Brasil. Esse processo de
adaptação foi o primeiro passo para a descoberta
de novos sabores, o que mais tarde receberia o nome de fusion,
ou fusão, em português. Acredito que
todos os pratos japoneses sofreram adaptações,
alguns menos, outros mais, pois, no Brasil, não havia
ingredientes autênticos para a execução
dos pratos, afirma o autor do blog Comes & Bebes,
Marcelo Katsuki.
Troca
de sabores
Com
o processo de imigração, iniciou-se também
uma contínua e deliciosa troca de sabores entre brasileiros
e japoneses, motivada tanto pela falta de produtos quanto
pela curiosidade. A comunidade nipo-brasileira, desde
o início da imigração, teve o costume
de receber bem os amigos brasileiros em diversos eventos,
apresentando novos sabores e integrando novos costumes.
Com isso, houve um enriquecimento no cardápio brasileiro,
explica a empresária do ramo gastronômico Celina
Yano.
Apesar
do interesse dos brasileiros por essa nova cultura, sem
dúvida, a culinária do Brasil passou a exercer
uma influência muito maior nas receitas dos imigrantes.
Foram implantadas novas verduras, legumes, hortaliças
e frutas. Além disso, houve um aumento na quantidade
de carne nas receitas e o acréscimo de novos temperos,
como o alho, por exemplo, conta Celina.
Com
o tempo, a culinária brasileira passou
a influenciar as receitas dos imigrantes
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Segundo
o professor da Universidade de São Paulo (USP), Koichi
Mori, que realiza pesquisas nessa área, o arroz foi
o ponto de partida para a adaptação dos imigrantes
aos ingredientes brasileiros. No Brasil, o arroz é
um acompanhamento, mas, no Japão, é o prato
principal. Então, o fato de existir esse produto
facilitou bastante a adaptação dos japoneses.
O arroz agulha era preparado à moda japonesa, ou
seja, era cozido com mais água e sem tempero,
revelou Mori em uma de suas palestras.
E,
por falar em condimento, é preciso destacar a importância
das variações do shoyu e do missô na
cozinha dos imigrantes. Para os japoneses prepararem
o okazu [misturas], bastava o shoyu e o missô. A primeira
leva de imigrantes trouxe a soja para preparar os produtos
e, com um maior esforço, reinventaram o missô
com feijão, explica Mori.
As
receitas japonesas foram modificadas de forma diferente
em cada região do país, já que o Brasil
é um país bem diversificado e tem variações
de produtos de acordo com a localização dos
estados. As regiões distantes do mar adaptaram
os pratos à base de peixe cru. O sashimi passou a
ser preparado com peixes de água doce em alguns estados,
ressalta Celina. Existe ainda a questão da
cultura local. Há uns 15 anos, conheci, em Natal,
um restaurante japonês arquitetonicamente impecável.
Mas, quando entrei, havia música ao vivo com um tecladista
cantando música regional e os teppans eram servidos
com batata frita. E as pessoas adoravam, conta Katsuki.
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Popularização
dos pratos põe em xeque a sutileza de seu modo
de preparo, marginalizada pelo rápido ritmo
de comercialização
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Adaptar e incrementar
As necessidades dos imigrantes de substituir alguns ingredientes
acabou por modificar as receitas de pratos tradicionais
do arquipélago. Com o passar do tempo e a popularização
da gastronomia oriental, outros elementos também
foram substituídos para incrementar os pratos. Confira
algumas das receitas que foram modificadas nessa mescla
de culturas:
Nori Maki arroz temperado com vinagre, sal e açúcar,
enrolado em algas. Quando os imigrantes desembarcaram em
território brasileiro, esse prato era preparado com
recheio de vagem ou agrião por não existirem
aqui (na época) produtos originais do Japão,
como horenso, gobô e shiitake.
Niguiri Sushi bolinhos de arroz preparados de forma
artesanal e cobertos tradicionalmente com frutos do mar
crus. No Brasil, pode-se encontrar o prato com frutas, frios
e carne bovina.
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A fusão no centro das atenções
Às
vésperas do centenário da imigração
japonesa, as inovações das receitas do arquipélago
deixaram de ser uma necessidade, já que os produtos
do Japão podem ser encontrados com facilidade no
Brasil. No entanto, a gastronomia japonesa passa por um
processo contínuo de adaptação ao
paladar brasileiro e ganha status e glamour sob o codinome
de fusion.
A
fusion (fusão) nada mais é do que uma mescla
entre as cozinhas brasileira e japonesa, que tem um importante
papel na difusão da culinária do arquipélago.
Sou a favor de todas as tentativas de fusion. É
um risco, pois nem sempre dará certo, mas tem sua
importância para popularizar a gastronomia japonesa
no Brasil, mas acho que ainda falta descobrir muitas coisas,
afirma o crítico gastronômico do jornal O
Estado de S.Paulo, Ilan Kow, em debate sobre o tema. A
culinária é adaptada conforme as condições
do lugar. Se a fusão de cozinhas diferentes for
levada a sério, o resultado dá muito certo.
Muitas receitas japonesas já são adaptações
de receitas de outros países, como a China, por
exemplo, complementa o diretor do Hospital Santa
Cruz e apreciador da culinária japonesa Paulo Yokota.
Em
busca da sutileza
Um
ponto extremamente importante na gastronomia japonesa
e que tem se perdido com sua popularização
no Brasil é a delicadeza no modo de preparo. Há
espaço para a cozinha tradicional e para a contemporânea,
mas acho importante conservar os aspectos da culinária,
a sutileza. A culinária japonesa não significa
excesso de shoyu, diz Katsuki. É preciso
amor, carinho. Quando você gosta, você vai
buscar como fazer bem. A proliferação fez
com que a comida se comercializasse e perdesse essa sutileza,
afirma a empresária Chieko Aoki.
Como
japonês legítimo, o chef Tsuyoshi Murakami
confirma a preocupação de Katsuki e Aoki.
A comida japonesa é essência. Você
pode reinventar, mas precisa manter a essência japonesa,
afirma.
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Mistura
entre a culinária Brasil Japão
recebeu o nome de fusion (fusão)
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Caipirinha
de saquê: Uma fusão de sucesso
Lançada
há aproximadamente 5 anos, a caipirinha de saquê
é considerada uma das melhores invenções
desse processo de adaptação da gastronomia
japonesa no Brasil. A iguaria, tida no Japão como
uma bebida dos deuses que deve ser reverenciada e
consumida morna ou quente , ganha um sabor tropical
e se populariza em território brasileiro. Os
deuses que nos perdoem, mas a caipirinha de saquê
é uma delícia. A pureza do saquê e o
sabor das nossas frutas tropicais, ungidas pelo açúcar,
não pode ser pecado, talvez um deslize, no máximo
uma pequena infração, brinca a empresária
do ramo gastronômico Celina Yano.
Além
de adaptar uma bebida típica do Japão ao gosto
brasileiro, a fusão também serve como uma
opção para quem aprecia a caipirinha, mas
acha a cachaça muito forte, como é o caso
do responsável pelo suplemento Paladar, do jornal
O Estado de S.Paulo, Ilan Kow. Eu acho [a caipirinha
de saquê] uma verdadeira maravilha. Uma das melhores
fusões. Eu não bebo cachaça e o saquê
deixa a bebida mais leve, conta o jornalista em um
debate sobre o tema.
O sucesso da invenção foi tão grande,
que a Tozan responsável pela criação
da bebida e distribuidora de saquê no Brasil
precisou aumentar a produção. Depois
de 30 anos no mercado, conseguimos deslanchar graças
a essa fusão. Em dois anos, precisamos dobrar nossa
capacidade, comemora o diretor-presidente do Grupo
Tozan no Brasil, Toru Iwasaki.
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Processo
de popularização incluiu o
uso da carne vermelha em vários pratos
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Mix de sabores
Mesclar
as culinárias japonesa e brasileira não é
uma tarefa fácil. Imagine, então, incluir
a gastronomia francesa nessa mistura. Se você achou
essa missão impossível, saiba que a chef Fabiana
Cesana aceitou esse desafio e tem feito muito sucesso com
pratos como o Pescado em Crosta de Castanha Caramelizada
e Polenta com Wasabi e o Mousse de Matchá
com Quenelle de Azuki e Couli de Framboesa, que contêm
elementos brasileiros, franceses e japoneses.
Fabiana,
que é brasileira, estudou gastronomia francesa em
Paris e aprecia a culinária japonesa desde pequena.
O conhecimento das técnicas, o sabor e a história
dos pratos foram fundamentais para que suas invenções
fizessem sucesso. Fazer fusões me encanta.
A gastronomia é a história de seu povo e a
do Japão é muito rica. Quando eu era pequena,
meu pai sempre me levava na Liberdade para comer lámen.
Como fiz cozinha clássica francesa, junto a técnica
com a lembrança, explica Cesana.
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